Um argumento utilizado pela extrema direita para mobilizar apoiadores e conquistar eleitores é o de que a esquerda é elitista e não representa, de fato, o povo. Nessa visão, ecoada por figuras como Olavo de Carvalho, sinais de progressismo são vistos como elitistas – e distantes do povo, conservador por natureza.
Agora, nesta eleição, o cenário é de uma esquerda tolhida, e uma direita que se desdobra em vários tipos de conservadorismo, dos militarizados aos coaches individualistas. A radicalização ultrapassou o que se convencionou chamar de ‘bolsonarismo’. Olavo tinha razão?
Para o cientista político Jorge Chaloub, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, variantes da ideia de que o povo é de ‘direita’ foram naturalizadas por muita gente. Não é uma exclusividade do Brasil e nem um pensamento novo, mas há uma particularidade no caso brasileiro: uma profunda assimetria estrutural entre direita e esquerda no cenário político e no debate público.
Para Chaloub, há uma tolerância a posições mais radicais à direita por parte, por exemplo, da imprensa.
Se por um lado os comentaristas da mídia hegemônica diziam “ele não vai fazer isso de verdade” ao dar opinião sobre a falas de Jair Bolsonaro como “vamos fuzilar a petralhada”, a mesma relativização não acontece quando Guilherme Boulos, candidato do PSOL, comenta sobre habitação, por exemplo. Sua trajetória no movimento social por moradia sempre paira como uma ameaça à “invasão de propriedade privada” para setores conservadores da imprensa.
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Falamos com Chaloub também sobre a performance de Pablo Marçal nos debates. Se antes víamos o coach ostentar seus jatos e casas de luxo, agora o candidato a prefeito de São Paulo pelo PRTB canta Racionais MC’s, fala gírias e enfatiza sua origem periférica. Esse é só mais um personagem utilizado na performance do coach, que está em terceiro lugar nas pesquisas.
Para Chaloub, Marçal representa um movimento de radicalização moral do liberalismo, mais próximo de Javier Milei do que de Bolsonaro. Que performa uma masculinidade tóxica enquanto ostenta a realização pessoal focada no dinheiro.
Por isso, avalia Chaloub, o episódio da cadeirada parece não ter gerado um efeito positivo para Marçal. “Se é tão valente e luta com tubarão, como toma uma cadeirada de um senhor de idade?” questiona ele, complementando que a “cena com máscara de oxigênio e ambulância” demonstrou uma fragilidade “que não faz parte do personagem”.
Jorge Chaloub pesquisa as direitas brasileiras após 1945 e a ascensão da extrema direita, entre outros temas. Ele é co-organizador dos livros “Democracy and Brazil: Collapse and Regression” e “A Nova República em crise”.
Leia a entrevista completa:
Intercept Brasil – Uma parte da opinião pública reflete o senso comum de que a esquerda é elitista e a direita popular. De onde surgiu isso?
Jorge Chaloub – O discurso é antigo e não se restringe ao Brasil, mesmo que seja importante ressaltar que ele ganhou grande força como arma política e eleitoral nos últimos 20 anos. Encontramos uma retórica bem parecida em alguns dos principais autores da direita norte-americana do pós-1945.
William Buckley, por exemplo, escreveu um livro em 1951 com o argumento que as grandes universidades dos Estados Unidos teriam sido tomadas por uma elite de esquerda, liberal, no vocabulário dele, distante dos verdadeiros valores do país. Não é um argumento isolado, mas se repete em vários dos principais intelectuais públicos das várias vertentes da direita no país.
Quando olhamos para o Brasil, o argumento de que o povo seria conservador é, por outro lado, presente em atores e autores à direita e à esquerda, também há algumas décadas. Escrevi recentemente um artigo ao lado do Pedro Lima, professor da UFRJ, tentando reconstruir este discurso, que está, com muitas nuances, desde autores marxistas até ideólogos do autoritarismo. Em lideranças como Jânio Quadros e Fernando Collor, por exemplo, o discurso era frequente na construção das suas imagens políticas.
Após a chegada do PT à presidência e, sobretudo após o fortalecimento dos discursos contra a corrupção, houve crescimento paulatino desse discurso na esfera pública. Em um primeiro momento, ele parecia mais concentrado em intelectuais e militantes. Após toda a movimentação para derrubar a presidente Dilma Rousseff, a coisa parece ter ganhado uma outra escala.
Já na campanha de 2018 de Jair Bolsonaro isso se torna um argumento central para mobilizar apoiadores e conquistar novos eleitores, além de atacar adversários. Qualquer sinal de progressismo passava a ser enquadrado como elitismo, contrário ao que seria uma verdadeira essência conservadora do povo.
Nas formulações de Olavo de Carvalho, que pautaram o debate público e influenciaram o entorno de Bolsonaro, o povo não conseguiria expor suas verdadeiras crenças conservadores através do voto por um ardil das esquerdas, que dominariam não apenas o estado, mas a imprensa, as grandes empresas, dentre outros postos de poder. Haveria, portanto, uma grande conspiração para sufocar o conservadorismo popular. Quando exposto nos termos de Olavo de Carvalho, o discurso soa absurdo, mas variantes desta ideia foram naturalizadas por muita gente e compradas quase que como senso comum do debate público.
E por que isso não é necessariamente verdade?
Primeiramente porque a ideia de um povo uno, marcado por uma mesma característica, não descreve nem de perto a diversidade de nenhum país, muito menos a de um tão amplo e regionalmente distinto quanto o Brasil. A população brasileira é caracterizada por marcas distintas, que podem ter afinidades com certos argumentos conservadores do mesmo modo que expressam proximidade com a linguagem política do socialismo.
Vejamos o catolicismo, por exemplo. Ele tanto produziu correntes reacionárias quanto movimentos bem à esquerda, como a teologia da libertação. Vejamos, por outro lado, como o movimento negro tem mobilizado a ideia de ancestralidade ou o movimento indígena, a de defesa das suas tradições. Há diversas possibilidades progressistas do uso da tradição.
Neste momento, é importante destacar o segundo aspecto que torna essa interpretação equivocada do ponto de vista da compreensão da sociedade brasileira: não há uma passagem natural entre condutas individuais pautadas pela ideia de manutenção da tradição e o apoio ao conservadorismo como corrente política.
[Karl] Mannheim, em texto clássico sobre o conservadorismo, distinguia bem o tradicionalismo, como postura individual voltada para reiteração da tradição, e o conservadorismo como estilo de pensamento que organiza grupos e atores sociais. O conservadorismo exige uma adesão consciente e uma coerência de identidade política que não está presente na maior parte da população não apenas do Brasil, mas de grande parte dos países.
Porém, estamos lidando com um discurso cuja preocupação principal não é descrever de forma complexa o mundo, mas transformá-lo. Ou seja, a representação de um povo conservador diz menos sobre o que mundo é e mais sobre o que a direita quer que ele seja.
Por fim, vale ainda destacar que a base social da ultradireita brasileira não é a mesma do trumpismo ou dos atores de ultradireita da Europa Ocidental. As novas lideranças da ultradireita que chegaram ao legislativo tinham um eleitorado predominantemente de classe média. Por outro lado, Bolsonaro começa a se destacar nas pesquisas entre os que ganhavam mais de 10 salários mínimos. Se na Europa e nos EUA a base da ultradireita se concentra entre os moradores de zonas mais rurais, mais pobres e menos escolarizados, no caso brasileiro o cenário é diverso. Em 2018, Bolsonaro ganha na maior parte das grandes cidades e vê seu voto aumentar conforme a renda. Retratá-lo com pura expressão de um conservadorismo popular é naturalizar a imagem que ele busca construir para si.
Por que você acha que esse discurso mobiliza as pessoas?
A responsabilização de elites pelas mazelas e problemas sociais é um argumento bem antigo, que sem dúvida antecede a Modernidade. Dito isso, em sociedades profundamente desiguais, como as construídas pelo capitalismo contemporâneo, discursos capazes de justificar a desigualdade tem grande potencial para mobilizar as pessoas. A grande questão é porque essa representação da esquerda pegou.
Vejo uma explicação conjuntural e outra mais estrutural. A mais conjuntural é o peso de uma sequência de vitórias de um partido de esquerda em eleições nacionais, que, mesmo que tenha moderado bastante à frente do poder, reivindicava claramente uma identidade da esquerda. É algo incomum em democracias de massa como a brasileira. Este tipo de trajetória torna bem crível o discurso que identifica as esquerdas a uma elite, ou ao sistema.
Também é importante destacarmos aspectos de mais longa duração. Há uma profunda assimetria estrutural entre direita e esquerda no cenário político e no debate público brasileiro, seja em relação à distribuição de recursos, seja em relação à tolerância a posições mais radicais. Há muito tempo converso com o André Kaysel, professor da Unicamp, sobre como este aspecto é pouco considerado nas análises de conjuntura. O Leonardo Barbosa, pesquisador do Cebrap, também expõe muito bem o tema na tese de doutorado dele.
Dada essa assimetria, o discurso de que há uma elite de esquerda não apenas é funcional para responsabilizar a esquerda sobre os graves problemas da sociedade brasileira, como ele encontra muitos meios de circulação. O discurso não se restringe à ultradireita, que ataca abertamente a democracia, mas é reproduzido das mídias tradicionais às redes sociais, passando por segmentos mais à direita que são hegemônicos na igreja católica e na maior parte das igrejas evangélicas.
A esquerda é, muitas vezes, extremamente otimista em relação às suas possibilidades no curto prazo. É muito popular no campo um discurso de autorresponsabilização moral, que culpa a esquerda pela pouca disposição para o trabalho de base. Certamente há erros de estratégia, mas me parece que há um buraco mais fundo, que até pode ser ultrapassado, mas não deve ser menosprezado.
Este discurso é explorado por novos nomes da extrema direita, como Marçal, então queria que você explicasse se o Marçal é mesmo de extrema direita? Mas antes, talvez seja importante falar se ele é cria do bolsonarismo mesmo? O que ele ainda traz do bolsonarismo e onde ele se descola do bolsonarismo?
É importante distinguirmos o campo ideológico da direita do bolsonarismo. Vejo no Brasil dos últimos 20 anos a criação de um campo da ultradireita, composto tanto por uma direita tradicional radicalizada quanto por uma extrema direita constituída fundamentalmente por novos atores políticos.
Este campo rompeu com o cenário ideológico anterior, já que tem o protagonismo de atores à direita do polo antes hegemônico da direita – que era composto por uma aliança entre uma direita neoliberal ligada ao PSDB e direitas tradicionais com vínculos com a ditadura militar – como é composto por vários atores desta direita tradicional que se radicalizaram durante os anos de governos petistas.
O bolsonarismo é uma coalizão política, que a partir de 2018 se mostra hegemônica no campo da ultradireita, sobretudo a partir da sua força eleitoral e do tempo à frente da presidência, mas dada a dimensão inevitavelmente personalista do conceito, não é possível dizer que ele domina todo o campo. Mesmo quando à frente do estado, havia disputas na ultradireita e atores mais ou menos próximos de Bolsonaro.
E agora o Marçal contesta Bolsonaro, mesmo sendo do mesmo campo da extrema direita…
É importante apontar que Marçal contesta Bolsonaro mais abertamente, e com maior sucesso, do que outros protagonistas da ultradireita, que ou acabaram relegados ao segundo plano ao romper com o ex-presidente, ou sempre procuram ressaltar sua fidelidade a ele, como [o governador de São Paulo] Tarcísio de Freitas.
Sua afronta às instituições democráticas, que se faz mais pela ação explícita para esvaziá-las e ridicularizá-las do que por meio do discurso, e a radicalidade das suas propostas sem dúvida inserem Marçal no campo da ultradireita, como um dos novos protagonistas da extrema direita.
Sua performance nos debates é uma forma de esvaziar ritos fundamentais da prática democrática, como o respeito à fala ou mesmo à integridade física dos adversários. Marçal segue a linha dos parlamentares de ultradireita, que rompem com os ritos parlamentares e, com isso, esvaziam parte da legitimidade das casas legislativas, que se amparam em boa parte no simbólico. Ele busca expor, pelo modo como age, uma suposta farsa da democracia, das instituições, do modo mais violento possível.
Marçal destoa do bolsonarismo tanto por sua identidade política quanto pelos seus discursos, pelas linguagens políticas que mobiliza. Ele constrói um personagem do empreendedor coach, que leva ao mundo da política estratégias e discursos supostamente bem-sucedidos da sua trajetória como influencer. Por mais que faça acenos a motes conservadores, predominam em suas falas a linguagem de um liberalismo radicalizado moralmente, justificado a partir do crescimento moral e pessoal dos indivíduos que, como consequência, os levará ao sucesso.
O dinheiro é visto como consequência de certa moralidade pautada por princípios, mesmo que estes por vezes soem estranhos a outras moralidades, e hiperindividualista. Este liberalismo moralmente radicalizado e hiperindividualista estava presente na coalizão que levou o bolsonarismo ao poder, sobretudo organizada em torno de Paulo Guedes, mas era lateral nos discursos de Bolsonaro e da maior parte dos seus assessores mais próximos.
A identidade de Bolsonaro era do militar, distante dos trejeitos e discursos do mercado. Seus discursos sobrepunham a linguagem do conservadorismo autoritário, comum no Exército, a elementos discursivos identificados ao fascismo histórico. Mesmo com eventuais acenos, a linguagem política libertária, mobilizada por Marçal, raramente estava nos discursos do ex-presidente.
Por fim, é importante destacar que Marçal é um personagem cuja trajetória é inseparável das redes sociais. Ele é um personagem nativo das redes, que se beneficiou e cunhou seu estilo de fazer política a partir da sua arquitetura virtual. Para ele, a fronteira entre o on e o offline é ambígua e, por vezes, quase inexistente.
Bolsonaro, por outro lado, tem a maior parte de sua trajetória fora das redes. Ele soube se adaptar bem a elas, utilizá-las de forma hábil, mas ele não é um político forjado neste ambiente. Mesmo quando busca se modernizar, seu discurso político remete a sua formação e trajetória militar. Se há nos dois personagens o culto a um ideal tosco de masculinidade, vista como virilidade e coragem, estas representações se fazem em ambientes e a partir de materiais bem diversos.
Como você analisa a performance do Pablo Marçal, que antes ostentava seus jatinhos e mansões para falar do sucesso como coach, e agora canta Racionais e usa gírias da periferia para colar com os mais pobres. Isso funciona?
É do jogo eleitoral, e o candidato tem que se vender como popular. Pode ser comendo pastel com caldo de cana ou cantando Racionais. Também não me parece nada fora do padrão algo que o Marçal emula: ser ao mesmo tempo alguém excepcional e alguém identificado com o estilo de vida da maior parte da população. Acho que é muito comum na dinâmica da representação política em sociedades de massa, algo que ultrapassa a direita e a ultradireita.
Bolsonaro emulava essa imagem, querendo demonstrar que era ao mesmo tempo aquele que usava camisa falsificada de time de futebol, como boa parte da população, e tinha as virtudes heróicas do líder militar. Caso soe verossímil, pode funcionar.
O que me parece mais interessante no Marçal é menos esse recurso a uma linguagem popular e mais a forma como ele conjuga isso a uma certa ideia de liderança excepcional, que é algo entre o coach e o empreendedor de sucesso. Um empresário bolsonarista como o Zema, por exemplo, emulava a figura do empresário bem-sucedido tradicional, que é bem comum na política mundial.
Por outro lado, Marçal me parece ser o primeiro político competitivo em uma eleição majoritária no Brasil que se constrói como empreendedor de sucesso em um discurso econômico mais contemporâneo, no qual o sucesso como empreendedor se deu pelo sucesso como personagem das redes sociais. Os trabalhos da Letícia Cesarino e do Rodrigo Nunes nos ajudam a pensar sobre o tema.
Se Bolsonaro já abandonava a ideia de coerência pública, o que não quer dizer que não tivesse uma identidade ideológica clara, Marçal radicaliza ainda mais nesse campo. Afirma explicitamente que é não um, mas vários personagens.
É um processo de radicalização além do que foi o Bolsonaro?
A performance de Marçal representa bem um movimento de radicalização moral do liberalismo, que não mais defende as pautas liberais pela justificativa da eficiência, como ocorria no neoliberalismo mais próximo da Escola de Chicago, mas justifica a identidade liberal a partir de uma moralidade principista, que deixa as consequência da escolha em segundo plano.
Algo próximo do que Javier Milei [presidente da Argentina] propõe, mas o argentino conjuga as personas do influencer e do intelectual, enquanto Marçal aposta menos em um discurso mais estruturado, representa essas ideias a partir das suas performances e do personagem que cria.
Marçal é o cara que se vende como quem luta com tubarão, enfrenta o leão sozinho e ainda te ensina como fazer isso. Ele se apresenta como o cara que tem milhões de empresas que deram certo, que confrontou as instituições e, eventualmente, sim, teve que cometer um crime, mas isso faz parte porque, afinal, o importante é que o indivíduo decide o que fazer. Eu acho que tem algo, um subtexto desse passado criminoso do Marçal, que é a ideia “ao fim e ao cabo eu fui esperto como indivíduo, os outros foram otários e a São Paulo que eu quero, a sociedade que eu quero criar, é uma sociedade que vai beneficiar o esperto”.
Por isso que essa história agora da cadeirada não gerou um efeito tão positivo pra ele, me parece. Se é tão valente, luta com tubarão, mas toma uma cadeirada de um senhor de idade? E pior ainda, faz aquela cena com máscara de oxigênio e ambulância, demonstrando fragilidade, que não faz parte do personagem.
Para além da presença do Marçal no segundo turno, a capacidade dele de pautar um grande número de indivíduos já é um caso bem interessante de estudo. O discurso e o personagem parecem ser capazes de mobilizar de um modo que o discurso neoliberal tecnocrático, pautado pela suposta eficiência das políticas que defendia, nunca conseguiu.
Por fim, queria que você comentasse sobre um verniz de moderação que está sendo atribuído ao bolsonarismo, principalmente na figura do Tarcísio de Freitas e que podemos ampliar para Ricardo Nunes também. O que você acha e como isso tem se dado?
Individualmente, há quem defenda o ponto por alinhamento à ultradireita. Quem está nessa posição política, pode ver extremistas como moderados. Penso, contudo, que há algo mais estrutural, que passa por essa assimetria entre direita e esquerda, que mencionei antes. Há uma tolerância grande à discursos radicais à direita, que são sempre matizados e relativizados.
Quando Nunes diz que é contra a vacina, logo se diz que não necessariamente ele agirá como diz. Quando é um político de esquerda, se interpreta para além do discurso. Boulos pode dizer que é crítico a Maduro, mas a mídia vai se questionar se ele é mesmo sincero, ou confrontar esta declaração com outras. Cria-se, assim, uma falsa equivalência entre posições diversas, muitas vezes encoberta pelo conceito de polarização. A centro-esquerda é tratada como tão radical quanto a extrema direita.
Por um lado, é importante sinalizar que houve avanço na grande mídia entre 2018 e 2022. Bolsonaro surge como o mais radical líder político que já chefiou o Poder Executivo no Brasil e, em 2018, era tratado com uma condescendência inimaginável em relação à esquerda.
Em 2022, as críticas ganharam mais corpo, mas ainda assim há uma inércia, que não passa mais por uma grande conspiração de jornalistas, como por vezes se sugere, mas sim pela soma entre rotinas editoriais e rotinas dos próprios jornalistas. Ao lado do mito do povo conservador, há um senso comum, claramente problemático, de que o mundo intelectual seria todo de esquerda.
A conjunção entre este senso comum e certa ideia de imparcialidade que pauta a prática jornalística, e que é funcional para a profissão, é que os jornalistas passam a ver a crítica à esquerda como demonstração de imparcialidade, já que eles seriam de esquerda. Um dos vários problemas desta rotina é a dificuldade de analisar a ultradireita, de dar conta do quão profunda é a sua radicalidade.
Há ainda em jogo o fato de Boulos, mesmo tendo moderado bastante, estar à esquerda dos candidatos usuais do PT. Isso reforça os processos que falei acima.
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