Cecília Olliveira

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Quem vê tanto debate?

A culpa do baixo nível dos debates é sempre dos outros, dos próprios candidatos, dos partidos, da legislação, mas nunca de quem organiza e se alimenta desse circo de horrores: a própria mídia.


Nem convém retomar toda a baixaria que já aconteceu nos debates da eleição para a prefeitura de São Paulo neste 2024. Quem nos lê está mais careca que o Xandão de conhecê-la – data venia para essa piada, posto que ele mesmo já debochou da própria calvície. Foram vários os episódios de xingamentos, trocas de ofensas, cadeirada e soco no olho do marqueteiro, e no estômago do eleitor.

Até o primeiro turno, serão realizados 11 debates para o cargo de prefeito paulistano. Na eleição de 2020, um ano atípico por causa da pandemia, foram sete encontros e com muito mais candidatos: o primeiro deles, da Band, teve 11.

E no debate sobre os debates, já concluímos que o formato é obsoleto, que os cortes de redes sociais sequestraram as trocas de ideias, que civilidade é um conceito ultrapassado. Mas faltou um componente nessa discussão: a culpa é sempre dos outros, dos próprios candidatos, dos partidos, da legislação, mas nunca de quem organiza e se alimenta desse circo de horrores. Sim, a própria mídia.

Podemos começar pela insistência em Pablo Marçal. A legislação determina que candidatos cujos partidos têm pelo menos cinco representantes no Congresso (deputados e senadores) devam ser convidados para os encontros em rádio e TV (jornais e veículos online não precisam obedecer a regra). 

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O PRTB de Pablo Marçal, partido cujo presidente confessou em áudio ter ligações com ninguém menos que o Primeiro Comando da Capital, não tem nenhum parlamentar em Brasília. E, no entanto, lá estava ele, Marçal, em todos os encontros.

Sim, sabemos qual será o argumento de quem nos lê: seria justo deixar de fora um candidato que está embolado entre os três primeiros colocados e tem chance real de assumir a prefeitura da maior cidade do país? 

Talvez não do primeiro, nem do segundo. Mas depois de descobrir também seu modus operandi, seu gosto pelo tumulto, toda sua mediocridade (íamos dizer “infantilidade”, mas há crianças mais respeitosas que o ex-coach quando chamadas a atenção), não era hora de interromper o show? “Não”, pensaram os veículos. Afinal, ele era o show.

Levantamentos do professor Fábio Vasconcellos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Uerj, e de Pedro Barciela, especialista em monitoramento de redes, publicados pela Agência Pública, mostram que foi o jornalismo declaratório que catapultou a candidatura de Marçal aos índices em que se encontrava na reta final da eleição. 

Bastava ver a quantidade de curtidas e comentários em qualquer post “jornalístico” que envolvia o nome Marçal – números que compõem o saco de ouro das mídias sociais, o engajamento. Ele sabe disso. A mídia sabe disso. E ela também se retroalimenta do esgoto.

E não era só isso.

Nos debates em si, a participação dos jornalistas mostrava o quanto cada um estava descolado da realidade dos paulistanos, sobretudo aqueles mais pobres, sem imaginar o que eram os problemas reais que afetam o dia-a-dia da população. Falou-se mais de Venezuela que do Grajaú, São Mateus, Parelheiros e Guaianases – somados. 

A obsessão pela opinião de Guilherme Boulos sobre Nicolás Maduro ou se o passaporte da vacina era apoiado por Ricardo Nunes – mais de 1 ano depois que a OMS declarou o fim da pandemia –, mostram como as redações são ilhas cercadas por mediocridade de todos os lados. 

Tudo isso enquanto o paulistano gasta em média 2h26 por dia no trânsito, liderou o ranking de cidades mais poluídas do mundo com as queimadas no Pantanal e Amazonas ou vê cracolândias itinerantes se espalhando em diversos bairros da cidade. Uma delas, a poucos quarteirões da Alameda Barão de Limeira, onde fica a sede do maior jornal do país. 

Quando foi a última vez que andaram de ônibus os nossos colegas que fizeram perguntas? Ou questionaram algum morador sobre os problemas da cidade e, num universo de 37 temas abordados, encontraram uma única vez a Venezuela?

A mídia também trabalha pros cortes de redes sociais e isso é grave. Um debate sobre assuntos sérios provavelmente teria menos audiência, menos repercussão; seguramente, menos memes. Mas se a briga é por entrega de conteúdo, precisamos mesmo entregá-los tão crus e vazios?

Como é possível que, num mesmo ano com tanto debate, se debata tão pouco? Que o nível, as regras, o formato, tudo nos remeta a uma radionovela dos anos 1950 – excetuando-se que, ao que se sabe, nunca rolou uma cadeirada? Mas também, parafraseando Caetano na sua dúvida sobre o noticiário em “Alegria, Alegria”: afinal, quem vê tanto debate?

Os autores criaram e apresentaram o podcast “Nós da Imprensa”, de discussão sobre mídia (mediawatching).

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