Orlando Calheiros

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Bolsonaro por Marçal não é apenas uma troca de líderes da extrema direita

Durante uma crise econômica, ex-presidente prometia a um povo cansado, o ódio e vingança contra minorias. Por outro lado, Marçal promete a esperança do enriquecimento.


O ano de 2018 representa um marco na história sociopolítica brasileira. Ali, observamos a emergência de um movimento conservador, o primeiro desde a Ditadura Militar a disputar a hegemonia da direita brasileira.

Um movimento que, ao contrário do que muitos ainda acreditam, não veio do nada, não caiu do céu, simplesmente. Muito pelo contrário, este movimento emerge de um outro, de um “movimento” que, durante anos, se alimentou e cresceu silenciosamente nas entranhas da sociedade brasileira.

Silenciosamente como um tumor!

Precisamente! Foi nesse ano que ele ganhou forma, nome, um rosto: o Bolsonarismo.

2018 não é o ano do seu nascimento, é o ano da sua metástase! O ano em que ele se fez perceptível, inevitável, até para os mais desatentos, consumindo não apenas o próprio campo conservador, a direita, mas a política como um todo, descolocando-a, espalhando-se pela sociedade brasileira, afetando-a em seus aspectos mais íntimos.

E não se engane, esta cronologia dos eventos não é um detalhe menor. O que tomamos por bolsonarismo é apenas um estágio final, a parcela mais excêntrica desse “movimento” anterior, é o “ali”, o “onde” ele se faz presente enquanto algo tangível.

O momento em que, de fato, ele se torna propriamente um movimento, sem as aspas anteriores.

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Sim, pois, até esse momento, até a metástase em 2018, chamá-lo de movimento – sem aspas -, me parece inapropriado, pois lhe concede uma espécie de uniformidade, uma univocidade que não lhe poderia ser mais estranha.

Muito pelo contrário, até esse ponto, tratava-se de algo difuso, ao mesmo tempo que transversal e múltiplo. De algo que se origina não apenas na intimidade dos grupos conservadores da nossa sociedade, no seio da família tradicional, na igreja, nos interesses de classe dominantes… etc, mas na própria subjetividade da população em geral. Nos seus medos, nas suas ansiedades, nos seus desejos.

De fato, quando olhamos com atenção, percebemos que o tal “movimento” só toma forma, ganha consistência e se desdobra propriamente em um movimento, na medida em que conecta não apenas esses múltiplos grupos e estratos da sociedade brasileira, mas esses múltiplos afetos que a atravessam.

Ódio e vingança bolsonarista

Sugiro um experimento simples para quem quer entender a emergência do Bolsonarismo, especialmente a sua virulência, sua beligerância. Tome um ônibus lotado na periferia de uma grande capital brasileira. Preste atenção nos afetos que dominam as pessoas ao seu redor. Na tristeza, na raiva, na desesperança. Repare bem nesses afetos e depois olhe para o Bolsonarismo, para o que ele parece oferecer para estas pessoas.

Ele não oferece nada… apenas uma promessa de vingança.

E tão somente isso.

Com efeito, o Bolsonarismo avança, ganha forma, nome e sobretudo um rosto, o ex-presidente Jair Bolsonaro, inventando supostos culpados pelas mazelas que afligem o espírito dessas pessoas, prometendo expurgá-los não apenas da vida política, mas do próprio horizonte social.

É como se dissessem: “A esquerda é a verdadeira culpada pela sua dor, pelos seus medos, E nós somos aqueles que vamos destruí-la em seu nome, em nome do seu sofrimento.”

A esquerda, os indígenas, os negros, as mulheres, as pessoas LGBTQIAP+.

Dói admitir, mas foi isso. Foi essa promessa de vingança, que não apenas venceu as eleições de 2018 como estabeleceu uma nova forma de fazer política eleitoral. 

Estabelecendo um verdadeiro marco: daquele momento em diante, quem almejasse o voto conservador, mesmo que incidentalmente, teria que incorporar a promessa do Bolsonarismo, adotar o modus operandi de um fazer político alinhado aos desejos mais sombrios de uma parcela da população.

Pelo menos até agora! Até 2024. Pois as eleições municipais deste ano marcam a emergência de um conflito interno na direita, indicando o possível fim da hegemonia da promessa bolsonarista.

Talvez o maior exemplo disso seja São Paulo, onde a eleição municipal, da perspectiva da direita, é sobre tudo, menos sobre a maior capital do país.

Marçal: a esperança de um mundo melhor pra mim, pior pros outros

O embate entre Ricardo Nunes, apoiado por Bolsonaro e o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, e o coach Pablo Marçal, apoiado por antigas lideranças bolsonaristas, escancara as fissuras internas do espectro conservador.

No lugar de uma promessa de vingança, Marçal aposta na esperança de enriquecimento fácil.

Escancara tanto a falta de liderança de Bolsonaro, que a despeito de seus esforços, não consegue mobilizar o seu próprio eleitorado para votar no seu candidato oficial, quanto o próprio esgotamento da resposta Bolsonarista ao “movimento”.

E sejamos sinceros, nada mais natural. Afinal, as promessas de vingança que deram forma ao bolsonarismo não foram cumpridas, a esquerda voltou ao poder e alguns deles acreditam estarem vivendo em uma espécie de mundo pós apocalíptico dominado por comunistas, onde o aborto está prestes a ser legalizado e a linguagem neutra virou norma.

Nesse cenário, o coach Marçal desafia a hegemonia bolsonarista ao oferecer outra resposta ao “movimento”. No lugar de uma promessa de vingança, ele aposta na esperança. Nesse afeto que, sabemos desde Pandora, é uma das maiores desgraças deste mundo.

E não me entendam mal, Marçal mobiliza o imaginário bolsonarista, os mesmos códigos, a mesma luta quixotesca contra o aquilo que chama de “consórcio comunista”. 

Mas ele se difere na forma como vende isso ao público, aos eleitores. Com efeito, enquanto os bolsonaristas diziam “nós vamos vingá-los”, Marçal diz “eu vou te libertar desses sujeitos”. Como? Com promessas vazias de prosperidade.

Não por coincidência, o carro chefe de seu plano econômico – se é que assim podemos concebê-lo – se chama justamente “Jornada da Prosperidade”, que basicamente visa transformar os benefícios sociais em planos de “desenvolvimento pessoal”.

Dito de outra forma, pretende converter as políticas sociais do estado em verdadeiras mentorias, onde os paulistanos supostamente – muito supostamente – terão a oportunidade de conquistar, no jargão dos coachs, a sua “autonomia financeira”.

O termo é preciso e ao mesmo tempo sintomático! A promessa da conquista de uma “autonomia financeira” não fala apenas de enriquecimento, mas da construção de uma imunidade.

O pânico moral, uma das grandes armas do bolsonarismo, perde espaço para as promessas de mentoria.

Lembra da experiência do ônibus lotado? Lembra do conjunto de afetos negativos que emergem dessa experiência? Pois então, Marçal vende a promessa de que aquilo nunca mais vai acontecer com você.

Mas ao contrário do bolsonarismo, que promete te libertar atacando as supostas fontes do seu infortúnio, uma vendeta, Marçal promete lhe tirar do ônibus e te colocar dentro de um carro com ar-condicionado.

E tão somente isso.

Pode parecer pouco, mas essa é uma daquelas diferenças que fazem toda diferença. Especialmente, porque ela parece marcar uma mudança no imaginário do eleitorado conservador, apontando para a emergência de um fazer político cada vez menos preocupado com o destino final da sociedade, e cada vez mais alinhado com as esperanças de ascensão individual.

Nessa nova forma de fazer política, o pânico moral, uma das grandes armas do bolsonarismo, perde espaço para as promessas de mentoria.

Isso significa o fim do bolsonarismo? Não necessariamente. Mas deixa evidente que ele não está mais sozinho no campo e no imaginário conservador, que ele precisará lutar para manter o seu domínio, especialmente visando as eleições de 2026.

Até mais do que isso, Marçal provou ser muito resiliente, mesmo diante dos ataques diretos dos bolsonaristas e do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro. Isso prova que Bolsonaro pode ser desafiado por outra liderança conservadora.

Ou por outras.

Há sangue no mar dos conservadores. E há tubarões.

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