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Brasil elegeu 26 trans. Muitas por partidos que odeiam trans

Eleger trans e travestis é estratégia de sobrevivência. Mas a representatividade, por si só, não basta.

Brasil elegeu 26 trans. Muitas por partidos que odeiam trans

No último domingo, dia 6, o campo progressista viveu novos momentos de alegria e aflição, como costuma acontecer nas eleições. Se, por um lado, vibramos com a ida de Guilherme Boulos para o segundo turno em São Paulo, ou com a conquista de Natália Bonavides rumo ao segundo turno em Natal, também é verdade que nos chocamos, mais uma vez, com a força da extrema direita.

Na maioria das capitais, os cenários das câmaras de vereadores são tristes, com a ascensão ou consolidação de reacionários e fundamentalistas religiosos. 

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Porém, um recorte interessante – e que muitas vezes passa despercebido por muita gente – é a presença das pessoas trans na política. Neste ano de 2024, o Brasil teve 26 pessoas trans eleitas, sendo 25 mulheres trans/travestis e 1 homem trans.

Sem dúvidas, sendo o Brasil um país com um longo e profundo histórico de violências transfóbicas, esse número é um bom sinal, apesar de uma leve diminuição em relação a 2020, quando 30 candidaturas trans foram eleitas. Nós, pessoas trans, estamos deixando de viver à margem da história e estamos ocupando espaços que antes eram inimagináveis.

Já é um fato conhecido que este é o país que mais mata pessoas trans no mundo, dentre os países que possuem algum tipo de levantamento minimamente confiável sobre a comunidade LGBTI+.

Segundo dados do Trans Murder Monitoring, o TMM, que analisa informações sobre homicídios de pessoas trans em diversos lugares do mundo, foram assassinadas 321 pessoas transgênero no Brasil, entre outubro de 2022 e setembro de 2023. 

Nesse cenário, onde vidas trans são atravessadas pela violência e pela falta de esperanças e perspectivas no futuro, é muito significativo ver reafirmada a presença de transgêneros na política.

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Se tantas vezes tentaram nos arrancar a humanidade, então iremos usar todas as ferramentas possíveis para humanizar aquelas e aqueles que se parecem conosco. Se diariamente nos tiram a dignidade e nos empurram para a vergonha, só nos resta defender uma sociedade onde direitos e orgulho sejam inegociáveis.

E que estejam ao alcance de todas as pessoas, pois estamos justamente falando de direitos e não de privilégios.

A comunidade trans é diversa e contraditória como todas as outras

Porém, a comunidade trans é diversa e complexa, como qualquer outra. Aliás, nem sempre o termo “comunidade” faz sentido. Dentre as 967 candidaturas trans registradas esse ano no TSE, diversas estão inseridas em coligações de direita e até de extrema direita, com PP, PL, União Brasil, Republicanos, PSD, MDB e etc.

É algo estranhíssimo quando constatamos o óbvio: a maioria desses partidos defende, direta ou indiretamente, o cerceamento dos direitos das pessoas trans. 

Lucas Pavanato, do PL, se tornou o vereador eleito mais votado de São Paulo, com 161.328 votos. Durante a campanha ele se auto intitulava o “candidato anti-woke”, emulando o reacionarismo transfóbico estadunidense. Dentre as “propostas” dele, está a proibição do uso de banheiros públicos por pessoas transgênero. A eterna fixação da extrema direita com o nosso cocô e o nosso xixi.

Portanto, causa muito estranhamento imaginar que em outros cantos do Brasil alguma pessoa trans estava concorrendo à vereança pelo PL ou por algum partido coligado ao PL. E aí, mais uma vez é importante afirmar: representatividade, por si só, não basta.

Mais que eleger trans, legislar em defesa de trans

Eu quero ver mais pessoas trans na política ou em qualquer outro espaço que não seja de marginalização e extrema precarização, como nos dias de hoje ainda é regra.

Mas eu também desejo que os parlamentos e todos os outros espaços de poder institucional sejam ocupados por pessoas que tenham profunda consciência de classe e que não confundam seu sucesso pessoal com uma suposta conquista automática para todas as pessoas trans.

Nenhuma travesti em situação de rua irá deixar de passar fome simplesmente porque outra travesti foi eleita. O que essa legisladora irá fazer (quais leis irá propor, quais outras irá votar a favor ou contra, quais alianças políticas ela irá fortalecer, quais denúncias irá fazer, quais articulações irá construir com seu mandato etc) é o que ajudará a criar mecanismos para que possa existir uma realidade onde pessoas não fiquem sem teto e não sejam submetidas ao martírio da fome. 

A política institucional precisa ser ocupada por gente comprometida com justiça social. E numa realidade onde o patriarcado e a transfobia andam de mãos dadas, é muito importante que parte dessa gente seja trans. Talvez fosse revolucionário se as travestis pudessem levar para as câmaras de vereadores e assembleias legislativas a solidariedade e as táticas de guerrilha que aprendem nas ruas. 

Poderemos acompanhar, nos próximos 4 anos, na Câmara Municipal de São Paulo, as trajetórias de Amanda Paschoal, eleita pelo PSOL, e de Thammy Miranda, reeleito pelo PSD.

Tenho absoluta certeza de que será tudo muito ilustrativo, sobre a necessidade de termos gente aguerrida e comprometida com a melhoria da cidade e da qualidade de vida da população; e a importância de não elegermos identidades vazias, que buscam apenas o poder pelo poder. 

Como disse, pessoas trans são diversas. São complexas. Falar sobre isso de forma aberta é muito importante, pois nos humaniza. E, num cenário onde a extrema direita mundial tem nos usado como bode expiatório, colocando um alvo nas nossas costas em nome de uma suposta “defesa das crianças” ou “salvação da família”, é fundamental que a nossa humanidade esteja explícita, que a nossa alma seja percebida, que a nossa intelectualidade seja reconhecida.

Dentro da política institucional ou fora dela, pessoas trans precisam estar visíveis, pois visibilidade muitas vezes é sinônimo de sobrevivência.

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