“Sou filho, sou marido, sou família”. Foi assim que André Fernandes, do PL, se apresentou em sua primeira propaganda eleitoral na TV no início da campanha para prefeito de Fortaleza. O candidato de extrema direita não mentiu.
De tão filho, marido e família que é, Fernandes driblou as normas que tratam do nepotismo no serviço público e teve ao menos cinco parentes empregados como assessores parlamentares desde 2019. Dois deles foram nomeados em seu próprio gabinete e três em gabinetes de aliados políticos.
Ganharam cargos ao longo desses cincos anos a mãe de Fernandes, Marilene de Moura Fernandes, a esposa Luana Alves de Carvalho Fernandes, a irmã Cínthia Fernandes de Moura, o tio Bruno Wendel de Sousa Araújo e o cunhado Edilânio Louro de Souza.
Nem mesmo uma ação movida pelo Ministério Público do Ceará em 2021 com a acusação de nepotismo, seguida de um acordo de não-persecução cível assinado por Fernandes, foi suficiente para cessar a mamata, que começou logo quando ele entrou para a política como deputado estadual.
O nepotismo é coberto por diferentes instrumentos jurídicos no Brasil – a Constituição prevê que seja respeitado o princípio da impessoalidade, moralidade e igualdade, o Supremo Tribunal Federal (STF) já tem jurisprudência sobre o tema e há regras específicas para a administração federal e em alguns estados. Além disso, a Lei 14.230/2021 estabelece que o nepotismo é um ato de improbidade administrativa.
Documentos mostram que André Fernandes infringiu essas normas, entre 2019 e 2021, ao empregar no seu gabinete, na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), o cunhado Edilânio, marido de Cínthia Fernandes, e o tio Bruno, casado com a tia do candidato, Ruth Fernandes.
Em 23 de março de 2021, em uma tentativa de se livrar de uma eventual punição, Edilânio e Bruno informaram ao MP do Ceará que não trabalhavam mais no gabinete do então deputado estadual e, por isso, o processo era desnecessário.
O argumento não convenceu o promotor Ricardo de Lima Rocha, que entrou efetivamente com a ação civil pública na justiça em 29 de abril de 2021. Segundo ele, os casos mostravam “uma promíscua relação entre o público e o privado”, além de “inequívoco conflito de interesses”.
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O processo, contudo, terminou com um acordo, homologado em 19 de agosto de 2021. Os parentes do candidato de extrema direita tiveram que pagar uma multa equivalente ao último salário que receberam. Já Fernandes foi multado em R$ 1 mil e se livrou da acusação de improbidade administrativa.
Tanto o promotor quanto o juiz da 12ª Vara da Fazenda Pública, Joaquim Vieira Cavalcante Neto, alegaram “critérios de razoabilidade e proporcionalidade” para definirem a punição adequada. O valor das multas foi determinado pelo magistrado.
Em 2020, os parentes de Fernandes ocupavam cargos cuja remuneração estava entre os níveis mais altos, de acordo com o plano de cargos, carreira e remuneração da Alece. O cunhado, de nível ASP35, se enquadrava na faixa de maior salário pago a um assessor parlamentar previsto na lei: R$ 13.808,00. Já o tio era de nível ASP33, com remuneração equivalente a R$ 9.900,00 por mês.
Segundo os autos do processo, Edilânio devolveu, ao todo, R$ 8 mil. Bruno pagou R$ 4.713,97. As quantias estão abaixo do salário bruto previsto para o nível que ocupavam.
Questionado sobre a discrepância de valores e um possível descumprimento do acordo, o MP informou que Bruno pagou o salário líquido que recebeu em sua última remuneração, em janeiro de 2021. Quanto a Edilânio, diferente dos comprovantes que constam nos autos, o órgão registrou o pagamento de R$ 10.439,76, que corresponde ao salário líquido referente a dezembro de 2020.
André Fernandes, Edilânio e Bruno foram procurados por meio da assessoria de imprensa do candidato, por e-mail e por WhatsApp, mas não responderam ao Intercept.
Cunhado ganhou novo cargo sete meses após acordo
Apesar do acordo com o MP, André Fernandes não parece ter deixado a família desamparada. Recentemente, ele foi alvo de uma denúncia de nepotismo cruzado, ou seja, quando autoridades de um órgão nomeiam familiares de autoridades de outro órgão, como em uma troca de favores.
O caso envolve uma verdadeira dança das cadeiras nos gabinetes de cinco vereadores de Fortaleza, principalmente os de Inspetor Alberto e de Julierme Sena, ambos do PL. Os dois são aliados de Fernandes, como é possível constatar em posts nas redes sociais de Sena e Alberto.
Edilânio Souza nem tinha terminado de pagar as parcelas da multa quando foi nomeado, em 1º de março de 2022 (página 77), assessor parlamentar no gabinete do vereador Inspetor Alberto. Fazia menos de sete meses que o acordo com o MP havia sido homologado.
Começava aí a peregrinação do cunhado de Fernandes por vários gabinetes de vereadores, quase todos do PL. Após ter sido exonerado (pág. 40) pelo Inspetor Alberto um mês depois da nomeação, ele conseguiu o mesmo cargo de assessor parlamentar do vereador Dudu Diógenes (pág. 76), do PL, para quem trabalhou por 28 dias.
Já entre 2 de maio e 31 de agosto de 2022 (pág. 155), Edilânio esteve lotado no gabinete do vereador Daniel Borges (pág. 126), do PSD. Depois, levou apenas três meses até ser nomeado assessor parlamentar, desta vez, do vereador Julierme Sena (pág. 45), do PL, em 1º de novembro de 2022.
Esse foi o trabalho mais longevo do cunhado de Fernandes em um único gabinete desde o acordo após o caso de nepotismo. Foi exonerado em 21 de maio de 2024 e nomeado no dia seguinte (págs. 114 e 115) pelo vereador Marcelo Mendes, do PL. Ele ainda está lá e, em setembro, recebeu um salário de R$ 6.500 como assessor parlamentar.
Todos os vereadores foram procurados por e-mail, WhatsApp ou por seus perfis no Instagram, mas não responderam ao nosso contato.
Mãe, esposa e irmão também foram nomeadas
Quando começou a trabalhar na Câmara dos Vereadores, porém, Edilânio já não era o único parente do candidato do PL à prefeitura de Fortaleza que já havia tido um cargo no legislativo municipal.
Em 4 de janeiro de 2021, o vereador Inspetor Alberto também empregou no seu gabinete (pág. 84) a esposa de Fernandes, Luana, a mãe Marilene e a irmã Cinthia, esposa de Edilânio. As três foram exoneradas em 30 de abril de 2021 (pág. 53), exatamente um dia após o MP denunciar a prática de nepotismo de André Fernandes.
Mas Luana e Cínthia não ficaram desempregadas por muito tempo. Em 3 de maio, elas foram nomeadas assessoras parlamentares no gabinete do vereador Julierme Sena (págs. 49 e 50), do PL, outro aliado do candidato a prefeito de Fortaleza. Ficaram no cargo por pouco mais de um ano até serem exoneradas em 29 de abril de 2022 (págs. 76 e 77), quatro meses antes do início da campanha eleitoral na qual André Fernandes se elegeu deputado federal.
Na Câmara dos Deputados, Fernandes parece ter retribuído o apoio de ao menos um dos aliados. Desde julho de 2023, ele emprega a esposa do vereador Inspetor Alberto no seu gabinete em Brasília. Maria do Socorro Lima Moreira ocupa o cargo de secretária parlamentar e tem um salário bruto de R$ 17.638,64.
Essas movimentações resultaram em uma denúncia contra Fernandes por nepotismo cruzado feita ao MP do Ceará, em setembro de 2024, por Cindy Carvalho, então candidata à vice-prefeita na coligação PSOL-Rede.
Ela cita as nomeações da mãe, da esposa, da irmã e do cunhado de Fernandes no gabinete do Inspetor Alberto, em 2021, e a contrapartida dele com a nomeação da esposa do vereador no seu gabinete na Câmara dos Deputados, em 2023.
Não conseguimos contato com Luana, Cínthia e Marilene, mas enviamos as perguntas direcionadas a elas para a assessoria de imprensa de André Fernandes. Não houve resposta até a publicação da reportagem.
O MP do Ceará tem recomendado exonerações de pessoas em condição de nepotismo, seja direto ou cruzado, com o objetivo de “combater a prática comum de contratação direta de pessoal, o favorecimento de parentes e correligionários políticos, a corrupção e a troca de cargos públicos por voto”.
Em uma delas, em novembro de 2023, o órgão orientou a prefeitura de Piquet Carneiro que os nomeados para cargo comissionado ou designados para função gratificada declarem “não ter relação familiar ou de parentesco consanguíneo com integrantes da gestão municipal”.
A assessoria de imprensa do MP informou que a denúncia de nepotismo cruzado feita contra André Fernandes foi encaminhada para as Promotorias do Patrimônio Público de Fortaleza no dia 14 de outubro. Não há registro, até a publicação desta reportagem, de que o caso tenha resultado em uma ação judicial contra o candidato.
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