Servidores públicos e comentários combinados: como funciona a máquina de campanha de Ricardo Nunes no WhatsApp

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Servidores públicos e comentários combinados: como funciona a máquina de campanha de Ricardo Nunes no WhatsApp

A máquina da morte da extrema direita está literalmente botando fogo em nosso país, enquanto muitos fingem que não.

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Eleições 2024

Parte 26


A campanha de Ricardo Nunes, do MDB, à prefeitura de São Paulo criou e operou uma estrutura de grupos de WhatsApp para pedir apoio e pressionar funcionários em cargos comissionados a trabalharem pela eleição do prefeito.

O Intercept Brasil recebeu denúncias que mostram que, em ao menos três secretarias municipais, servidores foram convocados a fazer parte ou foram involuntariamente colocados em grupos criados com o objetivo de trabalhar pela reeleição de Nunes, inclusive nas redes sociais.

Tivemos acesso ao histórico de conversas de um destes grupos, direcionado a servidores da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a SMDHC, que foi usado para divulgar ações da prefeitura e para convocar servidores a participarem de eventos de campanha. 

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As mensagens mais recentes, já durante o segundo turno das eleições, mostram uma série de pedidos aos servidores que variam de comentários em publicações específicas e em transmissões ao vivo no YouTube ao compartilhamento dos conteúdos com os contatos. Muitos deles feitos durante o horário de expediente. 

No dia 15 de outubro, os administradores do grupo enviaram uma mensagem com um link para um vídeo do Instagram de Nunes que mostrava o trabalho conjunto do prefeito e do governador de São Paulo Tarcisio de Freitas, do Republicanos. “Deixe seu comentário de apoio ao nosso prefeito”, dizia a mensagem enviada às 11h43.

Dez minutos depois, às 11h53, um comentário com emoji de palminhas foi deixado no vídeo por Bárbara Abib. Em 2 de outubro, uma pessoa com o mesmo nome foi nomeada para um cargo de assessora na SMDHC.

A situação se repetiu em outra publicação poucas horas depois. Às 14h22, uma mensagem foi enviada no grupo da SMDHC com um link para um vídeo na conta de Nunes com cortes do jornalista Rodrigo Bocardi falando sobre a Enel. “Deixe o seu comentário contra a Enel podem colocar a mensagem de #FORAENEL!”, dizia a mensagem.

Ao menos 13 servidores de sete diferentes secretarias deixaram comentários na publicação, vários em horário de expediente.

Pedido de comentário em post feito em grupo em que foram adicionados servidores da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (Crédito: Reprodução)
Pedido de comentário em post feito em grupo em que foram adicionados servidores da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (Crédito: Reprodução)

A postagem ainda teve outras interações por volta do mesmo horário. Às 14h13, Vitor Sampaio, chefe de gabinete de Ricardo Nunes, deixou seu comentário #ForaEnel. Às 14h14, Gustavo Pires, presidente da SpTuris, também fez um comentário com a hashtag. Cerca de 40 minutos depois, Micaelle Maestrello, assessora no gabinete de Nunes, também deixou um comentário. 

Colocar um servidor em um grupo de WhatsApp de campanha sem sua anuência, somado a pedidos de comentários e engajamentos, pode indicar uma prática ilícita e de coação dos funcionários, explicou ao Intercept o advogado eleitoralista Guilherme Barcelos, membro da Abradep, a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

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Além disso, a lei eleitoral proíbe que servidores públicos ou empregados da administração direta ou indireta sejam cedidos para uso em campanha durante o horário do expediente, salvo se estiverem licenciados ou de férias. “Se ficar comprovado essa conduta de uso, nós temos um ilícito aqui”, disse Barcelos, da Abradep. 

Para ele, esse conjunto de ações pode abrir margem para uma representação eleitoral por conduta vedada, uma ação de investigação na justiça eleitoral ou até uma ação de impugnação de mandato eletivo.

Constrangimento com ‘coisas de campanha’ de Ricardo Nunes

Na Secretaria Municipal de Cultura, um grupo foi criado em 17 de agosto, logo após o início da campanha, pelo chefe de gabinete da pasta, Rogério Custódio. Foram colocadas 90 pessoas, a maioria servidores de cargos comissionados, segundo uma denúncia recebida pelo Intercept. 

“A finalidade deste grupo é divulgar ações relativas às eleições 2024, especialmente voltadas à mobilização pro Ricardo Nunes (15) e Aline Torres (15900)”, escreveu Custódio na mensagem inicial, em 17 de agosto, dia que a campanha teve início. Torres ocupou o cargo de titular na SMC até abril deste ano, quando deixou o posto para concorrer ao cargo de vereadora em São Paulo pelo MDB – ela não foi eleita. 

Custódio pediu que os servidores não compartilhassem “coisas de campanha” de segunda a sexta-feira das 9h às 18h, durante o horário de trabalho.

Mas a iniciativa constrangeu os funcionários. No mesmo dia em que o grupo foi criado, diversas pessoas enviaram mensagens dizendo que preferiam manter uma “postura técnica e neutra” e que, por isso, sairiam do grupo. Outros, no entanto, embarcaram na campanha. No dia 22, Custódio disse que enviaria o link de um outro grupo que já existia e que aquele seria desfeito.

Mensagens explicam propósito de grupo em que foram adicionados servidores da Secretaria Municipal de Cultura (Crédito: Reprodução)
Mensagens explicam propósito de grupo em que foram adicionados servidores da Secretaria Municipal de Cultura (Crédito: Reprodução)

“Há uma questão de hierarquia muito clara e, naturalmente, a relação é pautada por uma espécie de poder referencial”, pontuou Barcelos. “Imagina a seguinte situação: tu é a minha chefe e me pede: ‘ó, vai lá e posta algo em favor do candidato A’ porque tu apoia o cara. Não precisa nem dizer que se eu não fizesse ia me dar algum problema”, disse o advogado. “Há naturalmente uma situação de constrangimento.” 

Segundo Barcelos, esse tipo de comportamento poderia configurar abuso de poder político. “Eu não posso me valer da minha condição hierárquica, de superioridade hierárquica, a coagir ninguém a participar de grupo de campanha, de fazer propaganda ou comentário”, observou. 

Caso isso ocorresse, o candidato ou campanha estaria se valendo da estrutura da administração pública para interesses privados, complementou. 

Ocupantes de cargos comissionados de livre nomeação ficam mais vulneráveis a pressões em período eleitoral, já que podem ser exonerados a qualquer tempo e por qualquer motivo, explicou ao Intercept Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, organização da sociedade civil focada em transparência, controle e integridade do poder público.

Formulário para registrar apoiadores de Ricardo Nunes

Em 31 de agosto, a prefeitura de São Paulo convocou servidores a participarem de um evento presencial. Relatos de pessoas que participaram da reunião, aos quais o Intercept teve acesso, citam que servidores comissionados foram obrigados a ir e a preencher um formulário.

O formulário pedia a identificação a partir de dados pessoais como nome, CPF e endereço, local de trabalho e disposição em colaborar voluntariamente com a campanha. Outras perguntas no formulário incluíam informação sobre filiação partidária e vínculos com candidatos a vereadores. O formulário, que não está mais disponível no link original, foi detalhado em uma reportagem no Brasil de Fato

A existência do formulário, por si só, já chama atenção. “Tu estás utilizando a estrutura do serviço público municipal para obter pessoas, está usando o servidor para maximizar a campanha ou o teu espectro de eleitores”, analisou Barcelos. 

A coleta de dados através do formulário pode ser também uma violação à legislação eleitoral sobre propaganda, afirmou Atoji, da Transparência Brasil. “A resolução de 2024 do TSE sobre o tema diz expressamente que a coleta de dados para distribuição de propaganda deve seguir os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, o que claramente não ocorreu no caso”, explicou Atoji.

Ela disse ainda que a inclusão involuntária em meios de difusão é uma afronta à LGPD, ainda mais para coletar dados sensíveis como filiação partidária, e que também deve ser investigada e responsabilizada como abuso de poderes econômico e político.

A coleta de dados para distribuição de propaganda deve seguir os princípios da LGPD, o que claramente não ocorreu.

A fonte que relatou ao Intercept a existência do formulário preencheu o documento como se fosse funcionário público lotado na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a SMDHC. No dia 3 de setembro, uma pessoa identificada como Isis J. entrou em contato com a pessoa que havia preenchido o formulário. 

“Opa, tudo bem?! Sou Isis e estou atuando na mobilização da campanha majoritária, este convite é super importante! Participe de nosso grupo”. A mensagem vinha com um link de um grupo nomeado “Engaja SMDHC”.

No formulário, o campo “entidades” permitia a seleção de diversas entidades ligadas à prefeitura de São Paulo. Isso sinaliza a possibilidade de que, assim como o grupo da SMDHC, podem ter sido criados outros grupos para cada pasta ou entidade.

Parte do formulário incluía lista de entidades para servidor dizer onde trabalhava (Crédito: Reprodução)
Parte do formulário incluía lista de entidades para servidor dizer onde trabalhava (Crédito: Reprodução)

Em setembro, o Intercept publicou reportagem com áudios que mostravam dirigentes da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo orientando funcionários a fazerem campanha em prol de Nunes. 

Na ocasião, dirigentes da pasta falaram sobre a criação de grupos para disseminar conteúdo positivo sobre Nunes com o objetivo de que servidores o encaminhassem para familiares e amigos e para avisar sobre “mobilizações”.

As denúncias de que servidores em cargo de chefia e em cargos comissionados estariam sendo mobilizados para fazer campanha em prol de Nunes foram objeto de uma ação de investigação judicial eleitoral protocolada pela vereadora eleita Amanda Paschoal, do PSOL, no fim de setembro. 

O Intercept entrou em contato com as secretarias citadas e com o gabinete do prefeito Ricardo Nunes. Todos enviaram um mesmo texto em resposta ao contato da reportagem. Nenhum deles negou a existência dos grupos no WhatsApp nem da estratégia de campanha.

O texto enviado pelas secretarias e o gabinete de Nunes diz apenas que o “posicionamento eleitoral é livre, desde que respeitada a legislação eleitoral em vigor, a qual impede a utilização de recursos públicos”. Destaca ainda que a Controladoria Geral do Município disponibilizou uma cartilha de condutas vedadas ao agente público como parte de “esforço da administração a fim de evitar eventuais incorreções”.

Também procuramos a coordenação de campanha de Ricardo Nunes, mas não tivemos resposta até a publicação desta reportagem.

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Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.

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