Uma funcionária da 2ª Zona Eleitoral de São Paulo, em Perdizes, relatou ter encontrado escutas clandestinas no prédio no dia 16 de outubro, já durante o segundo turno das eleições. A denúncia chegou ao Intercept Brasil por meio de uma fonte anônima, que deu detalhes do ocorrido.
Os aparelhos estariam na sala do chefe do cartório, na copa, no estacionamento e na sala do juiz Rodrigo Marzola Colombini, que nesta eleição foi responsável por julgar casos de grande repercussão sobre Pablo Marçal – e seguiu despachando sobre casos da Operação Lava Jato durante a campanha eleitoral.
O Tribunal Regional Eleitoral confirmou que uma funcionária “alegou que haveria uma gravação”, mas diz que “nada foi apresentado ao juiz eleitoral”. O tribunal afirma apenas que “houve um conflito” entre servidoras e que “não há nenhuma relação com o processo eleitoral”.
Nesta eleição, a 2ª Zona Eleitoral foi a responsável pelas decisões que suspenderam o pagamento de R$ 200 por postagens favoráveis a Pablo Marçal e removeram a publicação de um laudo falso para atacar o oponente Guilherme Boulos, do PSOL.
A zona ainda analisa casos sob sigilo, o que aumenta a gravidade das escutas. A notícia-crime apresentada por Boulos pedindo a prisão de Marçal por causa do laudo falso, por exemplo, teve o sigilo decretado por Colombini.
É também nesta zona, a segunda mais importante de São Paulo, que foram julgados processos relacionados à Operação Lava Jato.
Em setembro deste ano, já na época da campanha eleitoral, Colombini seguia despachando sobre temas sensíveis da operação de dentro da sede da 2ª Zona Eleitoral, como a decisão que extinguiu a punibilidade de Delúbio Soares por crime eleitoral em função da Lava Jato.
‘Não foi necessário tomar nenhuma medida’, diz TRE-SP
As escutas teriam sido encontradas na quarta-feira, 16, por uma funcionária que, ao realizar tarefas cotidianas na copa, se deparou com algo incomum, que parecia ser um gravador de áudio escondido, disse a fonte ao Intercept.
Ainda segundo a fonte, a funcionária teria procurado uma colega e, após algumas buscas na internet, as duas concluíram, assustadas: em pleno segundo turno da eleição na maior cidade do país, haviam descoberto um grampo ilegal no coração de um dos escritórios mais importantes da Justiça Eleitoral de São Paulo. Imediatamente, a chefia da zona foi avisada.
Na mesma tarde, o juiz responsável, Rodrigo Marzola Colombini, teria ordenado que outros ambientes fossem inspecionados, relatou a fonte. E o drama piorou: ela disse que foram encontrados aparelhos similares em vários pontos da casa.
Colombini convocou uma reunião emergencial. Em tom grave, explicou a situação para a equipe, ainda atônita com a descoberta, disse ao Intercept uma pessoa que estava na reunião. Mas ninguém assumiu responsabilidade, nem soube dizer de onde haviam surgido as escutas.
Tribunal afirmou que aguarda mais informações para uma eventual investigação.
O juiz, de acordo com uma fonte ouvida pela reportagem, não foi específico sobre as providências que seriam tomadas a partir dali. Desde então, não procurou mais os funcionários da zona.
Até o momento, não houve medidas de segurança adicionais, tomada de depoimentos das testemunhas que localizaram as escutas e nem mesmo a instalação de uma sindicância, relata a fonte.
Em casos como esse, um dos procedimentos necessários seria notificar a Polícia Federal, responsável por esse tipo de investigação. Isso ocorre, segundo especialistas ouvidos pelo Intercept, porque a legislação brasileira entende que crimes eleitorais são praticados contra os interesses da própria União.
O Tribunal Regional Eleitoral afirma que não foi necessário tomar nenhuma medida porque “nada foi apresentado”. “Não há qualquer materialidade do alegado, tampouco indícios de autoria”, disse a assessoria de imprensa do tribunal. O órgão afirmou que aguarda mais informações para uma eventual investigação. “Por ora não há o que ser apurado”.
Vazamentos e escutas clandestinas marcaram Lava Jato e Justiça Eleitoral
Escutas clandestinas não são novidade na vida política nacional, tampouco no âmbito da operação Lava Jato. O doleiro Alberto Yousseff foi gravado de forma ilegal dentro de sua cela com o equipamento. Na ocasião, ele mesmo encontrou o gravador, instalado pela própria PF.
A Justiça Eleitoral também já foi alvo de outras tentativas de invasão. Uma delas, ao próprio sistema de votação, em 2020. Na ocasião, segundo o Ministério Público Eleitoral, o ataque tirou o sistema e-Título do ar e vazou dados de servidores do TSE na internet.
A comunicação entre servidores da Justiça Eleitoral também esteve na mira de vazamento. Neste ano, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma série de reportagens baseada em mensagens trocadas entre servidores do TSE. A peça foi utilizada pela extrema direita para descredibilizar o processo eleitoral no país.
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