Kamala Harris e Joe Biden (Foto: William Volcov/Brazil Photo Press/Folhapress)

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Os democratas destruíram sua chance de barrar a volta de Trump

Biden e Harris optaram por tentar vencer os Republicanos em seu próprio jogo: voltando-se para a direita. Não deu certo.

Kamala Harris e Joe Biden (Foto: William Volcov/Brazil Photo Press/Folhapress)

Na manhã de quarta-feira, vários veículos projetaram a vitória de Donald Trump sobre a vice-presidente Kamala Harris na eleição presidencial de 2024 nos EUA.

Espera-se que a volta de Trump à Casa Branca traga uma pauta de direita radical que pode resultar na deportação de milhões de imigrantes, restrição de direitos de pessoas trans, maior restrição dos direitos reprodutivos, e reversão de proteções ambientais em meio à aceleração das catástrofes climáticas. 

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Ao contrário de 2016, quando sua vitória sobre Hillary Clinton foi um choque para muitos americanos, Trump não é uma surpresa em 2024. O Partido Democrata teve quatro anos de vantagem para garantir que isso não acontecesse novamente. No entanto, como em 2016, aparentemente os democratas fracassaram na tentativa de ganhar o eleitorado em uma disputa contra um candidato especialmente impopular – que, desta vez, traz nas costas múltiplos pedidos de impeachment, acusações e condenações criminais.

A curta campanha de Biden e a subsequente campanha de Harris decidiram tentar vencer os Republicanos em seu próprio jogo, e se voltaram para a direita em questões como imigração, justiça penal e clima. Depois da desistência de Joe Biden, o partido Democrata rejeitou os apelos para deixar de fornecer armas para a guerra de Israel em Gaza. Harris, em vez disso, apreciou o apoio de conservadores como Liz Cheney. Foi uma estratégia para cortejar os moderados e conservadores receosos com um segundo mandato de Trump, mas isso pode ter afastado os principais blocos eleitorais.

“Mesmo deixando de lado esse genocídio, tem sido difícil fazer com que Harris assuma posições firmes sobre outras coisas que me preocupam, como os direitos trans; algum tipo de reforma relevante e humanizada das políticas de imigração; e um posicionamento sobre as mudanças climáticas”, disse na semana passada Meghan Watts, eleitora da Carolina do Norte, ao The Intercept dos EUA. Ela estava indecisa entre Harris e a candidata do Partido Verde, Jill Stein. Na terça-feira, acabou deixando em branco o campo de eleição presidencial da cédula.

(Nota da editora: nos EUA, as cédulas eleitorais trazem, além dos candidatos ao Executivo e ao Legislativo, diversas outras questões sobre as quais os eleitores devem decidir.)

Ao longo da guerra, o governo Biden demonstrou relutância em mudar a sua política de armar Israel, sem praticamente nenhuma salvaguarda frente às crescentes provas de violações aos direitos humanos, tanto em Gaza, como no Líbano. Depois de um ano de protestos contra a guerra em universidades de todo o país, houve um otimismo inicial por parte dos eleitores de que Harris poderia mudar de rumo ao assumir a chapa.

O movimento Uncommited reuniu o compromisso de centenas de delegados de Harris em pressionar a campanha a um embargo de armas, e parecia haver estar ganhando força antes da Convenção Nacional do Partido Democrata, em Chicago, em agosto. No entanto, o partido barrou o movimento de todas as formas, e Harris se recusou a oferecer qualquer garantia de que a sua política em relação à guerra seria diferente da de Biden.

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As pesquisas têm mostrado consistentemente que impor restrições ou limites ao envio de armas dos EUA a Israel é uma medida popular entre os americanos e, de forma ainda mais esmagadora, entre os democratas. Mas Harris continuou a ignorar os apelos para fazer isso, culminando com a decisão do Uncommitted de não apoiá-la.

‘Os democratas passarão anos debatendo quais questões afastaram especificamente os eleitores de Harris e os levaram a Trump.’

“A vice-presidente Harris e sua equipe não aproveitaram a oportunidade de dar força ao Uncommited para apoiá-la e mobilizar os eleitores em sua reeleição”, disse Abbas Alawieh, co-fundador do movimento, em setembro, após anunciar o não apoio. Ele acabou votando em Harris com a esperança de que os eleitores continuassem a pressioná-la por um embargo de armas e um cessar-fogo.

Os democratas passarão anos debatendo quais questões afastaram especificamente os eleitores de Harris e os levaram a Trump – teria sido a guerra, a inflação, o racismo e a misoginia da América, ou outros fatores totalmente diferentes? Mas à medida que o partido examina sua derrota, deve também levar em conta a forma como lida com as vozes dissidentes em suas fileiras.

Reem Abuelhaj, ativista na Pensilvânia pelo movimento No Ceasefire No Vote PA, um grupo que pressiona pela promessa de um embargo de armas, disse temer que um voto em Harris estabelecesse um precedente de que o partido Democrata poderia ignorar seus eleitores que manifestam dissidência sobre violações aos direitos humanos. Ela decidiu esperar até o dia da eleição, com a esperança de que Harris fizesse uma mudança de política de última hora. Essas garantias nunca chegaram.

“Entrei na cabine de votação e não conseguia parar de chorar”, disse Abuelhaj ao The Intercept na noite de terça-feira. “Tudo o que conseguia ver era o rosto de uma criança em Jabaliya” – uma cidade do norte de Gaza – “segurando o corpo do seu irmão mais novo, que foi morto no fim de semana. Votei no restante da cédula, mas deixei em branco a parte de cima.”

Alguns de seus amigos e familiares se uniram a ela, e não conseguiram votar em Harris. Outros, que votaram em Harris, choraram ou se sentiram mal, ela contou. Uma amiga disse que votou em Harris “mas depois rezou pedindo perdão”.

“Este foi um dia de tristeza e destruição”, disse Abuelhaj.

Quando Trump tomar posse, a política dos EUA irá oscilar para a extrema direita. Jesse Myerson, um ativista comunitário em Nova Iorque, resumiu a situação que a esquerda, e uma grande parcela do público americano, provavelmente enfrentará em um segundo governo Trump.

“O ataque violento que o governo [de Trump] vai lançar contra pessoas queer e trans, imigrantes, muçulmanos, pessoas racializadas, judeus, qualquer pessoa cujos direitos reprodutivos estejam sob ataque, ou que esteja na linha de frente das catástrofes climáticas – tudo isso exigirá que estejamos na defensiva em uma série de questões, e isso irá reduzir a capacidade que temos para lutar contra esse genocídio. E, honestamente, dados os planos do Projeto Esther, haverá ainda mais ataques diretos ao movimento pelos direitos humanos palestinos do que há agora”, disse Myerson ao The Intercept na semana passada.

“As possibilidades de avanço, por mais reduzidas que fossem sob Harris, seriam completamente obliteradas sob Trump, e forçariam uma postura tão defensiva que considero que simplesmente perderemos terreno de formas enormes e incompreensíveis.”

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Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.

A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.

Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.

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