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Voto da comunidade árabe nos EUA expõe contradições da eleição de Trump

Comunidades árabes e muçulmanas no estado de Michigan reelegeram a deputada progressista Rashida Tlaib, mas também escolheram Donald Trump.

A deputada Rashida Tlaib se elegeu com uma plataforma progressista na mesma comunidade que votou em Trump.

Eleitores da maior cidade dos EUA com população de maioria árabe se reorientaram inequivocamente a Donald Trump nas eleições presidenciais, rechaçando de forma contundente as políticas do governo Biden no Oriente Médio.

Trump venceu em Dearborn, no estado de Michigan, com 43% dos votos, contra 36% de Kamala Harris. Jill Stein, do Partido Verde, levou 15% dos votos na cidade, onde em 2020 seu partido obteve menos de 1%.

A margem da vitória de Trump em Dearborn traz uma relevante inversão das eleições de 2020, quando Joe Biden recebeu 69% dos votos, contra 30% de Trump.

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A enorme virada em direção a Trump não foi decisiva na disputa nacional, em que ele conquistou a vitória no Colégio Eleitoral sem ajuda de Michigan, o estado com a maior proporção de árabes estadunidenses. Ele venceu no estado por uma margem apertada. Ainda assim, foi um sinal revelador de como o governo perdeu completamente os cidadãos de ascendência árabe por causa da guerra.

Os resultados eleitorais para além da disputa presidencial sugerem que a mudança tenha sido motivada em grande parte pela irritação com o governo Biden, mais do que por uma insatisfação generalizada com as políticas do Partido Democrata.

‘Ela se recusou a ignorar as necessidades de seus eleitores — o que, nesse caso, significava se opor a um genocídio.’

A deputada democrata Rashida Tlaib, progressista, de ascendência palestina, obteve 62% dos votos em Dearborn, contra 30% do candidato do Partido Republicano, James Hooper. Ela foi reeleita com facilidade para o quarto mandato.

Para os analistas, o contraste entre o forte desempenho de Tlaib e a fragilidade de Harris foi impressionante.

“Eleitores da classe trabalhadora de todo o país não veem mais o Partido Democrata como um partido que luta por seus interesses”, diz Usamah Andrabi, diretor de comunicação do comitê de ação política Justice Democrats, “e eles viram Rashida Tlaib como uma pessoa que faz isso, exatamente porque ela contrariou a liderança de seu partido, porque ela se recusou a ignorar as necessidades de seus eleitores — o que, nesse caso, significava se opor a um genocídio.”

“É isso que significa colocar a democracia de volta no cerne do Partido Democrata”, diz Andrabi. “Qualquer outra coisa é uma traição às pessoas comuns, e elas sentem isso.”

Por que a virada?

Alguns eleitores árabes e muçulmanos em Michigan se voltaram para Trump por seus valores conservadores e alinhamento na guerra cultural. Uma campanha publicitária em âmbito nacional atacou Harris por seu apoio às pessoas trans, muitas vezes usando desinformação, e o ataque foi bem-sucedido. A questão ajudou Trump a conquistar eleitores árabes e muçulmanos contra o Partido Democrata.

Tlaib, no entanto, assumiu posições progressistas sobre o assunto, e manifestou veementemente seu apoio aos direitos das pessoas trans.

‘Embora as questões sociais estivessem presentes, havia um grande foco no Oriente Médio e na guerra.’

O que fez Harris ter um desempenho tão ruim em comparação a Tlaib? Uma diferença gritante se destaca: Tlaib, de ascendência palestina, vem sendo uma das críticas mais ferrenhas no Congresso contra a guerra de Israel em Gaza e, mais recentemente, no Líbano.

Abed Hammoud, de ascendência libanesa, importante liderança civil em Dearborn, diz não enxergar contradição na vitória de Trump e Tlaib, socialmente progressista, na cidade, porque as eleições ali foram claramente um referendo sobre o ataque de Israel contra Gaza.

“Embora as questões sociais estivessem presentes, havia um grande foco no Oriente Médio e na guerra”, diz.

Os resultados em Dearborn, ainda não oficiais, acompanham o que foi apurado pelo Intercept em relação a árabes e muçulmanos residentes em Michigan durante a votação antecipada. Muitos afirmaram que, depois de votarem a vida inteira no Partido Democrata, estavam se voltando para Trump por uma sensação de desalento com a guerra em Gaza e a invasão do Líbano.

Trump prometeu deixar Israel “terminar o serviço” em Gaza, e apoiou políticas incendiárias pró-Israel, como reconhecer Jerusalém como capital do país. Ainda assim, alguns eleitores disseram que queriam dar a ele uma oportunidade, depois de mais de um ano da destruidora guerra em Gaza, e diante da recusa de Harris de romper com Biden em relação ao tema.

Em um comunicado, Nihad Awad, diretor-executivo nacional do Conselho de Relações Americano-Islâmicas, diz que a enorme migração de votos para Trump pode ser atribuída à incapacidade de Harris de assumir uma postura mais forte sobre Gaza.

“Em vez de ouvir a clara maioria de estadunidenses que apoiam tanto um cessar-fogo quanto uma suspensão do envio de armas a Israel, a vice-presidente Harris adotou apenas um tom ligeiramente mais solidário aos palestinos, mantendo a essência do desastroso posicionamento do presidente Biden”, aponta Awad. “Isso levou a uma transferência inédita do apoio de muçulmanos, árabes e outras comunidades, que tradicionalmente votam em presidentes do Partido Democrata.”

“Uma escolha muito difícil”

Trump fez uma campanha agressiva com os eleitores árabes e muçulmanos em Michigan, incluindo diversas visitas nas últimas semanas antes das eleições a Hamtramck, que tem uma câmara de vereadores totalmente composta por muçulmanos, e a Dearborn. Ele se lançou com o candidato da paz, e Awad insistiu que ele cumpra a promessa.

“O presidente eleito deve cumprir sua promessa de campanha de buscar a paz no exterior, inclusive com o fim da guerra em Gaza. No entanto, deve ser uma verdadeira paz, baseada na justiça, na liberdade, e em um Estado para o povo palestino”, diz Awad.

Dearborn foi um dos centros do movimento nacional “Uncomitted”, que buscou pressionar o governo a mudar suas políticas em relação a Israel. Harris rejeitou a campanha do movimento para incluir a fala de uma pessoa de ascendência palestina na Convenção Nacional do Partido Democrata, em agosto.

David Dulio, professor da Universidade de Oakland, em Michigan, diz que, diante do ativismo na região, o desempenho exagerado de Trump não foi totalmente surpreendente.

“Já sabíamos que isso era uma possibilidade há meses, desde as primárias presidenciais, quando o movimento Uncomitted recebeu 10 mil votos no estado”, conta Duilio. “Sabíamos que esse era um ponto de divergência nas três comunidades árabe-americanas. Sabíamos que muitas pessoas dessas comunidades não estavam e não estão satisfeitas com as políticas do atual governo em relação a Israel e à guerra em Gaza.”

Em uma coletiva de imprensa na semana passada, o cofundador do movimento Uncomitted, Abbas Alawieh, declarou que, entre as pessoas que votaram em Trump, estavam familiares seus.

“As pessoas que votaram em Trump são meus primos, meus amigos, pessoas que foram encarregadas da dificílima tarefa de carregar muita dor, e tentar fazer uma escolha politicamente informada ao mesmo tempo”, disse Alawieh. “É uma escolha muito difícil de se fazer.”

Alawieh disse ainda que espera que a “aposta” do voto em Trump na tentativa de encerrar a guerra valha a pena, mas que espera que os integrantes de seus movimentos se organizem pelas ruas para pressionar os políticos de ambos os principais partidos.

“Vai ser um caminho difícil”, alertou. “E para muitos de nós, nosso ativismo e nosso modo de organização podem até ser criminalizados. É uma perspectiva muito sombria, mas precisamos seguir em frente.”

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