O anoitecer chuvoso de Brasília foi interrompido por dois estouros na Praça dos Três Poderes. Eram pouco mais de 19h de quarta-feira, 13, quando recebi, ainda em casa, as primeiras informações sobre o atentado a bomba no edifício-sede do Supremo Tribunal Federal.
No mesmo minuto, uma colega, num grupo de jornalistas no WhatsApp, perguntou o que estava havendo. “No Planalto estão falando que foi suicídio com bomba”, disse outra colega. Foi o bastante para me transportar diretamente ao 8 de Janeiro de 2023 – um gatilho que dispara a qualquer repórter que, como eu, viveu aquele dia na rua.
Em poucos minutos, entendi a gravidade da situação: veículos já noticiavam um carro-bomba e explosões coordenadas. Logo, o editor do Intercept Brasil em Brasília, Paulo Motoryn, me acionou para ir imediatamente até a Praça dos Três Poderes. Saquei minha velha capa de chuva e montei na minha moto.
O caminho até a Esplanada dos Ministérios estava caótico. Minha moto é uma Intruder 125, ano 2009, que mal chega a 80 quilômetros por hora. Fui cortando os carros embaçados que meu astigmatismo e o visor do capacete me permitiam enxergar.
O caminho até o Eixo Monumental, que corta o “avião” do Plano Piloto, estava todo interrompido por barreiras da Polícia Militar. Abandonei minha moto perto do Bolo de Noiva, como nos referimos ao anexo II do Palácio do Itamaraty, e comecei minha andança até o local da explosão.
No trajeto, diante de bloqueios da PM, menti: disse que estava indo buscar minha moto no estacionamento do Supremo. Foi assim que cheguei, menos de uma hora depois do ocorrido, ao edifício do STF.
E, ali de longe, vi uma das cenas que vai demorar a sair da minha cabeça: o corpo de Francisco Wanderley Luiz, 59 anos, o Tiu França, repousado ante à Estátua da Justiça. Desviei o olhar rapidamente e segui em busca de mais informações sobre o que havia acontecido.
Conversei com um policial militar sobre o atentado. “A cabeça dele explodiu!”, disse o guarda, assustado. O perímetro estava todo cercado pela busca de novas bombas. Até aquele momento, sabíamos de três: uma que explodiu próxima à estátua, outra que matou Tiu França e a última que não havia detonado. Segundo o policial, poderia ter sido pior.
Em frente ao Palácio do Planalto estavam outros inúmeros colegas jornalistas que passavam as informações para as rádios e TVs que cobriam o evento. Entendi melhor a situação.
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O homem era um bolsonarista de Santa Catarina, candidato nas eleições de 2020 em Rio do Sul. Esteve em 24 de agosto no Plenário do Supremo Tribunal Federal. “Deixaram a raposa entrar no galinheiro (chiqueiro); ou não sabem o tamanho das presas ou é burrice mesmo. Provérbios 16:18 (A soberba precede a queda)”, escreveu em post na rede social.
Foi quando um amigo, repórter do jornal O Globo, me mostrou uma foto nítida do corpo de Tiu França. Sob as luzes esverdeadas dos holofotes do STF, o homem estava deitado de peito para cima. Usava um tênis preto e um terno completo azul enfeitado com os naipes de um baralho.
Uma cabeça estourada, com a massa encefálica tingiu o chão de vermelho. A mão de Tiu França era só um pedaço de carne.
Foi difícil seguir na cobertura depois de uma cena tão grotesca. Mas o major Broocke, porta-voz da PMDF, vinha com novas atualizações sobre o atentado. Tiu França portava mais uma bomba em seu corpo e um relógio com timer poderia ser o detonador deste explosivo, informou.
Por volta das 23h, a história já estava praticamente desvendada. Tiu França havia jogado a primeira bomba em direção à Estátua da Justiça. Depois, sacou uma segunda e arremessou em frente ao STF. Em seguida, tirou uma terceira, explodiu próximo a sua cabeça e morreu. Testemunhas dizem que foi na hora, sem reação.
Havia também um segundo carro, em que não foram encontradas outras bombas. Mesmo assim, Exército, Força Nacional, Polícia Civil e Militar cercaram toda a praça em busca de novos artefatos.
O Gabinete de Segurança Institucional reforçou as seguranças dos palácios do Planalto, da Alvorada e do Jaburu. Um robô do Batalhão de Operações Policiais Especiais da PMDF tentava desamarrar as bombas do corpo do homem.
PMDF e Abin falham novamente
Mesmo diante do nítido esforço das forças de segurança, era inevitável lembrar que a Polícia Militar do DF e a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, que viveram um forte escrutínio pós-8 de Janeiro, tinham falhado novamente. Pela segunda vez, esses erros colocaram as instituições sob ameaça.
Saí por volta das 23h50 daquela guarita do Palácio do Planalto, começando minha volta à moto. Subi a Esplanada na direção da Rodoviária de Brasília, ainda absorvendo o absurdo dessa noite. Ao passar em frente ao Palácio da Justiça, quatro policiais viraram seus fuzis e calibres 12 para mim, como se eu fosse mais um possível inimigo.
Mandaram que eu tirasse o capacete, erguesse a capa de chuva e esvaziasse os bolsos. Atendi, enquanto eles remexiam minha bolsa em busca de uma ameaça que não existia.
— Jornalista — expliquei, quase que para mim mesmo.
Um deles baixou a arma e murmurou um pedido de desculpas automático, como quem cumpria protocolo, sem realmente acreditar, e me ofereceu um aperto de mão.
— Relaxa, tá todo mundo tenso…
Todo mundo mesmo. O presidente Lula e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, passaram horas reunidos no Palácio da Alvorada, e a imprensa já noticiava o impacto: o Supremo, agora, descarta ainda mais o tal PL da Anistia, que visa salvar os golpistas de 8 de Janeiro. “Não vamos permitir que ousem debater anistia depois disso”, teriam dito os ministros do Supremo.
Os bolsonaristas já lamentam em grupos: “Agora vão enterrar a anistia. Pqp”, disse o deputado Gustavo Gayer, do PL goiano.
Mas fui dormir com uma pergunta na cabeça: quantos Tiu França estão à solta, por aí?
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