Tio França não foi o único a querer matar Alexandre de Moraes. Bolsonaro e o seu núcleo de militares golpistas também quiseram. Além do ministro, o presidente eleito e seu vice também estavam na mira da gangue golpista.
As provas colhidas pela Polícia Federal são fartas, robustas e não deixam pedra sobre pedra. A tentativa de golpe não só aconteceu como pretendia-se um banho de sangue.
Além do ex-presidente, outras 36 pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado, abolição do estado democrático de direito e organização criminosa.
Os investigadores não têm dúvida de que, sob o aval do então presidente, os militares planejaram os assassinatos de autoridades e mobilizaram agentes públicos das Forças Armadas para cometer os crimes.
O plano, batizado de Punhal Verde e Amarelo, foi discutido com pelo menos 35 militares, muitos deles de alta patente. Tudo foi planejado em reunião na casa do general Braga Neto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro, e o documento com os detalhes foi impresso por uma impressora do Palácio do Planalto.
Bolsonaro avisou aos comparsas que o plano tinha uma data limite para ser executado: 31 de dezembro de 2022. Bolsonaro sabia de tudo. Nenhum desses fatos está no terreno da suposição. Tudo está calçado por áudios, fotos, mensagens de texto, dados de geolocalização, documentos e imagens de câmeras de segurança levantados pela investigação.
Já faz um tempo que o bolsonarismo se vê encurralado pela realidade dos fatos levantada pela investigação, mas nesta semana a coisa evoluiu para um xeque-mate.
Se a delação de Mauro Cid já era o batom na cueca de Bolsonaro e cia, agora tem-se em mãos um filme pornô hardcore com participação ativa de boa parte da cúpula militar. O castelo golpista dentro das Forças Armadas desmoronou.
Quatro militares de elite já foram presos. Dos 37 indiciados pela PF, 25 são militares, entre eles oficiais de alta patente que foram ministros do governo Bolsonaro, como os generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
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Os milicos que foram presos faziam parte dos Kids Pretos, um grupo especial das Forças Armadas treinado para ações de sabotagem e insurgência popular. O lema do grupo é: “qualquer missão, em qualquer lugar, a qualquer hora e de qualquer maneira”.
Em uma das mensagens trocadas entre os Kids Pretos cinco dias após a eleição de Lula, um deles escreveu: “Democrata é o cacete. Não tem que ser democrata mais agora”. É irônico e satisfatório imaginar que dois anos depois o autor dessa frase seria preso pela democracia. Como diria o golpista-mor — e colunista convidado da Folha — Jair Bolsonaro, “aceitem a democracia.”
As forças armadas foram corroídas pelo golpismo e atuaram de forma permanente para incitar a desordem. A prisão de todos os militares envolvidos na tentativa de golpe é urgente. Além disso, é preciso que o governo federal faça tudo o que estiver ao seu alcance para extirpar o golpismo das Forças Armadas. Isso está longe de ser feito.
O ministro da Defesa, José Múcio, minimizou o papel das Forças Armadas na tentativa de golpe e disse que os crimes foram cometidos por “um grupo isolado”. Mesmo após 2 anos no cargo, o ministro segue fazendo vista grossa para o golpismo institucionalizado entre os militares. Quem está desbaratinando a quadrilha golpista da instituição é a Polícia Federal e o STF, enquanto Múcio prefere evitar a fadiga.
Não é minimamente razoável, por exemplo, que dois dos milicos presos por participar do plano de assassinato de Lula, estarem atuando na missão de segurança da cúpula do G20. Não se trata de tarefa fácil e é até compreensível a cautela de Múcio para mexer nesse vespeiro. Mas essa é uma briga inadiável.
As forças armadas tornaram-se uma fábrica de militares fanatizados por uma ideologia reacionária e golpista. É uma incubadora de Tios Franças. Trata-se de uma instituição caríssima para os cofres do estado, mas que oferece pouco ou quase nada de volta à sociedade além de tentativas de golpe. Ou faz-se uma limpeza radical na instituição e uma reformulação total dos seus métodos ou outros governos serão assombrados pelo golpismo militar no futuro.
É necessário também falar sobre o papel do PL na trama. Valdemar da Costa Neto, presidente do partido e integrante do braço político do plano golpista, também foi indiciado.
A PF reuniu indícios de que a estrutura do partido foi usada “para financiar a estrutura de apoio às narrativas que alegavam supostas fraudes às urnas eletrônicas, de modo a legitimar as manifestações que ocorriam em frentes as instalações militares”.
Foi o PL que alugou a casa que abrigou o comitê de campanha de Bolsonaro e que, após o segundo turno, foi usada como um QG da trama golpista. No inquérito, Mauro Cid aparece pedindo R$100 mil para o general Braga Netto, que é filiado ao PL, para financiar o plano de assassinato de autoridades dos Kids Pretos.
Braga Netto respondeu dizendo que era para pegar com o PL. Tudo indica que o partido de Valdemar teve papel fundamental para a organização criminosa, o que pode culminar com a cassação do seu registro.
Ainda temos um longo caminho pela frente. A investigação agora segue para o STF e posteriormente será encaminhada à PGR, que analisará as provas levantadas pela PF e decidirá se denuncia ou não os envolvidos. Todos os caminhos percorridos até aqui levam Bolsonaro e os golpistas para a cadeia.
A democracia não tem opção: ou extirpa essa gente nefasta de uma vez ou será assombrada mais uma vez em um futuro próximo. A História nos deu a lição: a anistia aos golpistas de 64 gerou os golpistas de 22.
Esse ciclo precisa ser quebrado. O golpismo deve ser aniquilado de forma definitiva pelas forças da democracia. Tio França e os Kids Pretos são a prova de que o espírito golpista continua vivíssimo.
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