O Intercept Brasil está se recusando a entregar dados sigilosos para uma investigação policial que visa a atropelar os direitos constitucionalmente garantidos aos jornalistas. A Polícia Civil de Santa Catarina exigiu que revelássemos nossa(s) fonte(s) no caso Mari Ferrer, uma investigação publicada em 2020 que chocou o Brasil, envergonhou o judiciário do estado e levou a uma nova lei federal.
Desde então, as autoridades estaduais vêm buscando sua vingança em uma série de ações judiciais que ensejaram a reprovação das Nações Unidas, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. Pelo menos 22 organizações da sociedade civil chamaram a perseguição a Schirlei Alves, a jornalista autora da história, de “inadmissível e ultrajante”. Schirlei está atualmente recorrendo da condenação a um ano de prisão em regime aberto e da indenização de R$ 400.000. Uma juíza também exigiu edições específicas na matéria publicada.
Na semana passada, ignorando o clamor internacional, a polícia estadual exigiu que o Intercept Brasil fornecesse “identificação detalhada das fontes de informação usadas na preparação da reportagem, incluindo dados que indiquem a origem do conteúdo confidencial mencionado”. Também exigiu “informações sobre como o material divulgado foi obtido” e “quaisquer registros ou documentos complementares que possam ajudar a autoridade policial a esclarecer os fatos”.
Ontem, na quarta-feira, enviamos nossa resposta: Não.
Deixamos claro que a investigação é escandalosa, que as exigências da polícia violam nossos direitos constitucionais e que não as acataremos em hipótese alguma.
“O Estado brasileiro e seus agentes não podem compelir jornalistas a entregar seus instrumentos de trabalho, sob pena, além da mais completa nulidade destas provas, de eventual responsabilidade por excessos que cometer, na forma da lei”, diz nossa resposta.
“Esforços de relativização do sigilo de fonte são reminiscências de um inverno autoritário de tristíssima memória”, continua.
Não está claro por que a polícia decidiu fazer essa exigência inconstitucional quatro anos após o fato e três anos após a abertura da investigação. Mas o que está claro é que não nos intimidaremos e não deixaremos de buscar justiça até que todas as decisões contra Schirlei Alves sejam anuladas.
Mas lutar contra a polícia e o judiciário em seu próprio quintal não é fácil, e certamente não é barato. É por isso que criamos nosso Fundo de Defesa Legal. É uma forma de nossa comunidade mostrar sua solidariedade com Schirlei e garantir que o Intercept Brasil sempre terá os recursos necessários para enfrentar a corrupção, a injustiça, os valentões e os bilionários quando e onde for necessário.
Estamos enfrentando uma onda sem precedentes de assédio judicial, com pelo menos 25 processos abertos, movidos por golpistas, criminosos ambientais, políticos extremistas, empresas de mineração e demagogos de extrema direita que prefeririam que nosso jornalismo independente não existisse.
O caso Mari Ferrer
Em 2020, o Intercept Brasil publicou a gravação em vídeo de um processo judicial no qual Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado de defesa, assedia e humilha Mari Ferrer, que a Polícia Civil alegou ter sido estuprada pelo rico empresário André de Camargo Aranha no exclusivo clube de praia Café de la Musique em 2018, depois de ser drogada por seus cúmplices.
Na audiência, o promotor e o juiz não intervieram efetivamente, ignorando a súplica chorosa de Ferrer. “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito. Nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente, o que é isso?”, diz Ferrer na gravação.
Apesar das evidências físicas e em vídeo e dos depoimentos de testemunhas que mostravam Ferrer tropeçando e enrolando as palavras, Thiago Carriço de Oliveira, o promotor do caso, argumentou que não havia como o empresário saber que não havia consentimento durante o ato sexual. Aranha foi absolvido pelo juiz Rudson Marcos com base nesses argumentos.
Nossa reportagem imediatamente provocou uma tempestade nacional e levou a uma nova lei federal que pune operadores do sistema de justiça que revitimizam vítimas de agressão sexual durante o processo jurídico.
As revelações também provocaram uma resposta judicial agressiva dos três homens no vídeo, que processaram a repórter do Intercept Brasil tanto criminal quanto civilmente. Dois dos seis processos contra Schirlei levaram a uma condenação a um ano de prisão em regime aberto e a uma indenização de R$ 400 mil a Marcos e Carriço, o juiz e o promotor, por supostos crimes contra a honra – valor equivalente a mais de cinco anos do salário médio de um jornalista. O Intercept Brasil, que está assumindo todos os custos judiciais, recorreu da decisão; três processos civis continuam se arrastando, enquanto um processo criminal foi encerrado.
O juiz Marcos foi punido pelo Conselho Nacional de Justiça, em uma decisão unânime, por sua omissão na proteção de Ferrer – poucos dias após a condenação de Schirlei. O Ministério Público também abriu uma investigação disciplinar contra Carriço, que ainda está pendente.
Além de processar Schirlei, o juiz Marcos entrou com pelo menos 182 processos para silenciar as pessoas que postaram uma hashtag para discutir o caso online – entre elas várias celebridades feministas de destaque.
“Meu único desejo era expor a verdade e foi isso que fiz. Esta perseguição já me causou danos irreparáveis. É uma tentativa de silenciamento e intimidação não apenas contra mim, mas contra o jornalismo investigativo brasileiro”, afirmou Schirlei Alves.
“Agora, espero que o sofrimento de Mari Ferrer e o meu possa levar a mudanças para que mais mulheres não tenham que passar por aquilo a que fomos submetidas. Nós merecemos o melhor”.
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