Esta matéria, originalmente publicada em novembro de 2022 no site Medium, foi traduzida em parceria com Cory Doctorow.
Enquanto digito essas palavras, está em curso um êxodo em massa do Facebook e do Twitter. Após décadas de crescimento extraordinário, essas redes sociais estão encolhendo em um ritmo alarmante.
De certa forma, isso não deveria nos surpreender. Todas as redes sociais que antecederam a geração atual enfrentaram esse padrão: Orkut, Friendster, Myspace e Bebo, todas explodiram em cena. Um dia, elas eram serviços de nicho, escassamente povoadas, até que, no dia seguinte, todo mundo que você conhecia estava lá, e você precisava criar um perfil para manter contato com as pessoas. E aí, na mesma velocidade, elas implodiram e se transformaram em cidades-fantasmas, depois em piada, e por fim, em ruínas esquecidas.
Mas isso não aconteceu com o Facebook e o Twitter. Ambos alcançaram uma escala e uma durabilidade que ultrapassaram as das redes que vieram antes. Para muitas pessoas, parecia que os operadores desse serviço tinham conseguido descobrir o segredo para criar redes sociais eternas. Talvez tenha sido seu acesso ao mercado de capitais, que lhes permitiu contratar melhores equipes de engenharia? Talvez tenha sido a genialidade singular de seus fundadores e gestores? Talvez tenha sido sorte?
Atualmente, está cada vez mais difícil acreditar que essas redes vão durar para sempre. Em um piscar de olhos, elas deixaram de ser montanhas eternas inatingíveis e se tornaram areia movediça que pode afundar em algum momento. E os usuários estão correndo para baixar seus dados e avisar aos amigos onde podem ser encontrados se (quando?) o serviço desaparecer.
Como esses sistemas foram de permanentes a efêmeros? Como aconteceu tão rápido?
Minha teoria é a seguinte.
Quando economistas e sociólogos teorizam sobre as mídias sociais, eles enfatizam os “efeitos de rede”. Um sistema tem “efeitos de rede” quando ele se torna mais valioso à medida que é usado por mais pessoas. Você entrou no Facebook porque valorizava a companhia das pessoas que já estavam lá; depois que você entrou, outras pessoas entraram para conviver com você.
Os efeitos de rede são motores poderosos do crescimento rápido. São um circuito de retroalimentação positiva, uma engrenagem que gira cada vez mais rápido.
Mas os efeitos de rede são uma faca de dois gumes. Se o sistema ganha valor à medida que atrai mais usuários, ele também perde valor quando afasta usuários. Quanto menos um sistema tem valor para alguém, mais fácil é sair dele.
Ao sair de um sistema, é preciso suportar os “custos de mudança” — tudo que é preciso deixar para trás ao trocar de produtos, serviços ou hábitos. Parar de fumar significa suportar não apenas o alto custo de mudança da abstinência de nicotina, mas também lidar com os dolorosos custos de mudança de deixar o convívio social da área de fumantes, os amigos que você conheceu ali e os que poderia conhecer no futuro.
Nas redes sociais, o maior custo de mudança não é aprender a mecânica de um novo aplicativo ou gerar uma nova senha: são as comunidades, os familiares, amigos e clientes que você perde ao fazer a troca. Deixando de lado a complexidade de adicionar novamente os amigos em um novo serviço, está a questão ainda mais complicada de fazer todas essas pessoas saírem ao mesmo tempo que você, e irem para o mesmo lugar.
Cada plataforma comercial de mídia social tem dois imperativos: o primeiro, tornar o mais fácil possível aderir ao seu serviço; e o segundo, tornar o mais difícil possível sair dele. Quando o Facebook foi aberto para o público em geral, não apenas os estudantes universitários, ele precisava de um plano para lidar com o MySpace.
Na época, o MySpace era a maior rede social que o mundo já tinha visto. Era extremamente complexo, lotado de spam, muitas vezes desanimador, mas para os usuários, o MySpace tinha uma grande vantagem sobre o Facebook: todos os seus amigos já estavam lá.
Não importava que o Facebook tivesse uma interface melhor e mais recursos. Não importava que o Facebook tivesse prometido não espionar seus usuários em benefícios dos anunciantes (sim, esse era o argumento do Facebook em 2006, quando deixou de lado a exigência de ter um e-mail .edu para se cadastrar).
O Facebook enfrentou esse problema dando aos usuários do MySpace que migravam para o Facebook uma ponte entre os dois serviços. Bastava simplesmente inserir seu login e senha do MySpace em uma ferramenta, e ela usava um bot para entrar no seu perfil do MySpace, raspar todas as mensagens nas filas de espera e na caixa de entrada, e enviá-las para seu feed do Facebook. Era possível responder a essas mensagens, e o bot fazia login no MySpace novamente e publicava as respostas para você.
‘Quanto mais altos os custos de mudança, mais uma empresa pode abusar de você, porque sabe que, por pior que seja a situação que ela criou para você, seria necessário lidar com coisa ainda pior se você decidisse sair.’
O Facebook atacou de frente os altos custos de mudança do MySpace, reduzindo seu impacto para os usuários e desencadeando os efeitos de rede e o crescimento rápido.
Mas à medida que Facebook e Twitter consolidaram seu domínio, foram mudando os serviços de forma consistente para capturar uma parte cada vez maior do valor que os usuários geram para eles. Inicialmente, as empresas transferiram o valor dos usuários para os anunciantes: passaram a usar mais monitoramento para permitir um direcionamento mais preciso e oferecer formas mais intrusivas de publicidade, para cobrar mais caro dos anunciantes.
Essa merdificação foi possibilitada pelos altos custos de mudança. As enormes comunidades trazidas pelo efeito de redes tinham tanto valor para os usuários que eles não podiam se dar ao luxo de sair, porque, para isso, precisariam desistir de importantes vínculos pessoais, profissionais, comerciais e amorosos. E apenas para garantir que os usuários não escapassem, o Facebook lutou agressivamente na justiça contra as iniciativas que permitiam que as pessoas mantivessem contato com os amigos sem usar seus serviços. O Twitter foi reduzindo consistentemente seu suporte à API, para neutralizá-la de forma que ficasse cada vez mais difícil sair do Twitter sem abrir mão do valor que ele entregava.
Quando os custos de mudança são altos, os serviços podem ser alterados de uma forma desfavorável sem perder o mercado. Quanto mais altos os custos de mudança, mais uma empresa pode abusar de você, porque sabe que, por pior que seja a situação que ela criou para você, seria necessário lidar com coisa ainda pior se você decidisse sair.
Acho que é isso que está matando os gigantes das redes sociais.
Todo serviço de redes sociais tem custos (trolls, monitoramento, publicidade, risco de roubo de identidade etc) e benefícios (comunidade, comércio, família). Enquanto os benefícios superarem os custos, você provavelmente vai se manter ali.
Quando os benefícios superam os custos, os economistas chamam isso de “excedente”. O excedente é a diferença entre o valor que você obtém no uso de um serviço e os custos cobrados pela utilização contínua desse serviço.
As empresas que não precisam se preocupar com a saída dos usuários — pelos altos custos de mudança ou falta de concorrência — podem se apropriar desse excedente. Elas podem pagar menos moderadores para combater o assédio, espionar mais os usuários, ou colocar mais anúncios no feed.
Uma vez que elas tomaram de você esse excedente, podem alocá-lo para os anunciantes que usam as plataformas — cobrar menos para fazerem propaganda, dificultar que você pule os anúncios, e assim por diante. Isso gera faturamento, que aumenta o preço das ações, e atrai mais anunciantes.
Mas, se pudesse escolher, a empresa preferiria que todo o excedente fosse diretamente para o próprio balanço. Uma vez que você esteja aprisionado, e os anunciantes também, as empresas podem também se apropriar do excedente desses anunciantes. Por exemplo, elas podem criar seus próprios produtos, que competem diretamente com aqueles que os anunciantes oferecem, ou podem manipular o mercado publicitário (como fizeram Google e Facebook quando colaboraram ilegalmente em um projeto secreto chamado “Jedi Blue”).
Quanto mais altos os custos de mudança, mais as empresas de mídia social podem se apropriar do excedente — isto é, mais elas podem piorar as coisas para anunciantes e usuários.
Foi o que aconteceu com MySpace, Bebo, Friendster e outros cadáveres no cemitério das redes sociais: elas deixaram as coisas piores para usuários e anunciantes, e com isso, sair passou a incomodar menos, ou seja, os custos de mudança ficaram mais baixos.
Quando as pessoas e as empresas começaram a sair das gigantes das redes sociais, entraram em cena os efeitos de rede inversos: as pessoas com quem você interagia no MySpace, que te mantinham lá, não estão mais, e sem elas, todos os abusos que o MySpace estava praticando já não valiam a pena, e aí você também saiu. Quando você saiu, isso também foi motivo para mais alguém sair. As mesmas forças que levaram ao crescimento rápido também levaram ao rápido colapso.
As redes sociais que estão indo pelo ralo atualmente têm um longo histórico. Elas descobriram como usar o direito (propriedade intelectual, patentes, termos de serviço, contratos) para deixar muito, muito mais difícil para as concorrentes iniciantes oferecerem uma forma de sair tranquilamente dos sistemas. E porque havia tantas pessoas que importavam para nós presas dentro delas, e porque tinha ficado tão difícil sair, elas podiam nos tratar como lixo sem risco de nos perder. Elas cortaram o excedente até o osso.
E aí… Coisas aconteceram. Mark Zuckerberg começou a ficar preocupado com a perda de usuários e decidiu que íamos todos viver como desenhos animados sem pernas, de baixa resolução, em um metaverso que ninguém queria usar, nem os funcionários do Facebook que o criaram. O Twitter foi comprado por um bilionário com déficit de atenção e superávit de autoconfiança, que começou a puxar os blocos como num jogo de Torremoto para ver se o sistema iria ruir, e quando ruiu, fomos todos esmagados pelos blocos que caíram.
Esses serviços já tinham sido reduzidos até um ponto em que a maioria de nós estava a um fio de cabelo de sair, porque todo o excedente já havia sido transferido de nós e dos usuários comerciais para as empresas proprietárias.
Quando as coisas começaram a ficar um pouco piores, anunciantes e usuários começaram a sair, e Facebook e Twitter começaram a tomar o caminho de MySpace e Orkut.
Descansem em paz.
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