Zuckerberg anunciou mudanças nas políticas da Meta.

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Meta não vai mais checar fatos, e esse é o menor dos problemas

Anúncio de Mark Zuckerberg sobre mudanças no controle de desinformação da Meta deixa perguntas sobre influência política das redes sociais.

Zuckerberg anunciou mudanças nas políticas da Meta.

Em um ato de vergonhosa genuflexão perante o iminente governo Trump, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, anunciou na terça-feira que suas redes sociais — que incluem o Facebook e o Instagram — abandonarão as parcerias de checagem de dados, que serão substituídas pelo modelo de “notas da comunidade”, como já existe no X. 

Não há muita dúvida sobre a quem a Meta pretende agradar com essas mudanças: Donald Trump e seu movimento político de extrema-direita.

Em uma mensagem de vídeo explicando seu anúncio, Zuckerberg enquadrou as novas políticas no léxico da “liberdade de expressão” contra a “censura”, ecoando as alegações da extrema direita de que os verificadores independentes das plataformas teriam uma tendência a “viés político”.

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O fim do programa de checagem de fatos foi uma demanda direta de Brendan Carr, indicado por Trump para a presidência da Comissão Federal de Comunicações, e atual integrante da comissão, segundo o site The Verge

Houve também a escolha do cenário: as mudanças foram anunciadas pela primeira vez por Joel Kaplan, diretor de assuntos globais da Meta, em uma entrevista exclusiva ao programa favorito de Trump, “Fox & Friends”. 

A bajulação descarada de Zuckerberg e seus executivos é digna de desprezo, assim como a decisão do magnata da tecnologia, no mês passado, de doar 1 milhão de dólares (6 milhões de reais) para o fundo de posse de Trump.

Zuck é apenas um entre os importantes bilionários do Vale do Silício dispostos a lamber as botas do presidente eleito. Sam Altman, CEO da OpenAI, e Jeff Bezos, da Amazon, também doaram 1 milhão de dólares para o fundo de Trump. E não é preciso nem mencionar a performance ultra-MAGA de Elon Musk. Não há nada de surpreendente nas tramoias dos super ricos quando se trata de alinhamento com o poder.

Os efeitos completos da mudança em suas práticas comerciais para ter menos responsabilidade ainda estão por vir, mas podemos ter certeza de que isso irá contaminar o discurso com mais lixo de direita.

As plataformas da Meta agora devem seguir os passos do X, e cada vez mais inundadas por teorias conspiratórias desgovernadas e consistentemente racistas, e pela proliferação de perfis neonazistas, discurso de ódio, e violência. O próprio Zuckerberg admitiu em seu anúncio que “vamos detectar menos coisas ruins”.

‘Os liberais estadunidenses vêm tratando equivocadamente a ascensão de Trump como um problema de desinformação descontrolada, que poderia ser resolvido com suficiente verificação dos fatos.’

Mas nada disso deveria levar a conclusões equivocadas sobre o valor da checagem de fatos nas redes sociais, ou da própria checagem de fatos, de forma mais ampla, no combate à extrema-direita e ao apelo de sua visão de mundo conspiratória. Já faz uma década que os liberais estadunidenses vêm tratando equivocadamente a ascensão de Trump como um problema de desinformação descontrolada, que poderia ser resolvido com suficiente verificação dos fatos.

Um caso a se examinar é o próprio segundo mandato de Trump: ele conquistou novamente a Casa Branca enquanto despejava mentiras racistas completamente infundadas sobre imigrantes haitianos roubando e comendo animais de estimação, entre outras falsidades — mentiras que foram desmascaradas diversas vezes em todos os principais meios de comunicação.

Toda uma indústria artesanal de checagem de fatos propagados por Trump e seus aliados nas notícias e nas redes sociais, que chegou a removê-lo das principais plataformas, não diminuiu seu apoio nem eliminou a perigosa desinformação das câmaras de eco preparadas para recebê-la e disseminá-la.

No entanto, vale a pena examinar o fim da era da checagem de fatos, porque ela anuncia outro fracasso liberal, e há pouco a se oferecer em termos de alternativas. É apenas mais uma capitulação na batalha contra o fascismo. Os liberais americanos, no fim das contas, nunca foram realmente a “resistência” que fingiam ser.

Chega a ser ridícula a ideia de que Zuckerberg esteja agindo com base em um compromisso renovado com a “liberdade de expressão”, em um momento tão conveniente, e o melhor que fazemos é presumir cada vez mais conivência com os caprichos de Trump e do Partido Republicano.

A Indústria da Checagem de Fatos

O Facebook apresentou seu programa de checagem de fatos independente em 2016, após a primeira vitória eleitoral de Trump. O sistema contava com 90 organizações em todo o mundo para lidar com a “desinformação viral”.

Em 2021, em resposta ao papel de Trump no ataque contra o Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro, a Meta baniu o então presidente de suas plataformas. Naquelas época, mais de 800 grupos da conspiração QAnon foram removidos do Facebook. A censura nas redes sociais se transformou em uma das polêmicas favoritas de Trump e sua extrema-direita movida a indignação.

‘A direita conseguiu criar uma narrativa vitimista sobre a moderação de conteúdo.’

Mas nada na pauta da extrema direita dizia respeito à liberdade de expressão para todos. Basta pensar, por exemplo, que na mesma época a direita estava defendendo a proibição de alguns livros em escolas. Eles não deram nem um pio quando uma matéria do Intercept, em 2020, mostrou que dezenas de grupos de esquerda e antifascistas também haviam sido banidos do Facebook. E a Meta vem praticando em suas plataformas o que foi chamado pela organização Human Rights Watch de censura “sistemática e global” de conteúdo palestino ou solidário aos palestinos.

Apesar de tudo isso, a direita conseguiu criar uma narrativa vitimista sobre a moderação de conteúdo. 

Eis que chega Zuckerberg, com a completa falta de sutileza de seu anúncio. Essas novas políticas claramente não têm o objetivo de favorecer a esquerda política ou os usuários pró-Palestina censurados. “Vamos remover uma série de restrições sobre temas como imigração, identidade de gênero e gênero, que são objeto frequente de discursos e debates políticos”, disse o CEO da Meta, dando um recado pouco discreto de que o ódio contra pessoas trans e imigrantes passará a enfrentar menos obstáculos.

Usando a história como referência, é quase impossível imaginar que o discurso pró-Palestina, assim como o discurso em favor da justiça ambiental, racial e de gênero, não enfrentem policiamento durante o governo Trump. O Congresso controlado pelos republicanos já está a postos para enquadrar esse tipo de ativismo como terrorismo.

Destruindo Frases de Efeito

Às vésperas do segundo mandato de Trump, as frases de efeito dos liberais estadunidenses, como dizer a verdade ao poder, estão mais do que ultrapassadas. Quando a Meta imita a abordagem permissiva do X em relação ao alarmismo de direita, não se trata de um desdobramento favorável, assim como também não é favorável a perda do financiamento que organizações jornalísticas e de pesquisa recebiam pela parceria com a Meta para verificar fatos. Ainda assim, a checagem de fatos nunca nos libertaria do contexto político em que a propaganda de extrema-direita prospera: um contexto de alienação, austeridade, desigualdade e medo. 

‘A checagem de fatos nunca nos libertaria do contexto político em que a propaganda de extrema-direita prospera.’

Não sou a primeira a apontar que as narrativas sobre a atual calamidade de desinformação, em grande parte divulgadas por meios de comunicação tradicionais, temerosos pela perda de sua autoridade, não explicam por que certas mentiras e conspirações conseguem atingir parcelas enormes, mas específicas, da população.

A desinformação, porém, tem sido uma narrativa conveniente para o establishment do Partido Democrata, que não está disposto a reconhecer seu próprio papel na manutenção de narrativas contra imigrantes, na repetição do alarmismo infundado sobre as taxas de criminalidade, ou na falta de apoio à classe trabalhadora multirracial.

Em um ensaio que questiona narrativas conhecidas sobre a “indústria da desinformação”, Joe Bernstein conta que as publicações sinalizadas como falsas pelo Facebook só tiveram o compartilhamento reduzido em 8% — mostrando como esse rótulo não impede que a informação se dissemine. Bernstein observa que a narrativa da desinformação pôde ser usada em benefício das gigantes da tecnologia, uma vez que sua premissa original — de que o conteúdo das redes sociais tem uma capacidade quase onipotente de convencer e persuadir os usuários — é útil para convencer os anunciantes. Mas ela também é, em grande parte, infundada.

O poder de persuasão das publicações em redes sociais vem sendo exagerado, enquanto os contextos políticos e socioeconômicos em que as conspirações proliferam vem sendo significativamente subestimado nos discursos sobre a desinformação. O QAnon tem um apelo desproporcionalmente grande entre os evangélicos, por exemplo, e o negacionismo da COVID ganhou espaço em decorrência das experiências que formam a opinião dos estadunidenses sobre as autoridades de saúde pública. “Não há nada magicamente persuasivo nas plataformas das redes sociais”, escreve Bernstein.

Os pregos já estão todos no caixão, e ele já foi até enterrado: está morta há muito tempo a ideia de que redes sociais como X e Instagram seriam editores de notícias confiáveis, sites para a construção libertadora de comunidades, ou pontos de convergência da democracia digital. Em vez disso, é preciso pensar na internet como um espaço movido exatamente pelas motivações das pessoas que detêm essas plataformas, e lucram com elas.

“A internet já foi considerada um recurso comum de informação, mas isso já faz muito tempo”, escreveu Rob Horning, teórico de mídias, em uma newsletter recente. “Agora, o principal objetivo da internet é manter seus usuários sob vigilância, para que ninguém faça nada sem gerar dados, e para garantir que paywalls, taxas, e outros tipos de cobrança por uso possam ser extraída por informações que podem ter parecido gratuitas, mas talvez não quisessem ser.”

As redes sociais são enormes corporações para as quais nós, usuários, produzimos dados que podem ser extraídos como commodities e vendidos aos anunciantes — e e aos órgãos do governo. Os CEOs dessas empresas são gananciosos e estão sedentos pelo poder. 

Não nos esqueçamos que Zuckerberg ainda está enfrentando um processo concorrencial, na Comissão Federal de Comércio, sob a alegação de que a Meta teria comprado o Instagram e o WhatsApp para aniquilar a concorrência. Para a sorte dele, Trump gosta de quem lambe suas botas. 

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