O presidente Donald Trump tomou posse da presidência no dia 20 de janeiro, e os think tanks dos EUA não pouparam esforços para expor sua lista de pedidos. As indicações promovem mais gastos militares e também os interesses dos doadores aos think tanks.
O Atlantic Council, um dos maiores think tanks, lançou um relatório chamado “Oito grandes ideias para o segundo governo Trump”. A primeira sugestão do texto é que Trump aprove um novo pacote de armas dos EUA para a Ucrânia.
“Isso poderia ser um empréstimo, mas deve incluir armas avançadas — certamente Army Tactical Missile Systems, os ATACMs, de longo alcance e caças F-16, mas talvez mais…” escreveu John Herbst, diretor sênior do Eurasia Center do Atlantic Council.
Lockheed Martin e General Dynamics, os fabricantes desses sistemas, contribuíram com US$ 600 mil e US$ 50 mil, respectivamente, para o think tank nos últimos cinco anos. Se Trump aceitar essa indicação, isso sem dúvida seria uma bênção para esses financiadores.
Esses think tanks se apresentam como institutos de pesquisa objetivos, imparciais. O Atlantic Council, por exemplo, diz que tem uma política de “estrita independência intelectual para todos os seus projetos e publicações.”
Contudo, uma nova investigação e o banco de dados do Quincy Institute, do qual sou co-autor, indicam que essas instituições podem não ser tão livres de influência externa quanto afirmam ser. Os think tanks dependem do financiamento de corporações privadas e fontes governamentais. Empresas militares doaram mais de US$ 35 milhões para os 50 maiores think tanks de política externa nos últimos cinco anos.
Esse financiamento importa porque os think tanks têm um papel grande no processo de política externa nos EUA. Os especialistas dos think tanks concedem entrevistas para jornalistas, aconselham o governo e dão testemunho ao Congresso.
E os efeitos dessa influência ultrapassam as fronteiras dos EUA. Por exemplo, foi um think tank que arquitetou muito do planejamento da guerra do Iraque. Já na América Latina, o Atlantic Council e o Wilson Center exerceram influência no processo de privatização do setor petrolífero brasileiro.
Outra proposta do Atlantic Council para o Trump foi a criação de um “Iron Dome for America”, uma rede de defesa antimísseis — uma promessa que o próprio Trump fez durante sua campanha eleitoral. Contudo, dois especialistas do Atlantic Council sugeriram que Trump começasse a financianciar programas como o Ground-Based Interceptor, feito pela Boeing e RTX, Standard Missile-3 Block IIA, da RTX, e Terminal High Altitude Area Defense, da Lockheed Martin.
Nos últimos cinco anos, o Atlantic Council recebeu ao menos US$ 600 mil da Lockheed Martin, US$ 750 mil da RTX e US$ 40 mil da Boeing. As dificuldades em criar uma rede antimísseis — incluindo o sistema proposto não ser eficaz contra mísseis de longo alcance e a estimativa de custar US$ 2,5 trilhões para cobrir efetivamente todo o país — não foram mencionadas. Também não citaram o financiamento que receberam da indústria bélica.
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O Hudson Institute também defendeu com afinco a ideia de um novo sistema de defesa antimísseis, publicando um artigo intitulado “Trump está certo sobre um escudo antimísseis ‘Iron Dome’ para a pátria dos EUA”. O Hudson Institute recebeu mais de US$ 2,2 milhões das 100 maiores empresas militares nos últimos cinco anos, incluindo pelo menos US$ 450 mil das principais empresas de defesa antimísseis Lockheed Martin e Northrop Grumman.
O Center for a New American Security, o CNAS, um think tank fundado por autoridades de segurança nacional próximas ao Partido Democrata, também lançou seu próprio planejamento para o governo Trump. O relatório argumentou que a nova gestão do republicano deveria começar investindo em “armas grandes” e “implantando sistemas autônomos de baixo custo” para deter a China. O CNAS recebeu, pelo menos, US$ 6,6 milhões da indústria de defesa desde 2019.
As empresas militares são apenas algumas das muitas corporações e fontes governamentais que doam generosamente para think tanks. Empresas petrolíferas, tecnológicas, e o próprio governo estado-unidense também são doadores relevantes. O Departamento de Defesa, especialmente, contribui de maneira generosa, tendo doado US$ 780 milhões para think tanks nos últimos cinco anos. A grande maioria desse dinheiro vai para a RAND Corporation, um think tank criado pelo próprio governo dos EUA na década de 1950 e que opera vários centros de pesquisa patrocinados pelo Departamento de Defesa.
Esse tipo de dependência do financiamento da indústria bélica pode causar autocensura ou até censura externa mesmo. Como Kjølv Egeland and Benoît Pelópidas, autores de uma pesquisa sobre think tanks, explicaram: “muitos especialistas de think tanks se apresentam como especialistas com total liberdade acadêmica — o que não é absolutamente o caso”. Afinal, quem morderia a mão que o alimenta?
Em 2014, a cofundadora do CNAS, Michèle Flournoy, até admitiu que os fundadores querem comprar influência. “Todo financiador tem intenção. Eles lhe dão dinheiro por um motivo. E o que você tem que garantir ao administrar um think tank é que esse viés não se infiltre ou restrinja a sua análise”, disse ela em uma apresentação para a Fletcher School.
Porém, as empresas militares financiando o CNAS não são mantidas à distância. Em vez disso, são convidadas a ajudar na produção de análises. Em setembro, o CNAS publicou um relatório sobre inovação militar. Executivos de corporações militares como Lockheed Martin, Palantir, Leidos, Booz Allen serviram como parte da força-tarefa para o relatório.
Todas essas empresas também são doadoras dos think tanks, sendo que cada uma doou pelo menos US$ 175 mil nos últimos cinco anos. Sem surpresa alguma, o relatório recomendou um “financiamento mais consistente” voltado para a inovação em defesa, financiamento que, sem dúvida, vai para os bolsos desses doadores.
Resta saber se a administração Trump seguirá o conselho dos think tanks. Trump tem sido leve em detalhes sobre sua visão de “Paz através da Força”, mas indicou que é a favor do aumento dos gastos com defesa. No mínimo, ele deveria reconhecer que as recomendações apresentadas pelos think tanks de Washington vêm com um asterisco: “este testemunho foi pago pela indústria bélica”.
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