Donald Trump reforçou discurso estridente contra países latino-americanos feito durante sua campanha (Crédito: Fotos Públicas)

APOIE O JORNALISMO INDEPENDENTE!

O Intercept revela os segredos dos mais poderosos do Brasil.

Você vai fazer sua parte para que nosso jornalismo independente não pare?

Garanta que esse trabalho continue. Faça uma doação de R$ 20 hoje!

QUERO DOAR

APOIE O JORNALISMO INDEPENDENTE!

O Intercept revela os segredos dos mais poderosos do Brasil.

Você vai fazer sua parte para que nosso jornalismo independente não pare?

Garanta que esse trabalho continue. Faça uma doação de R$ 20 hoje!

QUERO DOAR

EUA não precisa do Brasil? Trump blefa para tentar reaproximação

Brasil é líder geopolítico regional que presidente americano não pode ignorar, a não ser que queira beneficiar sua arquirrival, a China. 

Donald Trump reforçou discurso estridente contra países latino-americanos feito durante sua campanha (Crédito: Fotos Públicas)

“Não precisamos deles.” Foi assim que Donald Trump descreveu a relação entre os Estados Unidos e a América Latina, incluindo o Brasil, em uma das primeiras declarações dadas após reassumir a presidência norte-americana, no último dia 20.

Trump estava sentado à sua mesa no salão oval da Casa Branca assinando os primeiros decretos de sua nova gestão. Foi questionado pela repórter da TV Globo Raquel Krähenbühl sobre as expectativas que ele tem para a região. Respondeu reforçando os discursos estridentes feitos contra países latino-americanos durante sua campanha eleitoral.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

“Eles precisam de nós muito mais do que nós precisamos deles. Todos precisam de nós”, prosseguiu, com um ar de desdém sobre o Brasil.

Para estudiosos brasileiros, no entanto, é quase consensual que o suposto desprezo de Trump sobre o Brasil e sua economia não passa de um “blefe”. Trump sabe que o Brasil é um parceiro comercial importante para os EUA. Sabe também que um afastamento dos EUA, na verdade, só abria espaço para o atual arquirrival americano: a China.

“Quem desdenha quer comprar”, resume Williams Gonçalves, professor titular de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a UERJ.

“Quando o Trump diz que não precisa do Brasil, ele blefa. Ele está dizendo nesta frase que precisa muito do Brasil”, concorda Juliane Furno, economista e professora de Economia também da UERJ. “Ele ‘late’ para nos deixar com medo e nos fazer aceitar sem ‘latir de volta’ os seus termos.”

O que Trump quer?

Furno explica que o Brasil é um líder geopolítico regional. Segundo ela, durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, do PT, o país tentou construir uma política externa mais independente dos interesses dos EUA. 

Essa política passa hoje pelo fortalecimento do grupo dos Brics – que começou com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas hoje conta com 11 países – e pelo desincentivo ao uso do dólar como a única moeda global para transações internacionais.

Isso reduziu o poder dos EUA sobre o chamado Sul Global. O imperialismo americano dominante nas últimas décadas tem “perdido tração”, segundo Furno. Trump voltou à Casa Branca justamente prometendo que a influência norte-americana no mundo seja novamente grande – ou seja, em tradução livre, como diz seu slogan: great again.

LEIA TAMBÉM:

Mas Trump sabe que o mundo mudou. Pressões exageradas ou, em último caso, ameaças de sanções não trariam o Brasil para perto. Causariam, na verdade, um afastamento ainda maior entre Brasil e EUA. E a grande beneficiada disso seria a China.

“Seria um suicídio político para os EUA sancionarem o Brasil, principalmente em período de disputas com China e Rússia. Isso iria nos jogar no colo dos chineses”, afirma Furno, que diz que Trump ainda almeja um alinhamento completo do Brasil – algo que atualmente é cada vez mais difícil de se concretizar.

“Trump está sempre negociando”, acrescenta Gonçalves. “Ele tem um estilo de negociar. Escreveu um livro sobre isso, A Arte da Negociação. Fala grosso, deprecia e depois tenta negociar em condições mais vantajosas.”

Para Gonçalves, Trump usa ameaças econômicas com fins políticos. O professor lembra que o Brasil é um país muito influente. Logo, o presidente dos EUA  não pode abrir mão dos canais de comunicação com brasileiros para não perder terreno.

China estreitou laços com a América Latina

EUA e China travam hoje uma disputa pela hegemonia mundial que é o principal foco de tensão política, econômica e até militar no mundo atual. Este, sim, é o foco de Trump.

Nas últimas décadas, a China cresceu mais, ocupou vácuos deixados pela derrocada da União Soviética e consolidou-se como uma potência. Tornou-se uma grande parceria comercial de países latino-americanos. 

A China assumiu, inclusive, lugares que historicamente eram dos EUA. Em 2009, por exemplo, ultrapassou os EUA e virou o país que mais negocia com o Brasil. 

Para Neusa Maria Pereira Bojikian, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos, um abalo nas relações entre Brasil e EUA só reforçaria a liderança chinesa por aqui. Por isso, ela não acredita que o presidente americano realmente despreza o Brasil e seus vizinhos.

“A China tem investido muito aqui e tem todo interesse em continuar”, alerta. “Acho que a Chevron e a Exxonmobil [duas das maiores petroleiras do mundo] não gostariam de perder espaço nos negócios que têm aqui para os chineses. Será que Trump quer isso?”, questiona.

Segundo a Câmara Americana de Comércio para o Brasil, a Amcham Brasil, além da Chevron e da Exxonmobil, outras 3,9 mil empresas americanas têm negócios no Brasil. O dado é de 2020. Em 2010, eram 2,9 mil.

Em 2020, os EUA tinham US$ 357 bilhões investidos no Brasil. Isso coloca os EUA na liderança do ranking de investimentos externos no Brasil, com cerca de 34% de todo capital aplicado no país.

De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, o investimento americano no Brasil segue crescendo. Em 2022, a alta foi de 20%, impulsionado principalmente por aportes no setor de informação e telecomunicações, indústria e projetos imobiliários. 

Parceria entre Brasil e EUA inclui petróleo, aviões e café 

Bojikian acrescentou ainda que, por mais que Trump não queira admitir, os EUA precisam, sim, do Brasil. O país é 9º o que mais importa dos EUA, e o 18º país que mais exporta para lá. Só em 2024, o Brasil comprou US$ 40,5 bilhões e vendeu US$ 40,3 bilhões – ou seja, os EUA é quem mais ganham com o comércio bilateral.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o Mdic, o Brasil vende para os EUA principalmente petróleo, ferro ou aço, aviões fabricados pela Embraer e café torrado, além de commodities agrícolas.

A economista Diana Chaib, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, disse que esses produtos são importantes para a economia americana e a segurança alimentar do país.

“O Brasil dá estabilidade ao mercado mundial de alimentos e é uma ferramenta importante para controlar a inflação nos EUA”, afirmou ela.

“A declaração de Trump é retórica e que faz parte da maneira dele de fazer política”

José Luis Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília, destacou que ignorar esse papel seria uma “arrogância e burrice inacreditável” de Trump. “O Brasil é um mercado para produtos manufaturados norte-americanos”, completou.

Motores e máquinas, por exemplo, são os principais produtos de exportação americanos ao Brasil, também segundo o Mdic. Bruno de Conti, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, cita também a importância dos remédios nas vendas dos EUA para o Brasil. 

Neste ponto, aliás, Conti diz que Trump tem certa razão no que diz. Segundo o professor, é mais fácil para os EUA arrumar um outro fornecedor de petróleo e café do que o Brasil arrumar alguém que lhe venda remédios sem impactos para sua economia.

Para Conti, no entanto, é um exagero de Trump dizer que não precisa da América Latina e do Brasil. “O Brasil segue, sim, sendo importante para os EUA por questões não só econômicas, mas também geopolíticas. Eu tenho certeza que não é de interesse nenhum para os EUA ter no Brasil um inimigo”, afirmou. 

“A declaração de Trump é retórica e que faz parte da maneira dele de fazer política”, finalizou o economista.

JÁ ESTÁ ACONTECENDO

Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.

A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.

Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.

A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, dependemos do apoio de nossos leitores.

Você está pronto para combater a máquina bilionária da extrema direita ao nosso lado? Faça uma doação hoje mesmo.

Apoie o Intercept Hoje

Entre em contato

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar