Diretora de inteligência de Bolsonaro propôs compra de reconhecimento facial pouco antes da tentativa de golpe

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Diretora de inteligência de Bolsonaro propôs compra de reconhecimento facial pouco antes da tentativa de golpe

Comparsa de Anderson Torres nas blitzes contra eleitores do PT e denunciada pela PGR, Marília Alencar idealizou a compra de software proibido em vários países — que foi efetivada no governo Lula.

Diretora de inteligência de Bolsonaro propôs compra de reconhecimento facial pouco antes da tentativa de golpe

Uma integrante do alto escalão do governo de Jair Bolsonaro, indiciada e denunciada por envolvimento na tentativa de golpe, foi a autora da proposta inicial que resultou na aquisição do software Clearview, uma tecnologia controversa de reconhecimento facial que já foi proibida em vários países europeus.

Diretora de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas, a Seopi, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, a delegada da Polícia Federal Marília Alencar assinou, em agosto de 2022, o “documento de oficialização de demanda” por uma tecnologia de reconhecimento facial com busca em fontes abertas, a base para a compra do Clearview.

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Dois meses depois, ela auxiliou o então ministro da Justiça, Anderson Torres, na elaboração de um plano para bloquear rodovias em regiões com maior concentração de eleitores do PT durante o segundo turno das eleições presidenciais, em 31 de outubro. A informação consta na denúncia da Procuradoria Geral da República e em relatórios da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe bolsonarista.

A Seopi foi um órgão central na estrutura de vigilância de Bolsonaro. O órgão encabeçou uma série de iniciativas de monitoramento de inimigos políticos, como o dossiê antifascista, que listava opositores do governo, e os sistemas Córtex e Excel, que vigiam localizações e celulares e são questionados por violação de privacidade. 

Como revelado pelo Intercept Brasil, a compra do Clearview pelo ministério foi finalizada já sob a gestão de Lula. Ela visava integrar o Projeto Excel. 

Alencar entrou na mira da Polícia Federal nas investigações sobre as blitzes ilegais no dia do segundo turno nas eleições de 2022. A PF encontrou no celular dela um relatório com as cidades onde Lula teve mais de 75% de votos no primeiro turno. 

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Também havia uma mensagem da delegada enviada logo após a confecção do relatório: “eu tô em reunião séria do Excel no GAB”, que as investigações interpretaram como uma referência às planilhas de votação e ao gabinete do ministro, mas poderia se referir também a uma reunião do Projeto Excel, liderado pela Seopi.

Segundo as investigações, Alencar usou a estrutura da Seopi para confeccionar um boletim de inteligência que mapeou os municípios mais lulistas. O relatório foi entregue diretamente para Anderson Torres e serviu como base para as blitzes ilegais na votação em segundo turno.

Em 31 de outubro de 2022, quando foi realizado o segundo turno, a Polícia Rodoviária Federal realizou um policiamento direcionado na região Nordeste, onde há predominância de eleitores do então candidato Lula, que enfrentava Bolsonaro nas urnas. 

A delegada não só cumpria ordens, como tinha envolvimento ideológico com a tentativa de impedir que eleitores de Lula votassem. Segundo a denúncia feita pela Procuradoria Geral da República, ela atuou diretamente na confecção do planejamento das blitzes ilegais e coordenou o trabalho em um grupo de WhatsApp chamado “Em Off”, que tinha a participação de servidores. 

“Belford roxo o prefeito é vermelho precisa reforçar pf. (…). Menos 25.000 votos no nove”, escreveu em uma mensagem no grupo, fazendo referência ao candidato do PT.

‘Apenas o de Lula’

O servidor Clebson Vieira, que na época era subordinado a Alencar e também assinou o documento de solicitação do software, foi um dos responsáveis por elaborar diretamente a planilha que orientou as blitzes da PRF. Ele chegou a ser citado pela PF, mas não foi indiciado ou denunciado, entrando apenas no rol de testemunhas.

“Chegou uma hora que foi solicitado diretamente pela delegada Marília, que fosse impresso [o mapa de votação] acerca de um candidato, qual seja o candidato Lula. Ela requereu que fosse impresso apenas o de Lula”, disse ele, em depoimento para a PF. 

Mapa indicou municípios em que Lula fez mais de 75% dos votos no 1º turno (Foto: Reprodução)

A Polícia Federal indiciou Alencar em agosto do ano passado, no mesmo inquérito que investigou as blitzes eleitorais, no qual também foram indiciados Anderson Torres e o ex-diretor da PRF Silvinei Vasques. Todos foram denunciados pela PGR, junto do ex-presidente Bolsonaro e outros aliados, na noite de terça-feira, 18.

Silêncio após revelação

A delegada Marília Alencar nunca foi escrutinada de forma pública sobre as blitzes contra o PT no segundo turno das eleições. Ela não compareceu para a convocação da CPMI do Congresso sobre os atos golpistas porque ganhou autorização do ministro do STF Nunes Marques para faltar à sessão.

Ela até chegou a ser ouvida na CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Distrital, que é o legislativo do Distrito Federal, mas, na época, ainda não havia sido descoberto o mapa das eleições em seu celular. Segundo a CNN, Alencar inclusive apagou o mapa do aparelho, mas ele foi recuperado pela Polícia Federal. 

Em 2023, já fora do Ministério da Justiça, Alencar foi nomeada subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal por Anderson Torres, que havia assumido o cargo de secretário. Ela foi investigada por sua possível participação na facilitação dos atos golpistas de 8 de janeiro em Brasília, mas o inquérito foi arquivado.

Procurada, a defesa de Marília Alencar afirmou que não iria se manifestar. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública também foi contatado, mas não retornou até a publicação desta reportagem.

Atualização: 19 de fevereiro de 2025, 14h38

O texto foi atualizado para incluir o posicionamento da defesa de Alencar.

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