O Supremo Tribunal Federal julgará, em breve, a responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro na tentativa de um golpe de estado após as eleições de 2022. O julgamento, que deve ocorrer ainda em 2025, pode ter consequências históricas para a democracia brasileira.
Para o professor de Direito Constitucional Emilio Peluso, da Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, a missão do STF neste caso se assemelha à da Corte Constitucional alemã no pós-guerra. Na época, o tribunal teve um papel crucial na defesa da democracia contra resquícios do regime nazista.
A Alemanha adotou, a partir de 1949, um modelo em que sua Constituição impõe barreiras para evitar ameaças institucionais. Decisões da corte alemã foram fundamentais para impedir a ascensão de grupos extremistas. Segundo Meyer, o STF enfrenta desafio semelhante ao lidar com uma tentativa de golpe de estado.
A comparação não significa que o Brasil viva um cenário idêntico ao da Alemanha do pós-guerra, mas sim que há paralelos no papel do judiciário em proteger a democracia de ataques internos. “O Supremo precisa demonstrar que a ordem constitucional não é negociável”, afirma o professor.
Um exemplo emblemático citado por ele é a decisão de 1952 da Corte Constitucional alemã, que baniu o Partido Socialista do Reich, de orientação neonazista, impedindo sua atuação antes que pudesse ganhar força política. Além da proibição de partidos extremistas, o tribunal estabeleceu princípios que reforçam a proteção da democracia em diferentes frentes.
Segundo Peluso, o paralelo com o caso brasileiro se dá na necessidade de o STF reafirmar, diante da tentativa de golpe de 2022, que a democracia não pode ser relativizada. Assim como na Alemanha, onde o tribunal não hesitou em impor limites a forças políticas que ameaçavam a estabilidade democrática, o Supremo agora tem a missão de demonstrar que ações contra a ordem constitucional terão consequências.
Em entrevista ao Intercept Brasil, Emilio Peluso Neder Meyer analisa a dimensão histórica do julgamento e a escolha do foro – já que a decisão sobre Bolsonaro ocorrerá na Primeira Turma do STF, o que tem gerado controvérsias.
Alguns ministros defendem que um julgamento de tamanha relevância deveria ser realizado pelo plenário do STF, mas a estratégia de Alexandre de Moraes parece ser garantir um julgamento mais célere e evitar possíveis impasses políticos.
Leia a entrevista completa:
Intercept Brasil – O julgamento de Bolsonaro será na Primeira Turma do STF. Há quem defenda que ele deveria ser julgado pelo plenário. Qual é sua avaliação?
Emilio Peluso – O caso deve ser julgado pela Primeira Turma do Supremo, um encaminhamento que já está sendo direcionado pelo ministro Alexandre de Moraes. Ocorre que os réus dos atos de 8 de janeiro foram julgados pelo plenário porque suas ações começaram antes de uma mudança regimental no final de 2023.
Já Bolsonaro, por não ser presidente em exercício, entra na nova regra e será julgado pela Primeira Turma. A mudança busca desafogar o plenário e tornar os julgamentos mais ágeis.
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Alguns ministros já demonstraram insatisfação com essa decisão – e querem levar o caso ao plenário.
Sim, já há notícias indicando reclamação por parte de ministros como Nunes Marques e André Mendonça, que argumentam que um caso dessa magnitude deveria ser julgado pelo plenário. No entanto, não há razão jurídica para isso.
O Supremo pode decidir submeter casos ao plenário dependendo da repercussão, mas a estratégia do ministro Alexandre de Moraes parece ser evitar um prolongamento ainda maior do processo e garantir um julgamento mais certeiro na Primeira Turma, onde a composição tende a indicar uma condenação.
Historicamente, há algum julgamento semelhante a esse no Brasil?
Temos uma série de variáveis a considerar. Em termos de repercussão política, quando tivemos o julgamento do Mensalão, o que pudemos perceber foi um movimento próximo de autoridades muito ligadas ao presidente em exercício da República.
Isso gerou um impacto muito grande, com discussões sobre a necessidade de se lidar de forma mais severa com a corrupção, atraindo uma atenção da mídia que transformou o Supremo Tribunal Federal. Depois, os julgamentos relacionados a recursos e questões envolvidas no processo da Lava Jato também direcionaram toda a atenção para o Supremo.
Mas acho que, de fato, este caso é ainda mais significativo. Digo isso em termos de repercussão política, pois trata-se de um ex-presidente da República com um capital político ainda muito relevante. Lembremos que ele obteve um número expressivo de votos no primeiro e no segundo turno das eleições de 2022 e mantém um apoio popular importante, não apenas de setores conservadores, mas também de outras camadas da população que veem com certa desconfiança a atuação do PT e do governo Lula, que enfrenta baixa popularidade. Portanto, o resultado desse julgamento tem uma dimensão política crucial.
O discurso de anistia reaparece agora, mas há fortes indícios de que o desfecho será diferente.
Agora, em termos de impacto histórico, é quase incomparável. Não encontramos outra situação em que tenha havido uma discussão sobre defesa da ordem democrática e condenação de pessoas envolvidas em planos de golpe para assegurar a proteção da ordem constitucional de forma tão incisiva como neste caso.
Não há precedentes semelhantes no histórico constitucional brasileiro. Nunca houve uma ocasião em que a questão tenha chegado a essa dimensão na principal corte do país, com um impacto político tão grande e a possibilidade de uma condenação por um crime que, historicamente, sempre foi tratado com tentativas de contemporização, anistia ou discursos de pacificação.
Esse discurso reaparece agora, mas, neste caso, há fortes indícios de que o desfecho será diferente. É, portanto, um caso com uma dimensão ímpar, singular, sem comparação no cenário brasileiro.
E se olharmos para outros países?
Há casos importantes na história constitucional, como na Alemanha pós-1949, onde o Tribunal Constitucional foi constantemente pressionado a defender a concepção de democracia instituída pela lei contra o que o regime nazista representou.
Da mesma forma, no caso da Corte Constitucional colombiana, houve um fortalecimento da instituição para evitar a excessiva concentração de poderes no Presidente da República, especialmente quando vetou a possibilidade de um terceiro mandato de maneira decisiva.
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