O denunciado pela PGR Braga Netto, ao centro, em treinamento com militares da Marinha em 2021. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

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Não, as Forças Armadas não salvaram o Brasil da tentativa de golpe de Bolsonaro

Ao contrário do que Defesa, PGR e parte da imprensa alegam, as Forças Armadas se colocaram à serviço do golpismo de Bolsonaro.

O denunciado pela PGR Braga Netto, ao centro, em treinamento com militares da Marinha em 2021. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)


A Procuradoria-Geral da República limpou a barra das Forças Armadas na denúncia sobre a tentativa de golpe ao apontar que a cúpula das forças barrou o movimento golpista e ao tratar o envolvimento de militares como condutas individuais. 

Enquanto o procurador-geral Paulo Gonet afirmou que o “próprio Exército foi vítima da conspirata”, o Ministério da Defesa disse ser importante “distinguir as condutas individuais e a das Forças Armadas”, e o ministro José Múcio pontuou que “a responsabilização correta” se dará “livrando as instituições militares de suspeições equivocadas”.

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Mas ao contrário do que a Defesa e até mesmo a PGR quer que acreditemos, não, as Forças Armadas não salvaram o Brasil da tentativa de golpe de Bolsonaro. Os próprios fatos elencados pela PGR na denúncia deixam evidente que, apesar de comandantes de Exército e Aeronáutica não apoiarem a minuta apresentada por Bolsonaro, a trama golpista teve militares como protagonistas e foi alimentada e tolerada pelas Forças Armadas.

Das 34 pessoas denunciadas pela PGR ao Supremo Tribunal Federal, 19 são militares – isso sem contar os cinco indiciados pela Polícia Federal em novembro de 2024 que ficaram de fora. 

Embora o general Marco Antonio Freire Gomes, então comandante do Exército, e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, na época líder da Aeronáutica, tenham se recusado a apoiar o decreto de Bolsonaro, eles se mantiveram em silêncio por mais de um ano até seus depoimentos aos investigadores sobre a minuta do golpe e sobre a pressão de Bolsonaro para que aderissem.

Ao contrário deles, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, aderiu ao plano golpista em dezembro de 2024. Ele é, inclusive, um dos denunciados pela PGR na terça-feira, 18.

Vale ressaltar, entretanto, que o decreto foi apenas uma das tacadas finais de toda a construção narrativa do golpe que se arrastou por meses. E dessa construção, as Forças Armadas participaram, emprestando o nome e peso da instituição para legitimar o movimento golpista.

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Na avaliação de Rodrigo Lentz, professor de ciência política da Universidade de Brasília, UnB, e conselheiro da Comissão de Anistia, essa responsabilização que foca nos indivíduos e ignora as instituições é resultado do que ele chama de um ‘controle negociado’.

“Parece que, para fazer essa responsabilização da extrema direita, desses militares mais militantes, decidiu-se poupar os militares titubeantes ou ainda os militares que ficaram em cima do muro e que ficaram de fora da denúncia”, analisa Lenz, citando como exemplos Freire Gomes, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-chefe do Comando Militar do Planalto, e Paulo Jorge Fernandes Da Hora, comandante da Guarda Presidencial.

Na avaliação dele, essa responsabilização dos militares “mais à extrema direita” também busca fortalecer internamente os militares liberais do ponto de vista político-ideológico, que vêm sendo chamados de “legalistas”, ou seja, “aqueles que não aderiram e não chegaram nem a ficar em cima do muro”. 

Confira a seguir as ocasiões em que as Forças Armadas, enquanto instituição – e não militares de forma isolada — agiram em favor de interesses golpistas:

Relatório de fiscalização das urnas 

Em 9 de novembro de 2022, o Ministério da Defesa entregou ao Tribunal Superior Eleitoral um relatório técnico de fiscalização das urnas eletrônicas, feito pelas Forças Armadas, que não encontrou indício algum de fraude no processo eleitoral.

Em setembro de 2021, em meio a ataques de Bolsonaro ao processo eleitoral, o então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, convidou as Forças Armadas a integrarem a Comissão de Transparência das Eleições do TSE. Foi no âmbito dessa participação que as Forças Armadas realizaram a auditoria em busca de supostas fraudes que resultou no relatório que depois seria divulgado pelo Ministério da Defesa. 

Mas a própria divulgação do relatório foi arquitetada de modo a semear dúvidas, pois ocorreu somente após o segundo turno, e não em outubro, como estava inicialmente prevista segundo determinação do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes. Segundo a denúncia da PGR, a demora não foi acidental, mas sim “manobra da organização para manter viva a narrativa de fraude no sistema eletrônico de votação”. 

Um dia depois que o relatório foi finalmente entregue sem constatação alguma de fraude, o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, divulgou uma nova nota em que destacou que, embora o relatório não tivesse achado indícios de irregularidades no sistema de votação, ele não havia eliminado a possibilidade de que fraudes pudessem ser cometidas. Conforme a PGR, o objetivo desta manifestação do ministro era “evitar que a mensagem final sobre o processo eleitoral fosse positiva”.

Apesar dessa segunda nota, que serviu para semear dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral, nenhum comandante das Forças Armadas falou publicamente sobre o relatório. Quem ficou encarregado da comunicação foi o então ministro Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. 

A delação premiada do ajudante de ordens Mauro Cid, cujo sigilo foi retirado pelo ministro Alexandre de Moraes na quarta-feira, 19, revelou que a alteração na nota “se deu exclusivamente pela determinação e insistência” do então presidente Jair Bolsonaro, que pressionava o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio, para que fosse demonstrada a existência de supostas fraudes.

Pela Constituição, o presidente da República é o comandante-geral das Forças Armadas, o que torna os comandantes de cada uma das forças submissas a ele. No entanto, a Constituição também estabelece que as Forças Armadas – e, por consequência, aos seus comandantes – “destinam-se à defesa da Pátria”. Por isso, é importante considerar a inação, omissão e complacência dos militares como um desrespeito ao dever de proteger o país.

Golpistas invadem a praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023. (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)
Golpistas invadem a praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023. (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)

Acampamentos golpistas

No dia seguinte à divulgação da nota sobre o relatório de fiscalização, enquanto militantes bolsonaristas pedindo por intervenção militar se acumulavam em quartéis ao redor do Brasil, as Forças Armadas divulgaram uma nota conjunta

Os chefes de Exército, Aeronáutica e Marinha afirmaram que defendiam que a Constituição brasileira estabelece direitos e deveres que devem ser assegurados pelas instituições, incluindo a livre manifestação do pensamento e a liberdade de reunião – ou seja, não contestaram a tentativa do governo Bolsonaro de distorcer a conclusão do relatório que fizeram e indicava não haver qualquer fraude no sistema eleitoral. 

A denúncia da PGR revelou, através de informação obtida na delação de Mauro Cid, que a nota foi, na verdade, uma encomenda de Jair Bolsonaro. O então presidente sabia que “a mensagem seria recebida por seus apoiadores como sinal de aquiescência das Forças Armadas aos acampamentos espalhados pelo país” – o que implica o envolvimento da instituição como um todo no episódio, não apenas de alguns militares. 

A aposta deu certo. Em mensagem enviada ao general Freire Gomes, comandante do Exército, Mauro Cid disse que os organizadores dos movimentos entenderam a carta como um “respaldo das Forças Armadas”. 

Na delação premiada, Cid disse recordar-se de um vídeo em que o General Braga Netto, que concorreu como vice na chapa de Bolsonaro,  conversava com manifestantes em frente ao quartel e dizia “aos mesmos para terem esperança porque ainda não havia terminado e algo iria acontecer”. Segundo Cid, o vídeo indicava que tanto Bolsonaro quanto Braga Netto tinham convicção que as Forças Armadas poderiam ser convencidas a “darem o golpe” e, por isso, incentivaram as mobilizações em frente aos quartéis.  

Reunião golpista na conta do Exército

O Exército custeou a viagem do coronel Bernardo Romão Correa Neto, um dos indiciados pela PGR, para Brasília, durante a qual ele organizou uma reunião de caráter golpista entre militares das Forças Especiais do Exército, os kids pretos, e o ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, conforme revelado pelo Intercept em fevereiro de 2024. 

Oficialmente, de acordo com o Portal da Transparência, Correa Neto esteve na capital federal entre 26 de novembro e 1º de dezembro de 2022 para participar da 347ª Reunião do Alto-Comando do Exército, a RACE –  ainda que o encontro reúna só generais de quatro estrelas e o comandante do Exército. Em resposta ao Intercept, o Exército negou que Correa Neto tenha participado da RACE. 

Segundo as investigações da Polícia Federal que revelaram a trama do golpe, no período em que esteve na capital federal, Correa Neto organizou uma reunião no salão de festas de um bloco residencial da Asa Norte. Nela, foi elaborada uma carta para pressionar o comandante do Exército e outros militares a aderirem ou não se posicionarem contra a tentativa de golpe. Cid esteve presente no encontro.

‘Meu exército’

Desde o início do governo Bolsonaro, militares ocuparam posição de prestígio em Brasília. Quando assumiu, além de Bolsonaro, nove militares ocupavam cargos no primeiro escalão do governo. Um relatório de 2021 do Tribunal de Contas da União mostrou que, sob Bolsonaro, o governo federal mais que dobrou a presença de militares em cargos até então ocupados por civis. 

Ao falar sobre as Forças Armadas, Bolsonaro frequentemente usava a expressão “meu exército” e falava em nome das Forças. Também não restam dúvidas sobre a interferência do ex-presidente nas Forças Armadas: durante seu governo, o presidente fez três trocas no alto comando do Exército, enquanto o habitual é que cada comandante permaneça quatro anos. 

Bolsonaro tentou também realizar uma motociata em apoio à sua figura dentro da sede da Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman, onde ele começou sua carreira militar. Segundo o atual comandante do Exército, o general Tomás Ribeiro Paiva, o ato não ocorreu porque Bolsonaro foi alertado por outros militares de que realizar um ato político dentro de uma academia militar seria inadequado.

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