Já não havia qualquer dúvida de que o movimento golpista que culminou com o 8 de janeiro foi liderado por Jair Bolsonaro. Agora, depois da divulgação das 272 páginas da denúncia da Procuradoria Geral da República e da delação do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, foi jogada a pá de cal sobre as esperanças dos golpistas. A anistia se tornou uma ideia ainda mais delirante.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, fez um trabalho cauteloso, detalhista e cirúrgico. Não há absolutamente nenhuma acusação na denúncia que não esteja calçada por provas devastadoras. Convictos de que seriam bem sucedidos em sua intentona golpista, Bolsonaro e sua gangue deixaram um rastro inesgotável de evidências que facilitaram o trabalho da justiça.
Mesmo assim, os bolsonaristas seguem alimentando a narrativa de que Bolsonaro e sua gangue golpista são vítimas de uma perseguição política e jurídica. Na imprensa, há também quem esteja alimentando a tese dos golpistas. Há uma clara disposição por parte de certos setores em descredibilizar o trabalho da PGR e do STF. Tem sido comum ver veículos importantes da grande imprensa distorcendo fatos, ignorando conceitos básicos da lei e apelando para um malabarismo retórico constrangedor. Parece haver uma campanha para nos fazer crer que estamos diante de uma nova Lava Jato: uma operação política, persecutória e cheia de irregularidades — o que é absolutamente falso.
Sabemos que os fatos são meros detalhes para o bolsonarismo e para o jornalismo vassalo, mas vamos a eles. Uma das principais acusações contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes, é a de que ele teria forçado Mauro Cid a mudar seu depoimento sob ameaça de prisão dele e de seus familiares.
Depois que o ministro tornou públicos os vídeos da oitiva de delação, ficou claro que tudo ocorreu em conformidade com a lei. Mas houve quem preferiu brigar com as imagens e classificou a audiência como uma sessão de “tortura” e “pau de arara do século XXI”, como fez o deputado bolsonarista Marcel Van Hattem, do Novo do Rio Grande do Sul. O fato é que Mauro Cid foi tratado de maneira respeitosa e, em vários momentos, viu-se certa descontração entre os presentes, inclusive por parte do delator.
O clima da audiência foi de cordialidade. Não houve nada parecido com tortura psicológica ou coação. Mesmo assim, o Metrópoles tratou do assunto como o parajornalista Allan dos Santos trataria. Nas redes sociais, o portal ofereceu carniça fresca para a urubuzada golpista ao publicar a seguinte chamada: “Veja vídeo em que Moraes ameaça prender Cid por omissão em acordo. Após a ameaça, Cid mudou a versão e citou a atuação de militares em plano contra o ministro”. No trecho publicado, o que se vê é um juiz avisando ao delator de maneira firme, porém respeitosa, que ele perderá os benefícios da delação premiada caso omita ou minta sobre fatos da investigação, conforme previsto em lei.
Qual é a ameaça que foi feita aqui? A do cumprimento da lei? Ora, Moraes cumpriu sua obrigação de juiz ao explicar ao delator quais seriam as consequências de manter a versão mentirosa. Ele deixou claro que a Polícia Federal havia descoberto contradições e omissões na sua delação. Tratar esse alerta como ameaça é o cúmulo do ridículo e mostra o quão desavergonhada é parte da imprensa.
Políticos e outros panfletos bolsonaristas se mostraram indignados porque Moraes teria ameaçado prender, também, a família de Mauro Cid — o que deixaria a tese da perseguição ainda mais verossímil, revelando os requintes de crueldade da “ditadura do judiciário”. Mas nada disso aconteceu, como fica claro no vídeo. No acordo de delação, um dos benefícios requisitados por Cid em troca de informações era o de que ele e sua família seriam perdoados ou teriam uma pena de prisão de no máximo dois anos. Moraes limitou-se a lembrá-lo de que esse e outro benefícios seriam anulados caso ele continuasse a não cumprir sua parte no acordo. Esse é o contexto. Mauro Cid é o único responsável por trazer seus familiares para essa lama toda.
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A denúncia de Paulo Gonet também foi atacada. Acusaram o procurador de não seguir o que estava no relatório da Polícia Federal, o que é ridículo. A PGR não é obrigada a seguir integralmente as conclusões da PF. O órgão tem autonomia para incluir e excluir elementos levantados pela investigação. Gonet deixou de fora alguns indiciados pela PF e incluiu outros. Apesar das diferenças, a denúncia da PGR está toda baseada nas provas reunidas pela polícia durante a investigação. Os dois documentos estão ancorados no mesmo ponto central: Bolsonaro e seus aliados planejaram a trama golpista para mantê-lo no poder.
Mas a Folha de S. Paulo parece que ficou encafifada e está disposta a apontar supostas contradições entre as conclusões da PGR e da PF. Vejamos essa manchete: “PGR turbina acusação contra Bolsonaro com conclusões que nem mesmo a PF bancou — Investigação mostra clara articulação golpista no final de 2022, mas alguns pontos seguem com frágil comprovação”. A reportagem alega que o relatório final da polícia não fala que Bolsonaro concordou com o plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes, o chamado Punhal Verde Amarelo.
Bom, a PF apurou que o plano foi impresso no Palácio do Planalto e levado ao Palácio da Alvorada no dia em que o ex-presidente se reuniu com o general Mário Fernandes, o mais fervoroso entre os golpistas e o mentor do Punhal Verde Amarelo. Ou seja, o documento foi impresso na impressora do trabalho do Bolsonaro, depois levado para a casa dele no mesmo dia em que se reuniu com idealizador do plano, mas, para a Folha, esses não são elementos suficientes para dizer que ele tinha conhecimento.
“Moraes e Gonet não deixaram pedra sobre pedra”
As investigações mostram ainda que Fernandes estava em posse do plano de assassinatos em dois encontros com Jair Bolsonaro: na tarde de 9 de novembro de 2022, no Palácio da Alvorada, e na noite de 6 de dezembro, no Palácio do Planalto.
A conclusão da PGR baseia-se também em um áudio enviado por Mário Fernandes a Mauro Cid em que ele elogia Bolsonaro por ter “aceitado o nosso assessoramento” e afirma que o ex-presidente lhe deu aval para agir até 31 de dezembro.
“O áudio não deixa dúvidas de que a ação violenta era conhecida e autorizada por Jair Messias Bolsonaro, que esperava a sua execução ainda no mês de dezembro. O grupo planejava agir com a maior brevidade possível, a fim de impedir a assunção do Poder pelo novo governo eleito”, afirmou Gonet da denúncia. Além disso, mensagens trocadas por um grupo de WhatsApp chamado “Acompanhamento” confirmam que a reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto tinha como objetivo executar as ações previstas no plano.
A verdade é que Moraes e Gonet não deixaram pedra sobre pedra. Não há pra onde correr. Os acontecimentos que embasam a denúncia estão todos detalhados, bem amarrados e sustentados por provas avassaladoras. Apesar de não haver margem para contestação, há aqueles que estão empenhados em contestá-los. Que fique aqui o registro histórico de quem tentou passar pano para o golpismo através das manchetes.
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