Jair Bolsonaro vai concorrer em 2026? Vontade ele tem, mas só isso não basta. Inelegível por duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, em 2023, e recém-denunciado pela Procuradoria-Geral da República, a PGR, por tentativa de golpe, o ex-presidente da República precisa de uma combinação improvável de intervenções do Congresso para disputar as eleições — e a anistia, por si só, não é suficiente.
Na prática, a volta de Bolsonaro às eleições passa por dois fatores-chave. O primeiro parecia consolidado: as condenações no Tribunal Superior Eleitoral por abuso de poder no 7 de setembro e por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, que o tornaram inelegível por oito anos. Mas uma mudança na Lei da Ficha Limpa, defendida com força pela extrema direita nas últimas semanas, pode alterar consideravelmente o cenário.
O segundo é uma eventual condenação pelo STF pela tentativa de golpe de estado – o que parece cada vez mais provável. Mesmo assim, nesse caso, uma anistia aprovada no Congresso Nacional poderia salvá-lo. O projeto não precisa de aval do presidente da República e poderia ser promulgado pelo presidente do Senado, o senador Davi Alcolumbre, do Amapá.
Os cenários analisados pelo Intercept Brasil indicam (veja abaixo) que, caso condenado pelo STF, Bolsonaro dificilmente dispute a eleição, pois sua elegibilidade exigiria livrá-lo de três condenações por um órgão colegiado da justiça — uma já basta para se tornar inelegível, prevê a Lei da Ficha Limpa.
A Constituição de 1988 não proíbe que o crime de tentativa de golpe de estado seja anistiado, ou seja, passível de perdão. Mas uma anistia só pode ser concedida para quem foi condenado. Logo, Bolsonaro só poderá ser beneficiado por uma medida como essa após ser punido – e a decisão cabe ao Congresso.
“Não é tão simples assim. Se a anistia beneficiar só o Bolsonaro, por exemplo, o STF pode ser acionado por a lei ferir o princípio da impessoalidade. Se for uma anistia ampla e impessoal, ela pode perdoar todos os condenados pelos mesmos crimes, não só Bolsonaro”, analisa José Ricardo Cunha, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a UERJ. “E, caso seja restrita aos crimes cometidos em 8 de janeiro de 2023, ainda assim pode haver um questionamento jurídico porque o plano de tentativa de golpe, segundo a denúncia da PGR, começou antes disso”.
Mudança na Lei da Ficha Limpa é o caminho mais importante para garantir uma possível candidatura do Bolsonaro em 2026.
Já se Bolsonaro for absolvido ou seu caso não for julgado pelo STF até as eleições de 2026, a conta é mais simples: uma mudança na Lei da Ficha Limpa que reduza a punição por inelegibilidade pode torná-lo apto a concorrer, pois permitiria ao ex-presidente chegar na campanha já tendo cumprido as penas pelas condenações no TSE.
“Uma anistia ainda pode gerar resíduos jurídicos. Por isso, uma mudança na Lei da Ficha Limpa é o caminho mais importante para garantir uma possível candidatura do Bolsonaro em 2026”, avalia Cunha.
Só que mudar a Lei da Ficha Limpa não é tão fácil assim, explica o professor. Primeiro, a direita teria de engolir seu discurso anticorrupção, já que a medida abrandaria punições a políticos e reduziria a força de uma lei que nasceu por iniciativa popular. A segunda razão é a articulação política. Por ser uma lei complementar, mudar a Lei da Ficha Limpa exige maioria absoluta no Congresso, ou seja, obter 257 votos na Câmara e 41 no Senado.
Confira os cenários analisados:
CENÁRIO 1
🟢CONDENADO NO STF
🔴SEM ANISTIA DO CONGRESSO
🔴SEM MUDANÇA NA LEI DA FICHA LIMPA
Se for condenado pelo STF e não houver anistia no Congresso nem mudança na Lei da Ficha Limpa, Bolsonaro não tem nenhuma chance de concorrer.
CENÁRIO 2
🟢CONDENADO NO STF
🟢COM ANISTIA DO CONGRESSO
🔴SEM MUDANÇA NA LEI DA FICHA LIMPA
Se for condenado pelo STF e for aprovada uma anistia no Congresso, Bolsonaro segue impedido de concorrer porque se enquadra na Lei da Ficha Limpa. A única forma de isso ocorrer seria ele ser anistiado, também pelas condenações no TSE em 2023 – o que é improvável.
CENÁRIO 3
🟢CONDENADO NO STF
🔴SEM ANISTIA DO CONGRESSO
🟢COM MUDANÇA NA LEI DA FICHA LIMPA
Se for condenado pelo STF, a única forma de Bolsonaro concorrer apenas com uma mudança na Lei da Ficha Limpa seria reduzir a pena prevista para menos de 1 ano – o que até é possível juridicamente, mas praticamente inviável politicamente.
CENÁRIO 4
🟢CONDENADO NO STF
🟢COM ANISTIA DO CONGRESSO
🟢COM MUDANÇA NA LEI DA FICHA LIMPA
Se for condenado pelo STF e for aprovada uma anistia no Congresso, Bolsonaro ainda precisa de uma redução nas penas da Lei da Ficha Limpa para se livrar das condenações no TSE.
Mas ainda há risco de a anistia parar no Supremo, caso seja algo específico para Bolsonaro. Cunha, da UERJ, alerta que a mudança na Lei da Ficha Limpa também pode chegar ao STF, já que o texto veta de concorrer “os que forem condenados” – e Bolsonaro seria condenado antes de ser anistiado. O caso é diferente do de Lula porque a condenação do atual presidente da República foi anulada em 2021.
CENÁRIO 5
🔴ABSOLVIDO OU SEM JULGAMENTO NO STF
🔴SEM ANISTIA DO CONGRESSO
🔴SEM MUDANÇA NA LEI DA FICHA LIMPA
Se não for condenado pelo STF, não houver anistia nem mudança na Lei da Ficha Limpa, Bolsonaro não tem chance de concorrer, pois está inelegível pelas duas condenações no TSE.
CENÁRIO 6
🔴ABSOLVIDO OU SEM JULGAMENTO NO STF
🟢COM ANISTIA DO CONGRESSO
🔴SEM MUDANÇA NA LEI DA FICHA LIMPA
Se não for condenado pelo STF e não houver mudança na Lei da Ficha Limpa, um projeto de anistia teria de perdoar Bolsonaro pelas condenações no TSE, o que é improvável e não tem precedentes no país, uma vez que a anistia costuma ser coletiva, e não pessoal.
CENÁRIO 7
🔴ABSOLVIDO OU SEM JULGAMENTO NO STF
🔴SEM ANISTIA DO CONGRESSO
🟢COM MUDANÇA NA LEI DA FICHA LIMPA
Se não for condenado pelo STF e não houver anistia, Bolsonaro pode concorrer se houver uma redução na punição da Lei da Ficha Limpa de oito anos para dois anos, por exemplo, o que o livraria das duas condenações no TSE em 2023.
Confira, a seguir, outras respostas para dúvidas comuns sobre o futuro político de Bolsonaro.
Bolsonaro pode ser anistiado?
Sim. A Constituição de 1988 só veta a anistia os crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo. Portanto, os crimes pelos quais Bolsonaro foi denunciado pela PGR são passíveis de perdão.
Por outro lado, é improvável que uma anistia beneficie apenas o ex-presidente. “A anistia é um conceito amplo, significa perdão e normalmente se aplica em regimes de transição, na passagem de governos de exceção para democráticos. Não é o caso que estamos vivendo agora. Além disso, a lei precisa ser genérica e impessoal” , explica o professor José Ricardo Cunha, da UERJ.
Qual seria a tramitação de um projeto de anistia?
A deliberação cabe ao Congresso. Depois de aprovado na Câmara e no Senado, o projeto vai à sanção presidencial. Se o presidente não sancionar a lei no prazo estabelecido, há a possibilidade de o presidente do Congresso — no caso, o presidente do Senado — promulgá-la.
Na prática, caso o Congresso aprove a anistia e Lula não sancione a lei, caberia ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do União Brasil do Amapá, validar a proposta – e, recentemente, o senador afirmou que este não é um “assunto dos brasileiros”.
Bolsonaro pode ser anistiado antes de ser julgado?
Não. O professor Cunha, da UERJ, explica que a anistia só pode ser concedida a quem foi condenado por um crime. No caso da tentativa de golpe, Bolsonaro só poderia ser beneficiado por uma anistia se o STF condená-lo.
E se o STF não julgar Bolsonaro até as eleições?
Neste caso, a acusação por tentativa de golpe não impediria Bolsonaro de concorrer. Por outro lado, vale pontuar que ele já foi condenado duas vezes pelo TSE, em 2023 – e, portanto, está inelegível.
Neste caso, mudar a Lei da Ficha Limpa poderia fazer Bolsonaro não ficar mais inelegível?
Sim. O ex-presidente precisaria apenas de uma redução no prazo de punição da Lei da Ficha Limpa – de oito para dois anos, por exemplo, como a direita já avalia — para chegar em 2026 já tendo cumprido as penas a que foi condenado pela justiça eleitoral.
Por que mudar a Lei da Ficha Limpa pode beneficiar Bolsonaro, já que ele foi condenado pelo TSE em 2023?
O professor José Ricardo Cunha explica que toda mudança de legislação ou sanção de nova lei tem aplicação geral e imediata. Também pontua o entendimento de que, se for uma alteração que beneficie o réu, a medida pode valer de forma retroativa a quem foi condenado antes da mudança. “Se for para aumentar a pena, por exemplo, está prejudicando o réu, e aí a lei não pode retroagir. Mas o contrário pode”, ressalta.
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