Uma nova ordem mundial está sendo desenhada por Donald Trump. Além de ter iniciado uma guerra tarifária que desorganizará o comércio global, o presidente americano abandonou a Europa à própria sorte na guerra da Ucrânia e se juntou a Vladimir Putin, o líder da Rússia.
O cenário geopolítico pós-Segunda Guerra já não existe mais. Trump deixou claro que os EUA mudaram de lado. A Europa não poderá mais contar com a proteção da maior potência bélica do mundo, que durante décadas ofereceu tropas e armas nucleares em território europeu para conter possíveis agressores.
No ano passado, os EUA forneceram mais de 40% da assistência militar à Ucrânia, de acordo com a Otan. Em poucos dias de mandato, Trump suspendeu essa ajuda e interrompeu a cooperação de inteligência com a Ucrânia. Não há como a Europa cobrir essa lacuna a curto prazo. Nada será como antes.
O presidente francês, Emmanuel Macron, fez um pronunciamento à nação em que tratou a Rússia como uma ameaça ao continente, pregou a união dos países europeus na defesa da Ucrânia e colocou as armas nucleares da França à disposição como instrumento de dissuasão. “Quero acreditar que os EUA estarão ao nosso lado. Mas temos que estar prontos se esse não for o caso”, disse Macron depois de colocar seu arsenal nuclear sobre a mesa.
No dia seguinte ao pronunciamento, líderes dos países da União Europeia se reuniram em Bruxelas e prometeram aumentar os gastos com defesa para apoiar a Ucrânia. Batizado de “ReArm Europe”, o plano acordado pretende mobilizar até 800 bilhões de euros (R$ 4,7 trilhões) para a defesa da Ucrânia e da Europa. Para se ter uma ideia do montante, nos últimos três anos foram destinados 267 bilhões de euros de todos os países doadores, incluindo os EUA.
Trump empurrou a Europa para uma corrida armamentista justamente em um momento em que os orçamentos dos países europeus estão curtos. Se o modelo do Estado do bem-estar social europeu já estava em crise, agora passará por uma prova de ferro nunca vista. O alto investimento na guerra custará caro aos contribuintes europeus e, inevitavelmente, causará grande impacto nos serviços públicos.
A consequência mais óbvia dessa nova configuração será o fortalecimento da extrema direita nos países europeus e a derrocada existencial do continente. Essa corrida armamentista desesperada tende a impulsionar ainda mais o neofascismo na região. Quando grandes crises políticas, sociais e econômicas aparecem no horizonte, a extrema direita fascistóide se apresenta como a solução. Eis a nova ordem mundial.
Para a Europa, não há outra alternativa a não ser se armar até os dentes. Juntos, Rússia e EUA, liderados por extremistas de direita com sanha imperialista, possuem quase 90% das armas nucleares do mundo. Com Trump ao seu lado, a possibilidade de Putin invadir outros países europeus é real.
A cúpula do poder em Moscou considerou o pronunciamento de Macron como uma ameaça e mandou recados claros. “Uma análise tão falha leva a erros fatais”, afirmou o senador russo Konstantin Kosachev. O ex-primeiro-ministro Dmitri Medvedev debochou do presidente francês, dizendo que ele “não representa uma grande ameaça”.
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Putin ainda trouxe à memória o fracasso de Napoleão Bonaparte em 1812, que invadiu Moscou com suas tropas, mas foi enxotado pelo exército e pelo inverno russo. “Ainda há pessoas que querem voltar aos tempos de Napoleão, esquecendo como tudo terminou”, afirmou o líder do Kremlin. Putin nunca se sentiu tão à vontade no xadrez geopolítico.
No Brasil, a extrema direita está confusa. Depois de passarem os últimos anos tratando a Rússia de Putin como “comunista” e Zelensky como um herói da democracia, nossos patriotas ficaram atordoados com a nova jogada de papai Trump.
Em novembro do ano passado, uma comitiva de parlamentares bolsonaristas viajou para a Ucrânia para prestar apoio a Zelensky e condenar o “apoio” do “comunista” Lula ao “comunista” Putin (perdão pelo excesso de aspas, mas o surrealismo bolsonarista me obriga).
Os senadores Sergio Moro, do União Brasil do Paraná, Damares Alves, do Republicanos do Distrito Federal, Magno Malta, do PL do Espírito Santo, e o deputado federal Paulo Bilynskyj, do PL de São Paulo, foram alguns dos políticos que largaram suas tarefas parlamentares e atravessaram o oceano para bajular o “democrata” que hoje é humilhado por Trump.
“O futuro que se desenha me parece bastante sombrio”
A caravana foi bancada, é claro, pelos cofres públicos brasileiros. Mas alguma coisa ficou fora da ordem nos delírios “globalistas” dos nossos patriotas. Enquanto Magno Malta e Damares preferiram o silêncio diante da contradição, Bilynskyj e Moro optaram pela cara de pau ao lançarem mão de malabarismos argumentativos.
Bilynskyj afirmou que “a falta de capacidade política de Zelensky colocou todo esforço de guerra ucraniano em risco”. A afirmação não faz o menor sentido. Há pouco mais de três meses, o deputado estava em Kiev tirando foto abraçado com o líder ucraniano.
Sergio Moro seguiu a mesma linha nonsense e se fingiu de louco. Em um texto sofrível para a Gazeta do Povo, o ex-juiz abusou da embromação, se mostrou compreensivo com Trump, mas não explicou o porquê da mudança brusca de opinião em relação à guerra. Nossos vira-latas complexados não nos devem maiores explicações e seguirão o instinto de balançar o rabinho para o Tio Sam.
Putin e Trump estão testando as democracias e ditando o ritmo do avanço da extrema direita mundial. Ambos compartilham a mesma visão de mundo, estão alinhados nas pautas morais e rejeitam o conceito de globalização. Aguardemos os próximos episódios do jogo geopolítico. Daqui, o futuro que se desenha me parece bastante sombrio.
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