Bolsonaro tem repetido, nos últimos meses, que não irá fugir do país. Em uma entrevista para a CNN em janeiro, disse que irá cumprir pena na cadeia caso seja condenado. No último domingo, 16, no ato que reuniu meia dúzia de gados pingados em Copacabana, ele reafirmou que não fugirá. Dois dias depois, em entrevista a um panfleto bolsonarista, repetiu a afirmação mesmo sem ser perguntado.
Bom, nesta semana, seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PL de São Paulo, fugiu do país alegando estar sendo perseguido pela “ditadura” instaurada no Brasil. Mesmo sem ter sido indiciado nem denunciado pela Procuradoria-Geral da República na investigação sobre a tentativa de golpe liderada por seu pai, o Zero Três abandonou o mandato de deputado no Brasil para viver o delírio do exílio nos EUA.
O ex-presidente apoiou a fuga do filhote e a classificou como um “ato de patriotismo”. Além disso, repetiu mais uma vez aquela que talvez seja a frase mais estúpida do seu vasto arsenal de frases estúpidas: “a liberdade é mais importante que a própria vida”.
É evidente que Bolsonaro está preparando o terreno narrativo para uma fuga do país. A insistência do ex-presidente em negar que irá fugir, mesmo sem ser perguntado, é reveladora. Freud explica.

O fato é que Bolsonaro já fugiu duas vezes. No final de 2022, antes do término do seu mandato, o então presidente se mandou para os EUA. Segundo a investigação da Polícia Federal, PF, ele fugiu para evitar uma possível prisão e esperar o desfecho do 8 de Janeiro. Os investigadores apontam que o plano de fuga envolvia a “construção de uma narrativa de perseguição” a Bolsonaro. Conforme a polícia, as chamadas “milícias digitais” disseminaram mensagens para justificar a fuga, descrevendo o ex-presidente como alguém perseguido. O modus operandi se repete agora.
A segunda fuga aconteceu em março do ano passado, logo após ter o passaporte apreendido em uma operação da PF. Bolsonaro se escondeu por duas noites na embaixada da Hungria para evitar uma possível prisão preventiva. Tudo foi feito na calada da noite e só veio a público posteriormente, graças a uma reportagem do New York Times. Durante dois dias, Bolsonaro ficou fora do alcance da justiça brasileira. Caso sua prisão fosse decretada, a polícia não poderia entrar na embaixada para prendê-lo.
Por mais que ele insista em negar, a próxima fuga é questão de tempo. Ninguém espera que Bolsonaro apareça nos tribunais e defenda sua absolvição de cabeça erguida. A covardia sempre foi uma marca da família Bolsonaro. Estamos falando de uma gente que despreza a democracia e vangloria a tortura dos porões da ditadura. Trata-se do suprassumo da covardia.
O objetivo da fuga de Eduardo Bolsonaro para os EUA é claro: constranger o judiciário brasileiro perante o mundo, conspirar contra o governo Lula e tentar influenciar de alguma maneira os rumos da denúncia sobre a tentativa de golpe. O deputado tem articulado com parlamentares da extrema direita americana para pressionar o presidente Donald Trump a impor sanções contra o governo brasileiro e retaliar ministros do STF — especialmente Alexandre de Moraes, que comanda o inquérito.
O Zero Três e mais dois parlamentares trumpistas estão levantando informações sobre os bens que os ministros do STF possuem no exterior para que o governo Trump possa puni-los de alguma maneira. Ou seja, um parlamentar abandonou o mandato e foi para outro país para conspirar contra o Estado brasileiro. Eis o patriotismo dos nossos “patriotas”.
Resta saber o quão Trump está disposto a gastar energia com os barnabés bolsonaristas que lambem seus sapatos. O meu palpite é de que haverá, no máximo, alguma sanção contra Alexandre de Moraes, o que será inócuo. O Brasil é um país independente e soberano. Só mesmo os vira-latas complexados que estão presos no imaginário da Guerra Fria acreditam que Tio Sam pode tudo.
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Com a fuga pros EUA, Eduardo Bolsonaro abriu mão da presidência da Comissão de Relações Exteriores. Em seu lugar, deixou um fantoche, Filipe Barros, do PL do Paraná, que assumiu o cargo chamando a fuga do Zero Três de “ato heróico”. Em entrevista ao Valor, Barros deixou claro que colocará a comissão a serviço dos interesses da família Bolsonaro.
Ele prometeu que vai conversar semanalmente com o deputado fujão, com o objetivo de alinhar agendas, e irá trabalhar para que o colegiado dê respaldo institucional a ele. “Por exemplo, se o Eduardo marcar uma reunião com uma autoridade americana, nós podemos mandar uma comissão para acompanhá-lo”, disse Barros, sem nem corar.
Segundo o deputado, a ideia é usar a comissão para denunciar ações autoritárias no Brasil. “Vamos fazer audiências públicas, convidar pessoas que sofrem com o autoritarismo em outros países, interagir com parlamentares. Enfim, vamos fazer barulho”, afirmou.
Percebam o tamanho do descaramento e da desfaçatez do bolsonarista ao colocar a Câmara para defender os interesses particulares do bolsonarismo em detrimento aos da nação. O desprezo pela democracia é tão grande que Barros não demonstra qualquer pudor em admitir abertamente esse absurdo.
Que as autoridades brasileiras estejam atentas ao que está em curso. Encurralados pela justiça brasileira e diante da inevitável prisão do seu maior líder, os bolsonaristas têm se empenhado em fabricar e disseminar as narrativas que compõem uma perseguição política no Brasil e justifiquem uma fuga heroica.
Essa é a única carta que eles têm pra jogar. A saída de Bolsonaro do Brasil não é mais uma questão de “se”, mas de “quando”. É uma possibilidade que sempre esteve nos planos, e nada indica que, agora, no momento mais crítico, será diferente.
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