Mais um importante passo foi dado para o evento mais esperado pelos democratas brasileiros: a condenação de Jair Bolsonaro à cadeia. Foi uma semana péssima para ele e seus comparsas golpistas. Além de ter virado réu no STF, Bolsonaro foi submetido a uma série de humilhações.
A começar pelos elogios que Donald Trump fez publicamente ao sistema eleitoral brasileiro bem na véspera do julgamento. Para desespero dos nossos patriotas de fachada, o presidente dos EUA assinou um decreto que exalta a segurança das nossas urnas eletrônicas.
Sem mais nem menos, Trump jogou uma granada na principal narrativa dos golpistas brasileiros — o que sugere que o apoio do presidente americano ao brasileiro não é tão grande quanto se imagina. Eduardo Bolsonaro parece estar mais entrosado com o baixo clero da extrema direita americana do que propriamente com o núcleo duro do trumpismo. Até agora só recebeu migalhas de atenção de Trump.
Após o julgamento, a humilhação continuou. Bolsonaro convocou uma coletiva de imprensa e repetiu as mesmas ladainhas golpistas que o transformaram em réu. Atacou as instituições, o governo Lula, o sistema eleitoral e os juízes do STF usando as mesmas fake news de sempre.
Soou como um grito de desespero de quem só vê duas possibilidades no horizonte: ir pra cadeia ou fugir do país. Depois de passar minutos babando de ódio, a coletiva foi encerrada por uma marcha fúnebre tocada por um trompetista filiado ao PT. Perceba como o destino de Bolsonaro vem sendo cumprido com requintes de crueldade. Que assim seja.
Por mais vergonhoso que esteja sendo o fim do líder da gangue golpista, há na imprensa quem esteja encantado com uma suposta coragem do capitão. Uma coluna publicada no Estadão — o jornal que apoiou de maneira vigorosa os golpistas de 1964 — enxergou coragem em Bolsonaro pelo simples fato dele ter comparecido ao julgamento.
Pior que isso: o colunista teve a ousadia de compará-lo com Dilma Rousseff, que foi julgada por militares representantes do regime que a torturou. Intitulado “Bolsonaro evoca a coragem de Dilma ao comparecer frente aos seus algozes do STF”, o texto ignora os contextos históricos para chegar a uma conclusão que, no mínimo, beira à canalhice.
É como se Bolsonaro não fosse herdeiro político justamente dos covardes que prenderam e torturaram barbaramente a ex-presidente, que até então era uma menina de 19 anos. Dilma teve a coragem de quem luta contra uma ditadura, enquanto Bolsonaro teve uma coragem meramente performática, utilizada para forjar uma imagem de herói entre os seus seguidores.
Na ânsia por parecer isentão, o colunista tripudia da história e da democracia ao ignorar contextos e equalizar duas figuras diametralmente opostas sob qualquer ponto de vista. Bolsonaro não foi preso e torturado, e os ministros do STF que o julgam não são generais de uma ditadura militar.
Chega a ser revoltante ler um texto desse justamente em um jornal que, no logo após a tomada do poder pelos militares, comemorou com a seguinte manchete: “Democratas dominam toda a nação”.
Mas, no dia seguinte — o dia em que viraria réu — Bolsonaro demonstrou sua verdadeira coragem: não compareceu ao STF. Preferiu assistir ao julgamento do conforto do gabinete do seu filho Flávio, no Senado. Ao final, chorou copiosamente no colo da ex-ministra Damares Alves. O motivo da ausência no segundo dia de julgamento? Medo de sair do tribunal com uma tornozeleira eletrônica. Eis a coragem de Jair Bolsonaro.
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Outra narrativa bolsonarista que sofreu duros abalos no julgamento foi a da “velhinhas com a bíblia na mão”. Mas o relator do caso, Alexandre de Moraes, não deixou pedra sobre pedra e demonstrou de maneira inequívoca o caráter violento dos criminosos.
Depois de exibir uma longa sequência de vídeos dos atos violentos do dia 8 de janeiro, Moraes afirmou: “[Foi] uma verdadeira guerra campal. Nenhuma Bíblia é vista e nenhum batom é visto nesse momento. Agora, a depredação ao patrimônio público, o ataque à polícia, é visto”.
Outros ministros do STF também se dedicaram a destroçar a tese bolsonarista. Cármen Lúcia lembrou que houve planejamento e organização dos atos violentos em 8 de janeiro: “Não se há de dizer que foi sem violência. A violência aconteceu e não foi ocasional, nem foi algo precário, que houve uma coincidência naquela, naqueles dias de sábado à noite e de domingo durante o dia”.
Flávio Dino refutou os argumentos bolsonaristas que alegam que não houve tentativa de golpe de estado porque não houve mortes. “Esse tipo de raciocínio é uma agressão às famílias que perderam seus entes queridos em um momento de trevas no Brasil. Golpe de Estado mata, não importa se é no dia, no dia seguinte, ou depois”, afirmou o ministro.
A narrativa bolsonarista de que os pobrezinhos não sabiam muito bem o que estavam fazendo ganhou a simpatia de boa parte da imprensa. O Metrópoles, por exemplo, chamou Débora Rodrigues dos Santos — a golpista que virou um símbolo da luta pela anistia — de “cabeleireira que foi presa após fazer uma pichação na estátua da Justiça”. Isso se repetiu em outros veículos.
“Eles sabiam muito bem o que queriam”
Fica parecendo que ela é apenas uma coitada, uma desavisada que cometeu um ato de vandalismo, e não uma integrante de um grupo armado que invadiu os prédios dos Três Poderes com o objetivo declarado de deflagrar um golpe.
O grupo invasor carregava uma faixa pedindo “intervenção militar”. Eles sabiam muito bem o que queriam. Enquanto a cabeleireira pichava a estátua com batom, seus comparsas de crime batiam na cabeça de policiais com barras de ferro. É disso que se trata. Mas parte relevante da imprensa abraçou essa barbaridade narrativa e ajudou a banalizar uma tentativa de golpe militar.
Na quarta-feira, 26, Alexandre de Moraes derrubou o sigilo da ação penal do qual Débora é alvo e pudemos assistir ao vídeo do seu depoimento. A golpista se diz arrependida, lembra dos filhos e chora.
É claro que eu também me sensibilizo com as lágrimas de uma mãe de família presa, mas me sensibilizaria ainda mais pelas lágrimas das mães de família que teriam seus filhos presos, torturados e mortos por um novo regime militar. Há limites na democracia, Débora. Fora dela, não há.
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