Como os EUA usaram a religião para combater o comunismo no Brasil

Fé capitalista

Como os EUA usaram a religião para combater o comunismo no Brasil

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Há 50 anos, uma guerra psicológica ousada foi colocada em prática – e seus efeitos operam até hoje. Para tentar combater o avanço do comunismo, os EUA enviaram ao Brasil milhares de missionários de religiões e seitas evangélicas e católicas, judeus conservadores e até membros de empresas privadas com um objetivo: popularizar versões reacionárias da fé cristã e, assim, conquistar corações e mentes. 

O objetivo era implantar e defender governos subservientes e capitalistas  – vários deles, como o brasileiro, eram ditaduras militares – que se opusessem ao comunismo e se alinhassem à economia de mercado que os EUA tentavam expandir para todo o planeta.

Digno de um filme de conspiração internacional, esse roteiro geopolítico é real. E está relatado no livro O Partido da Fé Capitalista (Da Vinci Livros), lançado no início do ano.

A obra é baseada na tese de doutorado O Partido da Fé Capitalista – Organizações religiosas e o imperialismo norte-americano na segunda metade do século XX, que o historiador Rodrigo de Sá Netto defendeu em 2022 no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. 

Em sua investigação, que durou cinco anos, Sá Netto utilizou arquivos públicos brasileiros e estadunidenses e pesquisou, entre outros, documentos do Serviço Nacional de Informações, o SNI , depositados no Arquivo Nacional do Brasil, e da Central Intelligence Agency, a CIA, nos EUA. No NARA (National Archives and Records Administration) ele pesquisou os arquivos dos presidentes estadunidenses.

“O livro e a tese contam a história de uma coligação ecumênica que envolve religiosos de múltiplas denominações. Ela começa a ser gestada por órgãos governamentais americanos, como a USIA, a United States Information Agency, que lidava com diplomacia pública, voltada para influenciar populações de outros países de acordo com seus interesses”, conta Sá Netto, que é também é pesquisador do Arquivo Nacional. 

“Houve financiamento das agências norte-americanas, majoritariamente com os Republicanos e um pouco com os Democratas, para a atuação desses missionários nas décadas de 1950 a 1970”, explica Fábio Py, teólogo protestante-evangélico e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte-Fluminense, que participou da banca de Sá Netto.

“A estratégia também envolvia empresários, agentes governamentais, líderes religiosos e intelectuais estadunidenses, que contactaram os seus pares no Brasil e nos demais países latino-americanos”, relata Sá Netto. 

O plano começou em 1954, com a criação pelo governo dos EUA da Fundação para Ação Política e Religiosa na Ordem Civil e Social, a Frasco, cujo dirigente era um membro da Usia. A Frasco congregava religiosos de várias denominações, sobretudo evangélicos, que nos EUA são maioria, mas também católicos conservadores e judeus. 

Era um “esforço internacional para formar uma frente religiosa internacional anti-comunista e pró-capitalista, defendendo os pressupostos do livre mercado e da liberdade norte-americana, em contraste com o que seria o ateísmo e o planejamento econômico comunista, onde supostamente não haveria liberdade sequer para se professar a religião”, explica o historiador.

Teologia da prosperidade e a luta anticomunista

No início da década de 1950, os Estados Unidos e a então União Soviética mergulham na Guerra Fria pós-2ª Guerra Mundial e passam a disputar econômica, militar e politicamente a hegemonia sobre cada centímetro do mundo. 

Na América Latina, que Washington sempre considerou como seu quintal, a ditadura empresarial e militar implantada em 1964 olhava com bons olhos essa expansão capitalista. Os militares contribuíram para que o Brasil, o maior país da região, tivesse se tornado o principal alvo da estratégia de consolidação e ampliação da influência do governo estadunidense. 

“Não à toa, a partir dos anos 1950 temos uma escalada inédita da vinda de missionários e religiosos estrangeiros vindo para cá”, diz Sá Netto.

Documentos mostram preocupação dos miliares com a influência da Teologia da Libertação.

Algumas das maiores e mais poderosas igrejas pentecostais que atuam no Brasil foram fundadas naquele contexto. Um exemplo é a Igreja do Evangelho Quadrangular. Fundada em 1923 por Aimee McPherson, nos Estados Unidos, a igreja foi trazida ao Brasil em 1951 por Harold Williams e Jesus Hermínio Vasquez Ramos, em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo. 

Outros exemplos são a Igreja Deus é Amor e Brasil Para Cristo, fundada por pastores brasileiros que tinham passagem por igrejas pentecostais norte-americanas. 

Essas igrejas evangélicas pentecostais abriram o caminho para novas, como a  Igreja de Nova Vida, fundada no Brasil pelo pastor canadense Robert McAlister, uma das primeira expoentes da teologia da prosperidade no Brasil. Outra é a superpoderosa Igreja Universal do Reino de Deus. “O Edir Macedo aprendeu muito, pegou a fórmula e transformou em uma franquia com traços brasileiros e adaptações muito efetivas. Mas a matriz de pensamento é toda estadunidense”, explica Sá Netto.

‘Convinha integrar o indígena à sociedade capitalista’

A estratégia dos EUA passava por enviar organizações missionárias em massa para o Brasil. Um documento de 1961, do Conselho de Segurança Nacional, encontrado por Sá Netto, relata que, desde 1957, havia um número incontável de missões evangélicas estrangeiras na Amazônia, mas que não havia certeza sobre quais nem quantas exatamente. 

O documento mostrava que essas missões tinham colaboração com a CIA, com o garimpo ilegal, com a destruição de cultura indígena e tráfico de drogas. Mas o Conselho ressaltava que nada havia sido provado e que não convinha retirá-las do Brasil porque elas faziam um bom trabalho. “Convinha retirar o indígena da natureza e integrá-lo à civilização, à sociedade capitalista brasileira. Essa concepção permanece até hoje”, diz Sá Netto.

Relatório lista preocupações com os missionários, mas reconhece dificuldades em controlá-los.

A simpatia do estado brasileiro com os evangélicos estrangeiros foi admitida pelo próprio Comando Militar da Amazônia. Em um relatório de 1974, o órgão admitiu haver “uma complacência e até mesmo apoio das autoridades municipais, estaduais e federais com relação a estes missionários”.  

A pesquisa de Sá Netto também revela que o governo ditatorial tinha uma predileção nada disfarçada por missionários evangélicos sobre os católicos. 

Um documento confidencial da DSI do Ministério do Interior diz, por exemplo, que as missões católicas, “normalmente sob influência da Teologia da Libertação, procuram a conscientização do índio para seus direitos”, contestando frequentemente as determinações do governo. O governo criticava, por exemplo, o fato das missões católicas exacerbarem “a reivindicação pela terra indígena”, dando “importância secundária à catequese”. 

A “pressão ideológica e reivindicatória” que os católicos progressistas exerciam, sobretudo os reunidos no Conselho Indigenista Missionário, o Cimi, era, então, apontada como ponto negativo da presença desse grupo. Por outro lado, a DSI livrava completamente a cara do grupo evangélico, afirmando, sem rodeios, que essa “ação contestadora só ocorre com os missionários católicos”.

Conscientização política anticomunista

Os documentos revelam que a Igreja da Unificação, que se concentrava nas cidades, também foi protegida pelos militares. “Os serviços de inteligência diziam que a despeito de denúncias nada havia sido comprovado contra a igreja, que deveriam permanecer no Brasil porque vigorava no País a liberdade religiosa e, mais importante, porque ela fazia atividades de conscientização política anticomunista”, diz Sá Netto.

A Igreja da Unificação, conservadora, pró-capitalista, era o nome conhecido da Associação das Famílias para a Unificação e Paz Mundial, foi fundada na Coréia do Sul em 1954 por Sun Myung Moon, o Reverendo Moon.

Um documento, datado de 1981, defende a permanência no Brasil da Igreja da Unificação. Para a Diretoria de Segurança Interna do Ministério da Justiça, além de ser juridicamente inatacável, importava o fato de ela lutar contra o comunismo, contrapondo-se, assim, à influência das organizações de contestação da ditadura. 

Para o órgão, suas pregações contribuíram para fortalecer o nacionalismo e o sentimento religioso e democrático, e que a sua denúncia sistemática das mazelas do comunismo fortaleceria a consciência política e ideológica da população.

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Conhecida por organizar enormes casamentos coletivos que reuniam até milhares de casais, a Igreja da Unificação foi fundada por Sun Myung Moon na Coreia do Sul em 1954, e ficou conhecida por escândalos financeiros, como desvio de doações de fiéis.

Ao longo da década de 1980, explica Sá Netto, a Igreja se envolveu na política brasileira: financiou 60 candidatos à Constituinte de 1986, de legendas conservadoras, além dos candidatos a prefeito em São Paulo, Jânio Quadros e Paulo Maluf. Hoje, a igreja foi rebatizada como Federação da Família para a Paz Mundial e Unificação.

Para o pesquisador, os filhos daquela política imperialista dos EUA ainda estão muito ativos no Brasil. Um exemplo é o 8 de Janeiro, que tem fortes indícios da participação de algumas igrejas na organização do movimento golpista. 

Segundo a Polícia Federal, alguns dos golpistas presos durante a invasão e depredação alegaram terem sido recrutados e/ou financiados por organizações como a Igreja Batista, a Presbiteriana Renovada e a Assembleia de Deus.

Além disso, a infiltração em espaços públicos também ainda ocorre de maneira explícita. Em 2019, o grupo evangélico ultraconservador Capitol Ministries se aproximou de integrantes do governo Bolsonaro e mais recentemente, de deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Temos uma oportunidade, e ela pode ser a última:

Colocar Bolsonaro e seus comparsas das Forças Armadas atrás das grades.

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