Dois dias depois de irem à Avenida Paulista denunciar ao mundo que estão sendo perseguidos por uma ditadura implacável, deputados bolsonaristas aprovaram na Comissão de Segurança Pública da Câmara, na terça-feira, 8, um projeto de lei para desarmar a equipe de segurança do presidente da República e dos seus ministros.
Ou seja, os inimigos da “ditadura” conseguiram democraticamente aprovar uma lei que retira as armas de um dos “ditadores”. A contradição é óbvia, mas para o bolsonarismo isso nunca foi um problema.
O autor da proposta é Paulo Bilynskyj, do PL de São Paulo, um bolsonarista fanático que se orgulha dos serviços prestados por seu avô ao nazismo — eis as credenciais democráticas do deputado. Além de escancaradamente inconstitucional, a lei é estapafúrdia por si só, mas o argumento que a sustenta torna tudo ainda mais absurdo.
Segundo Bilynskyj, já que Lula é a favor do desarmamento da população, então, por coerência, a segurança presidencial e ministerial deve ser desarmada. “O presidente Lula, cercado de seguranças armados, luta sempre para desarmar o cidadão. O ministro [da Justiça, Ricardo] Lewandowski, que tem porte de arma renovado pela PF, dificulta o acesso do cidadão às armas de fogo”, disse o deputado, sem temer o ridículo. Sabemos como o bolsonarismo é infantilóide e vive desse gugu-dadá ideológico.
O relator do projeto é Gilvan da Federal, do PL do Espírito Santo, outro patriota fanático que deixou claro o motivo pelo qual quer desarmar a segurança do presidente: “Eu quero mais é que o Lula morra. Eu quero que ele vá para o quinto dos infernos. É um direito meu. Não vou dizer que eu vou matar o cara, mas eu quero que ele morra, que vá para o quinto dos infernos. Nem o diabo quer o Lula, por isso que ele está vivendo aí. Superou o câncer. Tomara que ele tenha um ataque cardíaco, porque nem o diabo quer a desgraça desse presidente que está afundando o país. Quero mais que ele morra mesmo. E que [seus seguranças] andem desarmados. Não quer desarmar o cidadão de bem? Que ele ande com os seus seguranças desarmados”, declarou Gilvan.
Percebam que o objetivo do projeto de lei é declarado sem pudor e sem disfarces. Articulam politicamente para que o presidente fique desprotegido porque desejam a sua morte. O contexto em que isso se dá torna tudo mais escabroso. Não só desejam a morte de Lula como a planejaram. Estamos falando do mesmo grupo político que arquitetou o Punhal Verde e Amarelo, um plano para matar o presidente, o vice e um ministro do STF.
Vivemos uma era de normalização dos absurdos. Eles se tornaram tão frequentes que já estamos todos anestesiados. Desde que o bolsonarismo tomou de assalto a vida política brasileira, já presenciamos de tudo.
Lembremos que o então deputado federal Jair Bolsonaro defendeu o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso e, anos depois, exaltou o torturador da então presidenta Dilma Rousseff durante o seu processo de impeachment.
De lá pra cá, criou-se uma legião de deputados federais delinquentes e agressivos que se orgulham em desafiar as leis e atacar as instituições. Mais recentemente tivemos Carla Zambelli, do PL de São Paulo, mandando um colega parlamentar “tomar no cu” e ameaçando um cidadão com revólver.
Gustavo Gayer, do PL de Goiás, insinuou que uma ministra estava fazendo um trisal com um deputado e um senador. Delegado da Cunha, do PP de São Paulo, foi flagrado em vídeo ameaçando encher a cara da ex-companheira de tiro após espancá-la. Marcel Van Hattem, do Novo do Rio Grande do Sul, chamou o STF de “organização mafiosa”.
Há uma infinidade de exemplos. A quebra do decoro parlamentar virou algo corriqueiro desde o início da ascensão bolsonarista. Estamos tão acostumados com esse nível de barbárie que ver um deputado pregando abertamente a morte do presidente da República já não nos choca como deveria. É o novo normal.
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Nenhuma das atrocidades citadas foram punidas com cassação do mandato. Claro, quem comanda o parlamento é o bolsonarismo. E é nesse contexto que temos a aprovação da cassação, pelo Conselho de Ética da Câmara, de Glauber Braga, do PSOL do Rio de Janeiro, acusado de expulsar aos pontapés um influenciador do MBL do Congresso.
De fato, a agressão existiu, mas os atenuantes são fortes demais. Com ameaças e palavreado agressivo, o integrante do MBL ofendeu a mãe do deputado, que estava doente e morreria menos de um mês depois do episódio. Não foi a primeira vez. Há registros documentados de que o provocador vinha há dias perseguindo o parlamentar de maneira sistemática.
O MBL é conhecido por se infiltrar em manifestações de esquerda para provocar, constranger e depois lacrar com os vídeos na internet. Mesmo assim, é inegável que a reação de Glauber foi desproporcional e deve ser punida. Um parlamentar não pode rebater ofensas verbais com agressão física. Mas decidir pela pena máxima – cassar o mandato – é uma vergonha se levarmos em conta os padrões adotados pelo Conselho de Ética.
O que Glauber fez é café pequeno perto do que deputados bolsonaristas fazem quase que semanalmente tanto no Congresso quanto fora dele. Para o bolsonarismo, espancar a esposa, pregar o assassinato do presidente da República e defender golpe de Estado é menos grave que dar um pontapé em um provocador que acusa de forma leviana sua mãe que está à beira da morte. Está claro que a cassação do deputado do PSOL é fruto de perseguição política.
“O bolsonarismo nada de braçada no Legislativo”
A decisão do Conselho de Ética agora segue para o plenário da Câmara, onde a tendência é ser confirmada. Glauber pode perder o mandato por revidar as agressões de um agente provocador. Já Gilvan da Federal seguirá livre, leve e solto após confessar o desejo pela morte do presidente da República em meio à defesa de um projeto de lei que visa desarmar sua equipe de segurança.
Bolsonaro foi chutado do Executivo, mas o bolsonarismo ainda nada de braçada no Legislativo. E nada indica que isso mudará nas próximas eleições. Esse é o drama brasileiro.
A cassação de Glauber faz parte do pacote golpista e autoritário do bolsonarismo. Eles planejam golpe de estado e a morte do presidente da República, cassam mandatos de parlamentares de esquerda e, ainda assim, se dizem vítimas de uma ditadura opressora.
Que o Judiciário cumpra o seu papel e coloque os líderes que tramaram o 8 de Janeiro na cadeia. Quem sabe assim o ímpeto delinquente e autoritário do bolsonarismo seja arrefecido nos próximos anos.
Temos uma oportunidade, e ela pode ser a última:
Colocar Bolsonaro e seus comparsas das Forças Armadas atrás das grades.
Ninguém foi punido pela ditadura militar, e isso abriu caminho para uma nova tentativa de golpe em 2023. Agora que os responsáveis por essa trama são réus no STF — pela primeira e única vez — temos a chance de quebrar esse ciclo de impunidade!
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