Fabiana Moraes

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No Pará da COP 30, um lixão a céu aberto é o retrato da contradição brasileira

Enquanto Mariah Carey cantar sobre uma cênica vitória régia, toneladas de plástico, latas e outros dejetos seguirão contaminando a região.

No Pará da COP 30, um lixão a céu aberto é o retrato da contradição brasileira

Foto: Promotoria de Justiça de Cametá

A proximidade da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas no Pará, a COP 30, tem evidenciado a tragédia daquilo que já entrou para a normalidade no cotidiano local (e nacional): a falta brutal de políticas públicas – e privadas – sobre o tratamento do lixo.

Estive no estado recentemente, especificamente na cidade de Cametá, a 180 quilômetros de Belém. Lá, pude conferir de perto o imenso abismo entre o frisson provocado pelo encontro internacional (com hospedagens chegando a R$ 2 milhões na capital) e o volume diário de lixo despejado nas ruas, calçadas, descampados e especialmente no Rio Tocantins, que banha o município conhecido por seu carnaval e rica tradição cultural. 

É difícil não se impressionar com a beleza da região: dezenas de ilhas decoradas por casas de madeira coloridas, vastas áreas de açaizeiros e buritizeiros, barcos de variados tamanhos singrando o rio vasto, alguns deles rebatendo o brilho de sombrinhas plásticas carregadas pelas passageiras. É bonito demais – e o olho gosta de festa.

Mas, infelizmente, a robusta e constante presença do lixo consegue minar todo combo de beleza: sacolas, garrafas de água, copos, colheres, latas, alimentos, sacos de pipoca, biscoitos e salgadinhos povoam ruas, prainhas, aquíferos e rio. Em Cametá, a maior parte dos dejetos sólidos vai para a região do Mataquiri, onde há um antigo lixão sem tratamento dos resíduos.  Ali, catadores/as e população já encontraram de tudo, incluindo lixo hospitalar, materiais cortantes, fetos humanos e, uma vez, uma perna.  Gente jogada, literalmente, no lixo.

“É uma situação de desumanidade”, declarou na época a promotora de justiça Louise Rejane Severino, titular da promotoria de Cametá.

Esse cenário – sem exageros, é um filme cotidiano de terror – acontece na quarta cidade com mais crianças no Brasil: elas são quase 27% dos 134.184 habitantes do município (e muitas das embalagens que vi nos igarapés da região eram, aliás, de alimentos ultraprocessados como biscoitos, salgadinhos, refrigerantes e doces, o que sinaliza um outro problema corrente, o da alimentação com muito sódio e pouca qualidade). 

A cinco quilômetros do centro de Cametá, o lixão de Mataquiri tem dois hectares de terra transformados em uma verdadeira cicatriz aberta. Ali, o fogo transforma dia e noite em um inferno particular, no qual não é “apenas” o calor que fustiga, mas uma fumaça extremamente tóxica que adoece crianças, idosos, trabalhadores – todos forçados a inalar aquilo que se esconde sob a palavra “resíduo”. 

Em 2015, o lixão ardeu durante uma semana, levando os hospitais da cidade a ficarem lotados com pessoas apresentando problemas respiratórios. Dez anos depois, como mostra esse vídeo, o cenário é o mesmo. São mais de 20,12 toneladas de lixo por dia, segundo esse estudo realizado em 2002 (quando a população da cidade tinha pouco mais de 91 mil pessoas, ou seja, o volume hoje é bem maior).  

Além de apontar o dedo para governos e comunidades, é preciso incluir empresas privadas como outro agente a ser responsabilizado.

A área, é claro, é transformada sazonalmente em moeda política. O ex-prefeito do local, Victor Cassiano, do MDB, apareceu em um vídeo (2020, período eleitoral), garantindo que iria resolver o problema e se mostrando  horrorizado com a situação do lixão. “Os governos anteriores não deram a atenção devida”, escreveu ele. O gestor foi cassado há dez dias por indícios de abuso de poder econômico e está inelegível (cabe recurso).

A destruição que vemos na superfície se repete não só abaixo do lixão, mas em seu entorno: quando o lixo orgânico começa a se decompor, gera um líquido escuro e malcheiroso chamado chorume. Não é uma novidade que ele seja altamente poluente e que precise de tratamento adequado para evitar a contaminação do meio ambiente. Mas isso não impede que ele chegue aos montes aos aquíferos locais.

No “Estudo preliminar da contaminação das águas subterrâneas no entorno do lixão na cidade de Cametá”, encomendado pela prefeitura da cidade,  Luiz Walter da Silva Monteiro, Tatiana Barbosa da Costa e Lucia Beckmann C. Menezes mostram que a contaminação pode penetrar no solo e atingir os lençois freáticos. 

Bactérias, vírus e até substâncias radioativas estão na lista – mas é a presença de metais pesados no chorume, como cádmio, cromo, cobre, chumbo e zinco, o que mais chama atenção.

O cádmio, por exemplo, é muito tóxico e se acumula no corpo com o tempo, podendo vir de lixo comum, esgoto e outras atividades humanas. Já o cromo aparece em diferentes formas químicas e também é liberado em resíduos urbanos. O cobre, por outro lado, tende a aparecer em pequenas quantidades nas águas subterrâneas, e não tem efeito acumulativo como o chumbo.

O último é um metais mais perigosos: ele pode se prender à matéria orgânica ou se transformar em compostos que se dissolvem facilmente. Mesmo em pequenas quantidades, a exposição ao chumbo pode causar sérios danos à saúde — e, em casos mais graves, até levar à morte. 

Conversei com a agente de saúde Mileide Farias, uma das autoras do estudo “Gestão de Resíduos Sólidos para o Povo Ribeirinho do Projeto de Assentamento Agroextrativista Ilha Itaúna, Cametá, Pará” (disponível aqui). Segundo ela, as doenças mais comuns decorrentes do descarte inapropriado são as respiratórias e de pele, a maioria delas causadas pela queima de lixo e pela exposição a substâncias tóxicas. Além disso, há uma série de acidentes como cortes e ferimentos causados por vidros quebrados e outros objetos cortantes.  

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“Infelizmente, o lixão ainda é uma realidade em Cametá. É um problema grave, especialmente durante o verão, quando o lixo é queimado e causa uma fumaça tóxica que afeta a saúde das pessoas”, diz ela, que é ribeirinha de Itaúna de Baixo.

O estudo do qual Farias fez parte focou no problema do descarte especificamente na comunidade acima, na qual foram aplicados 200 questionários para moradores e moradoras da ilha. 

Ali, a pesquisadora e suas colegas observaram que vidros, metais, lixo eletrônico e sementes de açaí (hoje usadas para produção de cosméticos e plástico biodegradável, entre outros fins) eram descartados indevidamente no ambiente, enquanto plásticos eram queimados. 

A maioria dos entrevistados não sabia da existência de metais pesados resultantes da queima do lixo eletrônico. Hoje, segundo ela, o cenário na ilha é outro – ou seja, com trabalho e pesquisa bem orientados, há luz no fim do túnel.

“Trabalho como agente de saúde há 1 ano e 8 meses. O que mais se destaca para mim é a mudança de comportamento da comunidade ribeirinha em relação ao descarte de lixo. Antigamente, jogavam lixo no rio, mas com a educação ambiental e o trabalho dos agentes, Incra e outros programas do governo, as pessoas começaram a entender o impacto do lixo não biodegradável e mudaram seus hábitos”, ela disse, apesar de pessoas da cidade seguirem descartando lixo quando vão ao interior. 

“Além disso, foi bem visível a mudança na saúde da população que queimava o lixo, devido à falta de coleta na área ribeirinha. Hoje, graças a Deus, temos a coleta seletiva de resíduos na comunidade”, diz Farias.

‘As empresas poderiam colaborar desenvolvendo programas de reciclagem e reutilização de materiais, além de investir em tecnologias mais sustentáveis.’

Há um ponto extremamente importante na discussão: além de apontar o dedo para governos e comunidades, é preciso incluir empresas privadas como outro agente a ser responsabilizado pela poluição e adoecimento da população. 

Um estudo na revista Science Advances, o Global Producer Responsibility for Plastic Pollution, mostrou que, a cada 100 resíduos plásticos recolhidos na natureza, 12 traziam as marcas Coca-Cola, PepsiCo, Nestlé, Danone e Altria/Philip Morris International (coleta entre 2018 e 2022). 

Como mostra esse texto da Climainfo, apenas metade do lixo plástico recolhido no período teve sua marca identificável, assim o percentual de poluição dessas grandes marcas dobra, chegando a 24%.

“As empresas poderiam colaborar desenvolvendo programas de reciclagem e reutilização de materiais, além de investir em tecnologias mais sustentáveis. Elas também poderiam trabalhar em parceria com a comunidade e o poder público para desenvolver soluções conjuntas para o problema do lixo”, diz Farias.

Obviamente, o enorme problema do lixo não é uma marca somente de Cametá: na região Norte que receberá a COP 30 em novembro, a porcentagem de resíduos com disposição inadequada em 2022 foi de 63,4%, o que significa  3.240.105 toneladas de lixo por ano

Dos 450 municípios nortistas que dispõem de alguma forma de disposição final em seu território, 354 são considerados ambientalmente inadequados, segundo informa a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Os dados fazem parte do estudo “Caracterização analítica da realidade dos “lixões” municipais na Amazônia paraense”, disponível aqui.

Os lixões, infelizmente, continuam bombando: de acordo com os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento, o SNIS, entre os 144 municípios do estado do Pará, 127  informam sobre o manejo dos resíduos sólidos. 

Deles, 99 ainda utilizam lixões como forma de disposição final de resíduos sólidos urbanos. No fim, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei n° 12.305/2010) continua em grande parte sendo tão real quanto a vitória régia sobre a qual Mariah vai cantar.

Para saber mais: A pesquisadora Tatiana Brito Guimarães Braga realizou o necessário estudo Lixões nas cidades: o perverso encontro entre resíduos sólidos e crianças. O caso do lixão do Bairro das Flores em Benevides, Estado do Pará.

Temos uma oportunidade, e ela pode ser a última:

Colocar Bolsonaro e seus comparsas das Forças Armadas atrás das grades.

Ninguém foi punido pela ditadura militar, e isso abriu caminho para uma nova tentativa de golpe em 2023. Agora que os responsáveis por essa trama são réus no STF — pela primeira e única vez — temos a chance de quebrar esse ciclo de impunidade!

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