Ações estratégicas para a trama golpista ocorridas durante e depois das eleições de 2022, das blitzes ilegais da Polícia Rodoviária Federal à minuta do golpe, estarão em evidência nesta terça-feira, 15, no Supremo Tribunal Federal, quando a Primeira Turma do STF define se mais seis denunciados pela Procuradoria-Geral da República, a PGR, vão se tornar réus.
A atuação do chamado “núcleo 2” da trama golpista envolve personagens presentes em diferentes etapas do plano da tentativa de golpe, de acordo com a PGR, e exemplifica como os diferentes grupos interagiam entre si para impedir que Luiz Inácio Lula da Silva voltasse ao poder.
Fazem parte deste núcleo: Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF; Mário Fernandes, general do Exército e ex-secretário da Secretaria-Geral da Presidência no governo de Jair Bolsonaro; Filipe Martins e Marcelo Câmara, ex-assessores de Bolsonaro; Marília de Alencar, ex-subsecretária de Segurança do Distrito Federal; e Fernando de Sousa Oliveira, ex-secretário-adjunto de Segurança do DF.
Indícios que vão bem além da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, mostram a conexão entre as blitzes ilegais da PRF durante o segundo turno, a confecção da minuta do golpe, o monitoramento do ministro do STF Alexandre de Moraes pela Agência Brasileira de Inteligência, no que foi chamado de ‘Abin paralela’, e o assessoramento de líderes dos acampamentos golpistas em Brasília.
Esse núcleo é acusado pela PGR de coordenar a polícia para sustentar a permanência ilegítima de Bolsonaro no poder e realizar ações de monitoramento e planejamento de assassinar autoridades públicas, além de atuar na elaboração e apresentação do projeto de decreto que implementaria medidas excepcionais no país.
Os crimes atribuídos a eles são organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, deterioração de patrimônio tombado.
Mensagens revelaram articulação na PRF
Três dos seis denunciados pela PGR se conectaram, segundo a denúncia, em uma articulação envolvendo a atuação da Polícia Rodoviária no segundo turno das eleições presidenciais de 2022: Fernando de Souza Oliveira, Marília Alencar e Silvinei Vasques.
Uma perícia da PF no celular do delegado federal Oliveira revelou a existência de um grupo de WhatsApp intitulado “Em Off”, onde, segundo as investigações, foi articulado parte do plano de intensificar blitzes da PRF em regiões onde havia um maior eleitorado de Lula.
Foi neste grupo que a então diretora de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas, vinculada ao Ministério da Justiça, delegada Marília, escreveu as seguintes mensagens: “Belford Roxo o prefeito é vermelho precisa reforçar PF” e “menos 25.000 votos no 9”.
LEIA TAMBÉM:
- Bolsonaro, Heleno, Braga Netto e Costa Neto: quem são os indiciados por tentativa de golpe
- Denúncia da PGR é incontestável e enterra a esperança dos golpistas
Oliveira era diretor de Operações do Ministério da Justiça na época. Ele e Marília migraram para o governo do Distrito Federal no começo de 2023 para atuar na Secretaria de Segurança Pública, sob comando de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e que se tornou réu junto com o ex-presidente após decisão do STF no dia 26 de março.
Ambos também são acusados pela PGR de omissão diante da invasão das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. De acordo com as investigações, Oliveira e Marília receberam relatórios sobre as intenções dos golpistas de “tomar o poder”, mas não teriam tomado a atitude esperada.
Nesse mesmo grupo “Em Off”, Marília comentou sobre uma reunião em 19 de outubro de 2022, quando, segundo a denúncia, o então diretor da PRF, Silvinei Vasques, tratou com o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, sobre o policiamento direcionado no segundo turno.
O redator e o mais radical de Bolsonaro
Os outros três que podem se tornar réus nesta terça-feira são citados na denúncia da PGR em diferentes episódios. O ex-assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, esteve no Palácio do Alvorada pelo menos duas vezes no final de 2022 para tratar do que foi chamado de minuta golpista.
Essa presença foi confirmada tanto pela delação de Mauro Cid quanto por depoimento do então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e por registros de visitantes no Palácio da Alvorada, residência oficial do então presidente Jair Bolsonaro.
Em uma reunião realizada em 7 de dezembro de 2022, aponta a denúncia da PGR, o próprio Martins fez a leitura do decreto, expondo os supostos fundamentos técnicos para o golpe. Martins, vale lembrar, já foi condenado por incitar racismo. O seguidor de Olavo de Carvalho fez um gesto supremacista branco durante uma sessão do Senado, em 2021.
Já o ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência de Bolsonaro, o general da reserva Mário Fernandes, e o ex-ajudante-de-ordem de Bolsonaro, coronel Marcelo Câmara, foram denunciados por terem atuado no monitoramento e em outras ações no plano para neutralizar autoridades.
Fernandes, que é apontado por Cid como o militar mais radical entre os golpistas, é o que teve um HD externo apreendido pela PF com o documento chamado “Planejamento Punhal Verde Amarelo”, em que é descrita uma trama cujo objetivo, de acordo com a PGR, era assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Moraes.
O general descreve em mensagens para Cid debates que alega ter tido pessoalmente com o ex-presidente sobre o momento ideal para o golpe. Além disso, Fernandes frequentava pessoalmente o acampamento golpista no QG do Exército em Brasília e orientava diretamente as lideranças do movimento.
Em uma das ocasiões, segundo a denúncia, ele tentou intervir em uma busca e apreensão que aconteceria em caminhões dos acampados, chegando a enviar pedidos de ajuda para Cid e para o ex-ministro da Defesa à época, Walter Braga Netto, que já virou réu pela trama golpista no fim de março.
Câmara, por sua vez, trocava mensagens de WhatsApp com Cid informando em tempo real o itinerário Alexandre de Moraes. O apelido do ministro do STF era “professora”, de acordo com as investigações. O monitoramento começou a pedido de Bolsonaro, revelou Cid em sua delação.
Os investigadores da PF cruzaram as informações repassadas pelo coronel e confirmaram o esquema de espionagem. “As investigações apuraram que as informações de Marcelo Câmara coincidem exatamente com o roteiro percorrido à época pelo Ministro Alexandre de Moraes, escreveu a PGR na denúncia.
Próximos passos
No próximo mês, o Supremo Tribunal Federal vai julgar a denúncia referente a outros dois núcleos da trama golpista.
O núcleo quatro, que será julgado em 6 e 7 de maio, é acusado de organizar operações estratégicas de desinformação. Segundo a PGR, as sete pessoas desse núcleo foram responsáveis por propagar notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizar ataques virtuais a instituições e autoridades que ameaçam os interesses dos golpistas.
Já o núcleo três da trama golpista, que será julgado em 20 e 21 de maio, é formado por 11 militares e um agente da Polícia Federal. Esse grupo foi responsável por promover ações táticas para convencer e pressionar o Alto Comando do Exército a dar o golpe.
Temos uma oportunidade, e ela pode ser a última:
Colocar Bolsonaro e seus comparsas das Forças Armadas atrás das grades.
Ninguém foi punido pela ditadura militar, e isso abriu caminho para uma nova tentativa de golpe em 2023. Agora que os responsáveis por essa trama são réus no STF — pela primeira e única vez — temos a chance de quebrar esse ciclo de impunidade!
Estamos fazendo nossa parte para mudar a história, investigando e expondo essa organização criminosa — e seu apoio é essencial durante o julgamento!
Precisamos de 800 novos doadores mensais até o final de abril para seguir produzindo reportagens decisivas para impedir o domínio da máquina bilionária da extrema direita. É a sua chance de mudar a história!
Torne-se um doador do Intercept Brasil e garanta que Bolsonaro e sua gangue golpista não tenham outra chance de atacar nossos direitos.