Imprensado entre a revelação da “lista de Fachin” e um feriadão de Semana Santa, o dia ganhou contornos de quarta-feira de cinzas em Brasília. A capital se tornou um deserto de almas penadas. Sobrou a imprensa para cobrir o rastro de terra arrasada, e os assessores dos políticos para tentar minimizar as denúncias. Poucos parlamentares se arriscaram a aparecer. Uns vestidos à paisana, de calça jeans e camisa social, outros com o tradicional terno e gravata chegaram cedinho ao Congresso Nacional, bateram ponto para registrar presença no painel eletrônico do plenário e foram embora logo em seguida.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), citado por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro, nem se deu ao trabalho de ir ao Congresso. Viajou cedo para sua terra natal, o Rio de Janeiro. Eunício Oliveira, presidente do Senado e que será investigado por supostamente ter recebido R$ 2 milhões em propina, tomou chá de sumiço e também não deu as caras. As poucas comissões que ainda chegaram a funcionar tiveram que ser interrompidas por falta de quórum.
A ordem no Planalto é tocar a vida e seguir com a tramitação das reformas.
Ainda é incerto qual será o real impacto que os inquéritos terão na base aliada do governo quando os parlamentares retornarem ao trabalho, apenas na segunda-feira (17). Alguns dos nomes mais poderosos que dominam o país serão investigados, após terem sido citados nas delações da empreiteira Odebrecht. Além de Maia e Eunício, a lista, que aparenta mais um prontuário, traz ex-presidentes do Brasil, líderes partidários, governadores, deputados, senadores. Por enquanto, a ordem no Planalto é tocar a vida e seguir com a tramitação das reformas da Previdência, Trabalhista e Política.
Fuga em massa
Assim que o conteúdo da lista foi revelado, no final da tarde de terça-feira (11), a Câmara e Senado foram esvaziados às pressas. Entre a vergonha e o medo, grande parte dos políticos preferiu não se manifestar publicamente em meio à onda de denúncias. O painel do plenário da Câmara, que até as 16h desta terça registrava mais de 430 deputados presentes, passou a contabilizar 150 poucos minutos depois. A falta de quórum fez com que fosse adiada pela quinta vez a votação do projeto de recuperação fiscal dos Estados que estava previsto na pauta da Casa.
Na manhã desta quarta, do púlpito, a voz rouca e solitária do deputado Chico Alencar (PSOL/RJ) pregava para cadeiras vazias e meia dúzia de presentes. Ao The Intercept Brasil, Alencar regozijava-se porque, até agora, nenhum deputado do partido constava como investigado na “lista de Fachin”. “Nosso estatuto proíbe, desde antes da proibição do financiamento empresarial, o recebimento de recursos de campanha para o próprio partido e ao candidato, por parte de empreiteiras. Os que dizem que estão sendo julgados injustamente certamente não terão problema em liberar seus sigilos fiscal, bancário e telefônico”, provocou.
“Os que dizem que estão sendo julgados injustamente certamente não terão problema em liberar seus sigilos fiscal, bancário e telefônico.”
Pelo Salão Verde, da Câmara, e o Salão Azul, do Senado, a movimentação desta quarta era em maioria de assessores e jornalistas que buscavam alguém que pudesse comentar a sensação do dia seguinte à “lista de Fachin”.
No cronograma de Brasília a tendência é que, daqui para frente, tenhamos sessões esvaziadas com poucos políticos querendo dar as caras. Além da Semana Santa, outros dois feriados nas próximas duas semanas derrubarão a frequência no Congresso. No total, serão cerca de 20 dias em que a capital da República já estaria normalmente esvaziada. Agora, com a temida lista de encrencados, muito mais.
Não resta dúvidas em Brasília que o Poder Legislativo sairá enfraquecido para defender as duras propostas do governo, como as reformas da Previdência e Trabalhista, ainda mais quando os presidentes destas comissões e seus respectivos relatores estão enrolados até o pescoço nas denúncias.
Com a crescente impopularidade do presidente Michel Temer, e com um Congresso empareado mediante o avanço das investigações, a tendência daqui para frente é que o Palácio do Planalto atue para realinhar as forças de sua base política. Caso aconteça alguma demissão dos mais encrencados, o resultado acarretará em mais desgaste para o governo.
Logo após a divulgação da lista, Temer chamou ao Planalto para uma conversa o ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB/PR), o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o líder do governo no Congresso Romero Jucá (PMDB/RR), e Moreira Franco, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República. Na manhã desta quarta, arranjou um evento voltado às deputadas mulheres para tentar criar um clima de aparente normalidade.
Com a Lava Jato e a “delação do fim do mundo”, que está dizimando uma geração de caciques políticos, os perfis da antipolítica ganham força. Isso porque, na política, dificilmente os espaços ficam vazios – Dilma Rousseff que o diga. Se as investigações terão um impacto real ao ponto de desorganizar a base política de Michel Temer, ainda é cedo para afirmar. Mas, para 2018, a janela para os “João Dorias” e “Bolsonaros” foi escancarada. É capaz que o cinismo e o discurso raso da antipolítica vençam. O tempo dirá.
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