Mehdi Hasan

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Após a demissão de James Comey, quem irá frear a ditadura meia-tigela de Trump?

O sistema de pesos e contrapesos dos EUA está desequilibrado. Os republicanos, os democratas, os tribunais e a mídia não vão parar Trump.

WASHINGTON, DC - FEBRUARY 17:  FBI Director James Comey leaves the Capitol after a meeting February 17, 2017 on Capitol Hill in Washington, DC. Comey met with Senate members for a closed door meeting at the Capitol.  (Photo by Alex Wong/Getty Images)

“Você está demitido!” Isso é o que Trump bradaria de sua cadeira na sala de reuniões ao final de cada episódio de “O Aprendiz”. Por anos, milhões de norte-americanos sorriam, riam e até comemoravam na frente da TV enquanto o proprietário magnata falava seu bordão.

Mas essa semana não há muito do que rir. A demissão do diretor do FBI, James Comey, pelo presidente Trump será lembrada como um dia sombrio e deprimente na descida ladeira abaixo da democracia norte-americana. É difícil discordar da avaliação mordaz do analista legal da CNN Jeffrey Toobin, que descreveu o acontecimento como um abuso grotesco de poder.  “Esse é o tipo de coisa que acontece em democracias”, ele disse ao apresentador Wolf Blitzer em um vídeo que, merecidamente, tornou-se viral. “Eles demitem quem está responsável pelas investigações.” Toobin continuou: “Isso é algo que não faz parte da tradição política norte-americana. (…) Isso não é normal, não é política normal”.

Não é, realmente, nada “normal” remover o líder do FBI de seu cargo em menos de quatro meses de presidência — e um chefe da FBI que foi creditado por dar a vitória a esse presidente, surpreendendo as probabilidades. Temos de voltar até 1993 para encontrar a última — e única — vez em que um presidente (William J. Clinton) decidiu demitir seu chefe do FBI (William S. Sessions). E esse último, diferentemente de Comey, foi acusado de uma longa lista de violações de ética bizarras, incluindo, como noticiou o Washington Post na época, “cobrar do governo por viagens pessoais”, desviar aviões do FBI para buscar sua esposa, Alice Sessions, em outras cidades, e utilizar carros do FBI para ‘levá-la para fazer as unhas’”.

Tampouco é normal um presidente norte-americano enviar seu chefe de segurança privada de longa data e antigo guarda-costas para entregar em mãos uma carta de demissão a seu chefe do FBI. Há ditadores meia-tigela na África que teriam evitado tais feitos simplesmente para não causar uma impressão errada. O Trump Meia-Tigela, contudo, não se importou (seu brutal chefe de segurança, Keith Schiller, não nos esqueçamos, passou a campanha presidencial agredindo manifestantes latinos e manipulando os repórteres latinos em nome de seu chefe).

A procuradora-geral Sally Yates também foi despedida por Trump via carta entregue em mãos. O procurador dos EUA do distrito sul de Nova York, Preet Bharara, foi mandado embora por Trump após ter negado se demitir. O que Comey, Yates e Bharara têm em comum? “Todos estavam investigando Trump quando foram demitidos, e há um dedo da Rússia em todos esses casos”, observa Shannon Vavra da Axios.

“Você está demitido!” É assim que Trump Meia-Tigela lida com quem o faz prestar contas. Não podemos dizer que não fomos avisados. Afinal de contas, ele nunca escondeu suas inclinações autoritárias, seu desrespeito descarado pelas normas políticas, legais e sociais.

This handout image released on May 9, 2017 by the White House shows a copy of the termination letter from US President Donald Trump to FBI Director James Comey, May 9, 2017 in Washington, DC.US President Donald Trump on Tuesday, May 9, 2017 fired his FBI director James Comey, the man who leads the agency charged with investigating his campaign's ties with Russia -- a move that sent shockwaves through Washington. / AFP PHOTO / The White House / THE WHITE HOUSE / XGTY== RESTRICTED TO EDITORIAL USE / MANDATORY CREDIT: "AFP PHOTO / THE WHITE HOUSE" / NO MARKETING / NO ADVERTISING CAMPAIGNS / DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS == (Photo credit should read THE WHITE HOUSE/AFP/Getty Images)

Esta imagem, liberada em 9 de maio de 2017 pela Casa Branca, mostra uma cópia da carta de demissão do presidente Trump para o diretor do FBI, James Comey.

Foto: The White House/AFP/Getty Images

Trump, o proprietário magnata, criticou Mikhail Gorbachev por não responder aos manifestantes antissoviéticos com mão firme o suficiente, enquanto contemplava com admiração o show chinês de “força” contra os manifestantes da praça Tiananmen em 1989.

Trump, o candidato à presidência, elogiou Vladimir Putin como um presidente que “tem sido muito mais líder do que nosso presidente [Obama] tem sido” e que tem “grande controle sobre seu país”.

Trump, o presidente, em seu primeiro discurso à nação, fez sua melhor performance do supervilão Bane de “Batman: o Cavaleiro das Trevas”, com uma fala distópica sobre a “carnificina norte-americana”, enquanto prometia “tornar os EUA fortes novamente”. No Twitter, referiu-se à mídia como um “inimigo dos norte-americanos” e denunciou um “suposto juiz” que ousou agir contra sua “proibição muçulmana”.

É de se admirar que especialistas em autoritarismo e fascismo nos estejam alertando há vários meses? Ouçamos Ruth Ben Ghiat, professora de história da Universidade de Nova York, autora de um livro sobre a ascensão de Mussolini na Itália pré-guerra. Trump “é um autoritarista que tem a habilidade de esticar os limites da democracia até algo irreconhecível”, disse em meu programa Al Jazeera English em fevereiro,.

Será que nos surpreende comentadores estarem invocando o infame “Massacre de sábado à noite” do presidente Richard Nixon, no qual ele demitiu o promotor especial de Watergate, Archibald Cox? Vamos ouvir John Dean, ex-conselheiro de Nixon na Casa Branca, que acredita que Trump é muito pior do que Nixon e disse a The Atlantic em janeiro: “A presidência dos EUA nunca esteve aos caprichos de uma personalidade autoritária como a de Donald Trump”.

Com Nixon, os pesos e contrapesos funcionaram. Ele foi detido. Eventualmente. Quem vai parar Trump Meia-Tigela? Os republicanos do Congresso? Você está brincando, certo? Eles têm marcharam em parceria partidária com seu Querido Líder desde que ele ganhou a indicação presidencial de seu partido no último verão.

Considere o tratamento deles esta semana com Yates, que testemunhou na frente do Senado nessa segunda-feira. O senador Ted Cruz, cuja esposa foi chamada de feia por Trump e cujo pai ele acusou de conluio no assassinato de JFK, decidiu atacar Yates em nome do presidente por causa de sua recusa em defender a “proibição muçulmana” de Trump no tribunal.

A senadora Lindsay Graham, a qual Trump chamou de “incompetente” e de uma “vergonha”, decidiu dar eco a um ponto-chave do discurso de Trump ao perguntar a Yates quem divulgou informações confidenciais sobre laços do ex-conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn com a Rússia, em vez de perguntar sobre o teor desses laços.

Esses são os representantes eleitos em cujas mãos está o destino da República dos Estados Unidos? Sério? Quem irá parar Trump Meia-Tigela? Os democratas? Eles farão fila para aparecer na MSNBC e exigir um promotor especial; eles podem até se tornar ousados o suficiente para falar em impeachment. Mas eles são a minoria partidária em ambas as câmaras. Não têm votos o suficiente para exigir nada. Nem mesmo têm muita credibilidade aos olhos do público — uma pesquisa recente revelou que os democratas são menos populares do que os republicanos, o vice-presidente Mike Pence e o próprio Trump.

Quem vai parar o Trump Meia-Tigela? Os tribunais? Aqui e ali, talvez, mas depois de um ou até dois mandatos? E à medida que os poderes de patronagem do presidente começam? Duvido. Lembrem-se: O efeito Trump no Judiciário dos EUA vai muito além da nomeação do ultraconservador Neil Gorsuch para a Suprema Corte. Trump herdou mais de 100 vagas judiciais de Obama, mais que o dobro do número de vagas que Obama herdou de Bush em 2009.

Quem vai parar o Trump Meia-Tigela? A mídia dos EUA? Dá um tempo! Grande parte do chamado quarto poder se envergonhou com a cobertura aduladora e deferente do presidente; a mídia de TV fechada vê Trump menos como uma ameaça à democracia e mais como uma vaca leiteira e uma bênção das cifras. Nas últimas semanas, o âncora do CBS Sunday Morning, John Dickerson, foi escoltado para fora do Salão Oval após perguntar a Trump algo de que ele depois não gostou, enquanto Van Jones e Fareed Zakaria, da CNN, se atropelaram para declarar que Trump era “presidenciável” porque tinha um bom discurso e lançou alguns mísseis na Síria.

Os pesos e contrapesos americanos estão descontrolados. A demissão do diretor do FBI é apenas o início. Haverá mais demissões; mais corrupção política; mais abusos de poder. E, mais uma vez, não podemos dizer que não fomos avisados. Trump Meia-Tigela, John Dean alertou em janeiro, “vai testar nossa democracia de forma nunca antes vista”. Se a democracia norte-americana está apta a esse teste, aí é uma outra questão.

Foto do título: Diretor do FBI James Comey deixa o Capitólio após uma reunião em 17 de fevereiro de 2017, em Washington, D.C.

Tradução: Fernando Fico

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