Apesar da bolsa de apostas, ninguém sabe o que sairá do julgamento da chapa Dilma-Temer, que recomeça hoje, no TSE. Afinal, o tribunal nunca julgou o mandato de um presidente da República. Mas mesmo se Michel Temer for afastado, não há clareza sobre o roteiro da nova tragicomédia que se desenrolaria na vida política nacional. As discussões, contudo, vão por dois caminhos.
O primeiro, seria seguir o artigo 81 Constituição que especifica o que se deve fazer no caso de vacância da Presidência e da Vice-Presidência na segunda metade do mandato: “a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”. Ou seja, o novo presidente seria escolhido por aquele pessoal que vota em público pela esposa, enquanto envia juras de amor à amante.
O segundo caminho, seria seguir a lei 13.165 do Código Eleitoral, que diz que, se os mandatários forem cassados pela Justiça Eleitoral, o pleito só seria indireto nos últimos seis meses do mandato. Antes disso, a população deveria escolher o novo líder por voto direto. Há, portanto, um conflito entre Constituição e Código Eleitoral.
Para resolvê-lo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pedindo ao Supremo que essa parte do Código Eleitoral, promulgado em 1995, seja desconsiderada. Afinal, é senso comum que, quando há conflito, a Constituição vale mais.
A UERJ pediu que o Supremo faça uma interpretação diferente da Constituição que permita eleições diretas.
Há, contudo, uma terceira via, trazida pela Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ. A entidade se meteu na ação de inconstitucionalidade de Janot usando um expediente legal chamado amicus curiae, algo como um aconselhamento externo com o intuito de defender a correta interpretação da lei. Dessa forma, a UERJ pediu que o Supremo faça uma interpretação diferente da Constituição que permita eleições diretas.
“Acho que a Constituição pode ser interpretada de maneira compatível com o Código Eleitoral. Não está se discutindo o que vale mais. Todo mundo sabe que a Constituição vale mais”, disse o advogado responsável pela Clínica da UERJ, Daniel Sarmento. “Eu estou postulando que se adote uma interpretação da Constituição restritiva dessa cláusula que é uma exceção à eleição direta.”
Certo. E em português o que significa isso? Basicamente, que é possível considerar que um determinado texto legal foi além do que quem o escreveu pretendia e acabou se contrapondo a uma lei mais importante. Neste caso, ao determinar como serão as eleições no caso de dupla vacância, a Constituição estaria contrariando um direito maior, de o povo escolher seu líder. O tribunal, portanto, poderia desconsiderar esse trecho.
Segundo Sarmento, foi isso que fez o Código Eleitoral: “O legislador disse: ‘olha, essa regra das eleições indiretas não se aplica quando a eleição for inválida. O povo tem direito de escolher de novo’. Por isso eu sustento que a eleição pode ser direta nos termos da lei.”
Seguindo essa linha de argumentação, não há nada que impeça nossos deputados e senadores de simplesmente chamarem a população às urnas.
Há, ainda uma segunda linha de argumentação, trazida pela UERJ, ancorada no fato de que todo o poder deveria emanar do povo, de que o Congresso é o representante desse povo e, como tal, pode sempre ouvir o representado.
Seguindo essa linha de argumentação, não há nada que impeça nossos deputados e senadores de simplesmente chamarem a população às urnas. Seria como um plebiscito, mas em vez de se votar regras para a comercialização de armas de fogo, escolher-se-ia (uma mesóclise em homenagem a Temer) um novo presidente.
“Eu acho que a Constituição tem de ser seguida sempre. Não estou indo contra ela. Eu estou é adotando uma interpretação que leva em conta um dos princípios mais importantes da Constituição que é a soberania popular”, disse Sarmento.
A pauta proposta pela UERJ já foi liberada pelo ministro relator do Supremo Luís Roberto Barroso. Ainda não há data para votação em plenário, mas, segundo Sarmento, se Temer for de fato cassado, o assunto deve ganhar urgência.
A ameaça do norte
Além das delações, malas de dinheiro, de todos os amigos, ministros e apoiadores processados, presos, e flagrados nas mais tenebrosas transações, Temer ganhou mais um motivo para não dormir à noite. A cassação do mandato do governador do Amazonas, José Melo (Pros), e de seu vice, Henrique Oliveira (SD), por compra de votos.
O processo foi aberto a pedido da chapa derrotada, depois que uma assessora de Melo foi flagrada no comitê de campanha com mais de R$ 7 mil em dinheiro, além de uma planilha com o nome dos eleitores e o montante a ser destinado a cada um. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) determinou a cassação, mas o governador, claro, disse que não sabia de nada, não tinha nada com aquilo, não podia ser responsabilizado pela ação de seus assessores e recorreu ao TSE.
A estratégia não colou. O TSE confirmou a decisão da primeira instância por 5 votos a 2. Determinou que a dupla fosse afastada, que o presidente da assembleia assumisse o governo (o que ocorreu no último dia 9) e que fossem realizadas novas eleições (o que ocorrerá no dia 6 de agosto).
Dado importante: dos dois votos contrários à cassação, um foi de Admar Gonzaga, o primeiro ministro indicado por Temer para o TSE; outro foi de Luciana Lóssio, recentemente substituída pelo segundo magistrado indicado pelo Conde. Ou seja, os cinco magistrados que votaram pela cassação e pelas eleições diretas continuam no TSE.
Bom, então a cassação do presidente e as eleições diretas são uma barbada, certo? Não exatamente. O fato de o TSE confirmar a cassação de governador e vice, de fato, é um indicativo importante de que ele poderia agir da mesma forma no caso de Dilma-Temer. Já na questão diretas ou indiretas, a coisa não é automática.
Porque, como a Constituição não fala nada sobre a vacância nos cargos de governador e vice, a decisão referente ao Amazonas foi baseada no texto do Código Eleitoral, que determina novas eleições até seis meses antes do fim dos mandatos cassados. Voltamos, portanto, ao conflito narrado lá em cima, e ao suspense e à incerteza que já parecem inerentes à política nacional e que devem ficar no horizonte por um bom tempo ainda.
Afinal, há que se considerar a possibilidade, já aventada pelo boquirroto ministro Gilmar Mendes de um pedido de vista que protele a coisa sabe-se lá até quando. E mesmo na improvável hipótese de o processo correr com celeridade e de Temer ser cassado, cabem recursos diversos, que podem permitir uma vida longa à zumbilândia republicana.
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