O congresso mais conservador desde 1964 cumpriu o papel que lhe cabia na Operação Estanca Sangria e enterrou a primeira denúncia por corrupção passiva da história do país contra um presidente da República. A cova é a mesma onde foi enterrada a democracia no ano passado, quando uma presidenta eleita foi deposta não por tentar comprar o silêncio de um criminoso ou por ter assessor flagrado carregando mala com propina, mas pelo hediondo crime das pedaladas fiscais.
A grande maioria dos deputados que votou pela varrição da sujeira do presidente para debaixo do tapete, havia votado para derrubar a ex-presidenta. É sempre bom lembrar como essa base de apoio herdada por Temer começou a ser construída. Às vésperas das eleições de 2014, Cunha, com ajuda de Padilha e do doleiro Funaro, teria financiado 140 deputados com dinheiro de propinas da Odebrecht para formar uma bancada com o objetivo de elegê-lo presidente da Câmara – tudo isso foi revelado por José Yunes, ex-assessor especial e amigo de Temer há mais de 50 anos. A história foi confirmada por Joesley Batista em delação e interlocutores de Funaro garantem que o doleiro fará o mesmo. Cunha foi eleito com o voto de 267 deputados. Temer se livrou da denúncia com 263.
Enfraquecido pelas denúncias e com a popularidade nas canelas, Temer viu sua base ameaçar debandada e usou despudoradamente a máquina pública para mantê-la. Arregaçou os cofres para atender qualquer demanda de qualquer deputado, distribuiu cargos, recebeu o baixo clero em seu gabinete, ameaçou traidores, enfim, fez o diabo. Tratam-se de práticas recorrentes na política brasileira, o ineditismo fica por conta do presidente tê-las utilizado unicamente para se safar de um julgamento por crime comum. E se safou.
Rodrigo Maia, que chegou a articular nos bastidores uma traição, não resistiu ao rolo compressor governista e considerou prudente não pular do barco. Chorou na frente dos colegas de bancada e disse que sofreu muita pressão nos últimos meses. Até sua mãe mandou mensagem pedindo que ele não conspirasse contra Temer. Aí não tinha como mesmo. Decidiu não ser o Cunha da vez e trabalhou pelo engavetamento da denúncia.
Quem reagiu muito bem ao acobertamento da lama do presidente foi o mercado e o alto empresariado. A bolsa subiu, o dólar caiu.
O Financial Times tratou o engavetamento como uma “vitória histórica de Michel Temer” que trará “novas esperanças a investidores” de que o presidente “dará continuidade ao empacado programa reformas econômicas”.
Presidida por Skaf – correligionário de Temer citado na Lava Jato – a FIESP também ficou felizona. Depois de participar intensamente da derrubada de Dilma, chegando a comprar anúncios gigantescos em jornais e servir filé mignon para manifestantes, Skaf passou a dizer durante o governo Temer que não cabia à entidade discutir política. Mas eles não puderam conter a felicidade e comemoraram a “superação de mais uma etapa da crise” nessa nota oficial:
A Band demonstrou mais uma vez sua fidelidade canina a Temer e, nas vésperas da votação, deu voz aos empresários e especialistas que consideram um grande passo para o Brasil não autorizar abertura de investigação de um presidente denunciado por corrupção passiva. Essa reportagem, cuja manchete é “Por avanços, empresários defendem permanência de Temer”, é uma demonstração de carinho tão grande que equivale a uma tatuagem com o nome do presidente no ombro. De henna, é claro.
O mercado financeiro reagiu bem à expectativa de que o presidente Michel Temer seguirá na presidência do Brasil. pic.twitter.com/TPLo9DKsLu
— Jornal da Band (@jornaldaband) 3 de agosto de 2017
Essa gente boa que até há pouco tempo estava disposta a passar o Brasil a limpo e combater a corrupção a todo custo, agora se preocupa em manter um presidente que já lhes entregou a reforma trabalhista e promete entregar a previdenciária – rejeitada pela maioria da população e que jamais seria avalizada pelas urnas. 2018 é logo ali e eles têm pressa. Não querem perder esta oportunidade única de cumprir seus objetivos antes daquele dispositivo democrático e inconveniente chamado eleição. Toda aquela indignação de outrora contra a corrupção agora murchou como o pato inflável da FIESP. A coluna de Arnaldo Jabor no dia seguinte à votação resume a lógica da turma:
“Não sei se (o arquivamento da denúncia) foi bom ou não. Mas certamente acho que foi mais prático, mais simples. (…) Essa crise foi produtiva para conscientizar a população sobre a urgência de reformas que, de fato, transformem a realidade brasileira. Pode ser que tudo isso também motive o presidente Michel Temer a deixar um legado para o país.”
A Globo se manteve firme no objetivo de derrubar mais um presidente que ajudou a colocar no poder e foi a única a transmitir ao vivo a votação histórica em rede nacional. Deixou inclusive de exibir novelas e o Jornal Nacional, um fato raríssimo. Todas as outras emissoras não deram a mesma importância – bastante diferente da igualmente histórica votação do impeachment de Dilma, exibida ao vivo por todas emissoras, exceto o SBT. Talvez seja porque uma pedalada fiscal dê mais audiência que transportar mala com meio milhão em propinas.
Apesar de haver menos holofotes, mais uma vez os deputados deram o seu show de horror. Se na votação do impeachment de Dilma recorreram a Deus, à família brasileira e ao combate à corrupção, e não às pedaladas fiscais, para justificar seus votos, agora também recorreram a outros motivos alheios à denúncia da PGR, como a aprovação de reformas e a manutenção de uma estabilidade econômica que não existe.
E, assim, o bonde do golpe vai concluindo seus principais objetivos com sucesso: implantar na marra um plano de governo de centro-direita que foi rejeitado por quatro vezes seguidas pelas urnas, estancar a sangria e delimitar a Lava Jato onde está. Apesar dos percalços no caminho, tudo parece estar se ajeitando favoravelmente. Nem Aécio será comido.
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