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Fundo partidário movimentou R$ 3,2 bilhões nos últimos sete anos

Legendas só pagaram R$ 27 milhões em multas por irregularidades entre 2010 e 2016, enquanto processos de análise de contas se arrastam no TSE. Fundo fiscalizado com lentidão.

Plenário da Câmara dos Deputados em dia de discussão do prosseguimento da denúncia contra Michel Temer em 02/08/2017.

Num país com a economia destroçada, que vive como capítulo mais recente da crise o anúncio por parte do governo de um rombo fiscal de R$ 20 bilhões a mais do que o previsto, os deputados voltam a focar suas atenções para as próprias finanças. Com a perspectiva de terem que fazer campanhas enxutas no ano que vem, graças à proibição do financiamento por empresas, nossas excelências correm para aprovar até 4 de outubro uma saída que permita captar mais dinheiro público. Se conseguirem, a nova regra já valerá em 2018.

Enquanto isso, o que já existe em relação ao tema traz um sinal de alerta. Um levantamento feito por The Intercept Brasil no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que, entre 2010 e 2016, o fundo partidário movimentou nada menos do que R$ 3.275 bilhões. Por outro lado, as multas efetivamente pagas pelos partidos por irregularidades no uso desses recursos não passaram de R$ 27.928 milhões (0,8% do total).

Evolução dos recursos do Fundo Partidário

O baixo valor das multas até poderia ser uma indicação positiva, mas a análise dos processos de prestação de contas mostra que os números parecem ter bem mais a ver com o lento processo de fiscalização do que propriamente com o uso correto do dinheiro.

Os dois partidos que receberam as maiores multas nos processos relativos às contas de 2010 foram o PT e o DEM

Como amostra, TIB pesquisou os processos no TSE de 2010 relativos aos 27 partidos que existiam à época. Todos tiveram algum tipo de irregularidade detectado pelo tribunal, mas hoje, em pleno 2017, apenas oito já tinham quitado plenamente os débitos determinados pela Justiça. A maior parte, partidos nanicos ou que foram penalizados com multas ínfimas.

Os dois partidos que receberam as maiores multas nos processos relativos às contas de 2010 foram o PT e o DEM (representado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia): R$ 7 milhões e R$ 4,947 milhões respectivamente. Em junho e abril do ano passado, o TSE condenou as duas legendas a devolver os valores. A lista de irregularidades detectadas no uso do fundo pelo PT tinha mais de 150 itens.

A consulta ao site do TSE, porém, mostra que, apesar dessas decisões, o dinheiro ainda não voltou. Em 2016, até julho (último mês disponível), o tribunal só havia contabilizado R$ 241,3 mil em multas recebidas. Nos processos de 2010, disponíveis na página do tribunal, o do DEM teve sua última movimentação em fevereiro deste ano, seguindo em tramitação. O do PT teve como último movimento o recebimento de um agravo regimental, um recurso impetrado pelo partido, em maio do ano passado.

Evolução das multas pagas pelos partidos por irregularidades em uso do fundo

O que se vê nos processos no TSE é a repetição de muito do que ocorre na Justiça comum. Recursos que estendem o processo por anos a fio. Os partidos usam essa estratégia e, quando não há mais alternativa, muitos recorrem a um pedido de divisão da dívida em suaves parcelas. Nos casos relativos a 2010, ao menos quatro siglas foram por este caminho: PRP, PSC, PSOL e PV. O débito maior entre elas é o do PV: R$ 330 mil, divididos em 36 parcelas, pagas a partir de abril deste ano.

Muitos recorrem a um pedido de divisão da dívida em suaves parcelas

Há ainda casos de partidos que são condenados, mas simplesmente não fazem nada em relação ao pagamento. Pelos dados que constam nos processos, o PCO (com multa de R$ 29 mil) e o PTB (R$ 18,8 mil) simplesmente ignoraram as sentenças. Diante da total falta de resposta, o TSE encaminhou a cobrança para a Advocacia Geral da União (AGU), para que as legendas sejam incluídas na dívida ativa da União.

Outro exemplo emblemático de como os processos se arrastam é o do PP.  Em abril do ano passado, o partido foi condenado a devolver cerca de R$ 1,2 milhão por irregularidades nas contas de 2010. O principal problema, assim como ocorre na maioria dos casos, foi a ausência de comprovação de despesas. O tribunal, porém, segue até hoje tentando notificar representantes do partido. Em junho deste ano, foi emitido um despacho pedindo para que a Corregedoria-Geral Eleitoral tentasse descobrir os endereços de João Pizolatti, Pedro Henry e Gerson Peres, citados na ação.

Emenda de Jucá fez valor do fundo disparar

Os números do fundo partidário mostram que os valores destinados às legendas vêm em trajetória de alta desde 2010, ano em que foram registrados R$ 196,7 milhões. Porém, é na transição de 2014 para 2015 que os recursos dispararam: passaram de R$ 371,9 milhões para R$ 867,5 milhões. No ano passado, foram R$ 819,1 milhões.

Na transição de 2014 para 2015 que os recursos dispararam: passaram de R$ 371,9 milhões para R$ 867,5 milhões. No ano passado, foram R$ 819,1 milhões.

O aumento aconteceu graças a uma iniciativa do senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do orçamento da União em 2015, que introduziu uma emenda de plenário, modificando a proposta vinda do Executivo, ainda comandado por Dilma Rousseff. O governo previu inicialmente R$ 289,5 milhões para o fundo partidário naquele ano.

Naquela época, aliás, Jucá já antecipou a polêmica que agora é a bola da vez: a criação de um fundo eleitoral, com dinheiro público, específico para o financiamento das campanhas. Em entrevista ao “Estadão”, o senador disse ser “preciso ver como se comporta a opinião pública em relação ao financiamento público de campanha”, para o qual ele projetava um valor de R$ 5 bilhões.

O fundo da democracia

Apesar de todas as reações negativas, uma das principais apostas é a criação do Fundo Especial de Fortalecimento da Democracia (FFD), para injetar recursos públicos nas campanhas. Relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 77, uma das que tramitam na Casa a respeito da reforma política, Vicente Cândido (PT-SP) indicou em seu parecer uma previsão de gastos de R$ 3,6 bilhões. Mas já admite rever para “apenas” R$ 2 bilhões ou deixar em aberto o valor para ser discutido a cada ano. Paralelamente, chegaram até a ser pensadas outras alternativas como doações ocultas e afins. Mas as reações negativas fizeram com que a ideia fosse deixada de lado.

A expectativa na Câmara é que a PEC 77 possa ser discutida em plenário a partir da próxima terça (22). Uma outra proposta, que ainda será analisada na Comissão Especial da Reforma Política tem como relatora a deputada Shéridan (PSDB) e prevê mudanças como a cláusula de desempenho para as legendas e o veto às coligações em eleições proporcionais.

Foto em destaque: Plenário da Câmara dos Deputados em dia de discussão do prosseguimento da denúncia contra Michel Temer em 2 de agosto. Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

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