A cidade de Banff, na região nordeste da costa da Escócia, é um lugar tranquilo, com apenas 4 mil habitantes e uma pitoresca baía que deságua em mar aberto. A 80 quilômetros da cidade grande mais próxima, o ar é fresco e o ritmo da vida é lento. A paisagem à beira-mar, porém, não trazia satisfação para um certo rapaz: ele estava estocando armas e planejando uma ação terrorista.
Connor Ward vivia num cinzento edifício geminado a curta distância da marina de Banff, onde dezenas de barcos pequenos estão ancorados, e de onde pescadores zarpam todos os dias em busca de cavalinhas ou trutas-mariscas. Dentro de casa, o jovem de 25 anos estava conectado a outro tipo de mundo. Na internet, lia textos de propaganda neonazista sobre uma iminente guerra racial.
Ward começou a se preparar para o confronto. Comprou facas, bandeiras de suástica, socos-ingleses, bastões, uma arma de choque e um embaralhador de sinal de celular. Ele obteve munição inerte e revirou o Google em busca de informações sobre como ativá-la. De sua casa, em Banff, comprou centenas de esferas metálicas de rolamento e pesquisou métodos de fabricação de bombas. Escreveu uma nota dirigida aos muçulmanos, que dizia: “Todos vocês logo sofrerão sua derrocada”. E então compilou um mapa que mostrava a localização das mesquitas na cidade mais próxima – Aberdeen – que ele parecia ter intenção de atacar.
Em abril, um juiz condenou Ward à prisão perpétua depois de concluir que ele estava planejando um ataque terrorista “catastrófico” e que estava “profundamente comprometido com a ideologia neonazista”. Seu julgamento em Edimburgo durou uma semana e, ao longo desse período, veio à tona que a polícia havia descoberto seus planos por mero acaso, depois de receber uma denúncia anônima de que ele estaria tentando importar armas dos Estados Unidos. Agentes então revistaram sua casa – e a de sua mãe – e descobriram seu vasto arsenal, juntamente com uma coleção secreta de 131 documentos sobre nazismo, terrorismo e fabricação de explosivos.Ward é apenas um indivíduo, mas suas ações refletem uma tendência mais ampla. Autoridades britânicas declaram estar enfrentando atualmente uma crescente ameaça terrorista por extremistas de direita, que cresceram em número nos últimos anos. Fundamentado na ideia de que europeus brancos estejam em extinção, esse pensamento extremista vem se tornando cada vez mais corrente, na esteira de uma onda de ataques islâmicos na Europa e da crise de refugiados que já testemunhou a chegada de milhões de migrantes ao continente, oriundos de países devastados pela guerra, como o Afeganistão e a Síria.
As ideias de extrema direita também cresceram em popularidade em países como Áustria, Alemanha, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, França, Suécia, Hungria e Holanda. O mesmo acontece nos Estados Unidos, onde o governo de Donald Trump deu novo fôlego aos supremacistas brancos. Políticos e ativistas de extrema direita têm conseguido se aproveitar das preocupações sobre a incerteza econômica, o desemprego e a globalização, mas a maior parte da sua base de apoio foi construída sobre as questões da imigração e do terrorismo.
Em junho de 2016, um ato de violência brutal chamou atenção para os perigos em expansão no Reino Unido. Em um vilarejo do norte da Inglaterra, em plena luz do dia, Thomas Mair, um supremacista branco de 52 anos, sacou um rifle de fabricação caseira e matou a tiros a parlamentar Jo Cox. Mair considerava Cox uma “traidora” dos brancos por suas políticas pró-imigração. Seis meses depois, pela primeira vez na história do Reino Unido, um grupo de extrema direita foi proibido por ser considerado uma organização terrorista, ao lado de outros como a Al Qaeda e o Al Shabaab. Desde então, o problema continuou a se agravar.
A polícia britânica alega ter debelado quatro planos de ações terroristas de extrema direita no ano passado. Em um discurso em Londres no final de fevereiro, o chefe da política contraterrorista do Reino Unido, Mark Rowley, advertiu que grupos de extrema direita estavam “alcançando nossas comunidades por meio do uso sofisticado da propaganda e de estratégias subversivas, criando e explorando vulnerabilidades que podem no fim das contas levar a atos de violência e terrorismo. “A polícia estava monitorando extremistas de direita em meio a um grupo de 3 mil ‘pessoas de interesse'”, disse Rowley, e acrescentou: “a ameaça neste momento é considerável”.
Os radicais de extrema direita estiveram ativos no Reino Unido ao longo da maior parte do século XX. Nos anos 1930, Oswald Mosley se inspirou no ditador italiano Benito Mussolini para lançar a União Britânica de Fascistas, também conhecida como Camisas Negras. Em discursos bombásticos para públicos de toda a Inglaterra, Mosley esbravejava contra “a corrupção organizada da imprensa, do cinema, e do Parlamento”, que ele atribuía às “finanças estrangeiras dos judeus”. Mosley fez uma campanha contra a entrada do Reino Unido na guerra contra Adolf Hitler, sob o argumento de que “interesses judeus” estariam impulsionando o conflito; ele defendia que fossem adotadas políticas isolacionistas, com o “Reino Unido em primeiro lugar”. Durante o mesmo período, grupos como a Liga Nórdica e a Liga Fascista Imperial apoiavam abertamente o nazismo. Como Mosley, eram antissemitas, mas iam além e incorporavam o conceito de “raça ariana” criado por Hitler. A Liga Nórdica protestava contra o que chamava de “reinado de terror judeu”. O emblema da Liga Fascista era a bandeira do Reino Unido com uma suástica negra ao centro.
A derrota de Hitler, no entanto, não representou o fim da extrema direita britânica. Ao longo das décadas de 1950 e 1960, grupos como a Liga de Defesa Branca e a Sociedade de Preservação Racial continuaram a adotar uma ideologia de intolerância, difundindo teorias conspiratórias antissemitas e exigindo restrições à imigração. Entre os anos 1970 e 1990, a Frente Nacional e o Partido Nacional Britânico seguiram essa tendência, organizando protestos e campanhas que defendiam a ideia de que todos os imigrantes não brancos deveriam ser deportados do Reino Unido.
Dentre os membros do Partido Nacional Britânico estava David Copeland, assistente de engenharia no metrô de Londres. Copeland tinha crescido com a fantasia de se tornar um oficial nazista. Aos 22 anos, estava aprendendo sozinho a projetar bombas. Em abril de 1999, Copeland realizou uma série de ataques em Londres. Ele colocou mochilas cheias de explosivos e pregos de 10cm em três áreas da cidade onde estavam localizadas comunidades negras, asiáticas e gays. Os explosivos causaram um massacre: mataram três pessoas e feriram 140. Copeland depois disse à polícia que havia tido a intenção de “espalhar medo, ressentimento e ódio pelo país; era para causar uma guerra racial”.
Atualmente, a Frente Nacional e o Partido Nacional Britânico ainda existem como entidades políticas. No entanto, como a maior parte dos antigos grupos de extrema direita, não possuem mais a mesma influência. O número de membros diminuiu, principalmente em razão da falta de liderança e dos conflitos internos. Estão agora sendo substituídos por uma nova leva de extremistas de direita. Os novatos compartilham muitos dos valores de seus antecessores, mas é mais prevalente entre eles um desejo de violência, o que preocupa a polícia e os órgãos de inteligência do Reino Unido.
O grupo que foi proibido como organização terrorista em 2016 – Ação Nacional – já defendeu o assassinato de políticos. Em outubro de 2017, um membro não identificado da organização foi acusado de planejar o assassinato de Rosie Cooper, de 67 anos, parlamentar pelo Partido Trabalhista. A execução planejada teria sido sancionada pelo líder da Ação Nacional, Christopher Lythgoe, de 31 anos. Dois anos antes, em janeiro de 2015, um dos apoiadores da Ação Nacional tentara decapitar um homem asiático em um supermercado no norte do País de Gales, gritando “poder branco” durante um frenético ataque com um facão.
Como a Ação Nacional agora foi tornada ilegal na qualidade de grupo terrorista, ser membro da organização é punível com pena de até 10 anos de detenção. Pelo menos 14 pessoas no Reino Unido já enfrentaram acusações de terrorismo em decorrência de suposta associação ao grupo. Entre elas estão dois soldados do Exército Britânico, incluindo o anspeçada de 33 anos Mikko Vehvilainen, acusado de ser um recrutador da Ação Nacional. Segundo os promotores, Vehvilainen comentava regularmente em um fórum de internet de supremacistas brancos; usando o nome “NicoChristian”, insurgia-se contra os negros, a quem chamava de “animais selvagens”. Em postagens online analisadas pelo The Intercept, NicoChristian escreveu que brancos “não deveriam nem estar no mesmo planeta” que negros, e acrescentou: “Quanto antes eles forem eliminados, melhor”.
Quando a polícia revistou o alojamento de Vehvilainen em um acampamento militar em Gales, em setembro de 2017, encontrou bandeiras nazistas, proteções corporais, e um arsenal que incluía uma espingarda, um rifle, uma balestra, flechas, socos-ingleses, facões e adagas. O soldado também guardava uma cópia do manifesto escrito pelo terrorista de extrema direita Anders Breivik, que em julho de 2011 matou 77 pessoas na Noruega. Quando a polícia apareceu na casa de Vehvilainen para prendê-lo, ele teria dito à sua esposa: “Estou sendo preso por ser um patriota”.
No mês passado, um júri de Birmingham julgou Vehvilainen inocente de incitar ódio racial e possuir um manual terrorista. Ele recebeu, porém, uma condenação a oito anos de prisão por uma ofensa autônoma: possuir ilegalmente gás lacrimogêneo.
Nas extremidades do espectro político, há sempre uma borda de violência. No entanto, “há claramente um aumento de atividade na extrema direita, que pode ser percebido por evidências anedóticas: o tipo de incidentes que já presenciamos”, diz Raffaello Pantucci, diretor de estudos de segurança internacional no Royal United Services Institute, em Londres. “Sempre existiu no Reino Unido (…) mas tendia a ser disperso e desorganizado. O que é mais preocupante atualmente é que estamos vendo ficar mais organizado.”O governo britânico possui um programa de contraterrorismo chamado Prevent [Prevenir]. Um de seus ramos identifica as pessoas consideradas em risco de serem atraídas para o terrorismo, em geral porque foram denunciadas à polícia por expressar posicionamentos extremistas. Desde 2007, segundo as estatísticas da polícia e do governo sobre o programa, o número de pessoas sob risco de envolvimento no terrorismo de direita aumenta a cada ano. Ao longo de cinco anos, entre 2007 e 2012, 177 pessoas consideradas de extrema direita foram motivo de preocupação. Entre 2012 e 2017, foram adicionados 2.489 indivíduos à lista. O súbito aumento no extremismo de direita corresponde a um movimento semelhante no extremismo islâmico. Entre 2007 e 2012, 1.560 pessoas foram identificadas como vulneráveis a serem atraídas para o terrorismo islâmico, segundo os relatórios da polícia e do governo. Entre 2012 e 2017, esse número aumentou para 11.624.
Ainda não está claro se todas as pessoas que o programa Prevent identifica representam uma ameaça real, mas os números de fato parecem refletir um fenômeno mais amplo. “Há a sensação de que uma guerra cultural está em curso”, diz Pantucci. “Estamos percebendo uma maior polarização no nosso debate público (…) Estamos vendo posições xenófobas se tornarem discurso corrente. E isso significa que o extremo inaceitável, o extremo violento, também está sendo puxado para o centro.”
“Há a sensação de que uma guerra cultural está em curso.”
Desde 2013, a extrema direita vem sendo estimulada pela ascensão do Estado Islâmico, associada a uma onda de refugiados predominantemente muçulmanos que chegam à Europa e à América do Norte em razão dos conflitos na Síria, no Iraque e no Afeganistão. No Reino Unido, ataques terroristas inspirados no EI exacerbaram as divisões étnicas dentro das comunidades e levaram a uma maior incidência de casos relatados de agressões verbais e físicas de motivação islamofóbica. E, quando o Reino Unido votou, em junho de 2016, para deixar a União Europeia, em parte por preocupações com a imigração, isso encorajou ainda mais a extrema direita e desencadeou um surto de crimes de ódio com teor racial. Todos esses fatores combinados criaram um terreno fértil onde o extremismo prosperou.
Para o EI, a internet se mostrou uma ferramenta de recrutamento essencial. Ela ajudou o grupo a espalhar sua mensagem extremista para um público global, e permitiu aos seus apoiadores se conectarem entre si, mesmo estando a milhares de quilômetros de distância. O mesmo se aplica à extrema direita. A internet alimentou uma nova espécie de “auto-radicalizadores”: pessoas sem qualquer vínculo com grupos extremistas no mundo real, que em vez disso acessam propaganda online e decidem executar por conta própria um plano terrorista.
“Nunca foi tão fácil para as pessoas acessarem conteúdo de extrema direita que vai de moderado a muito radical, o extremo do espectro”, diz Joe Mulhall, pesquisador experiente do grupo Hope Not Hate [Esperança e Não Ódio], com sede em Londres, que estuda a extrema direita. “A época em que era preciso se envolver numa organização para encontrar informação já passou há muito tempo. Atualmente é possível obtê-la com apenas alguns cliques, de qualquer lugar no mundo.”
As narrativas extremistas difundidas na propaganda terrorista são especialmente potentes para pessoas que vivenciaram traumas emocionais e abuso de substâncias, indicam as pesquisas. O caso de Connor Ward, o homem de Banff, na Escócia, é um possível exemplo disso.
Ward foi diagnosticado com distúrbio de personalidade e tinha uma vida familiar complicada. Seu pai, Alexander Ward, foi condenado por crimes sexuais e engravidou a ex-namorada de Connor, segundo os registros judiciais. Ward desprezava seu pai por isso, e, em 2012, tentou fabricar uma bomba para matá-lo. O plano de Ward foi descoberto por sua mãe, que o denunciou à polícia. Ele foi condenado a três anos de prisão, mas foi liberado em 18 meses. Durante esse período, ele desenvolveu uma paixão pelo nazismo e começou a planejar seus ataques a mesquitas. Seu plano terrorista aparentemente foi motivado, ao menos em parte, pelas teorias de extrema direita sobre a guerra racial, a que teve acesso online.
Outros casos trazem marcas semelhantes. Ano passado, Darren Osborne, de 48 anos, se radicalizou depois de assistir a um programa de televisão sobre uma gangue paquistanesa de tráfico de crianças que havia atuado no norte da Inglaterra. Em poucas semanas, segundo Sarah Andrews, sua ex-namorada, Osborne se tornou “obcecado pelos muçulmanos, que ele acusava de serem estupradores e participantes de gangues de pedófilos”. Andrews diz que Osborne começou a ler nas mídias sociais os posts de Tommy Robinson, uma importante figura da extrema direita britânica que faz campanha contra o que denomina “islamização” do Reino Unido. Em 19 de junho de 2017, Osborne alugou uma van Citroën branca e dirigiu 240 quilômetros da sua casa em Cardiff até a mesquita de Finsbury Park, no norte de Londres. Ele esperou até que os fiéis locais saíssem da mesquita depois de uma oração noturna, e então avançou sobre a multidão com a van, matando Makram Ali, de 51 anos, e ferindo outras dez pessoas. Ele deixou um bilhete no veículo que ofendia “os selvagens e degenerados muçulmanos estupradores, que caçam em bando e ameaçam nossas crianças”. Segundo a irmã de Osborne, ele estava tomando antidepressivos na época e havia tentado se suicidar algumas semanas antes.
Poucos dias depois do ataque de Osborne, Ethan Stables, 20 anos, um rapaz desempregado de uma cidadezinha no norte da Inglaterra, estava se preparando para praticar sua própria atrocidade numa casa noturna LGBT. Stables postou comentários em um grupo de Facebook de extrema-direita, onde dizia que estava planejando “matar cada um daqueles bastardos gays”. Os comentários de Stables foram denunciados à polícia. Quando sua casa foi revistada, encontraram um facão, um machado e um manual de fabricação de bombas. Ele foi condenado por planejar um ataque terrorista. Veio à tona durante seu julgamento que Stables tinha recebido o diagnóstico de síndrome de Asperger quando criança e, em setembro de 2016, se tornou obcecado pelo nazismo. Stables usava a internet para se comunicar com outros extremistas e pesquisava como se preparar para uma guerra racial. Estava desempregado e culpava os imigrantes por seus problemas. “Meu país está sendo estuprado”, escreveu em uma mensagem de WhatsApp. “Talvez eu simplesmente me torne um skinhead e mate pessoas”.
Tommy Robinson, cujos posts online foram lidos pelo atacante da mesquita em Londres, foi recentemente banido do Twitter por ferir as “políticas de conduta de ódio”, mas permanece no Facebook e no YouTube, onde atinge um público total de mais de 900 mil pessoas. Robinson cresceu em importância como líder de um grupo chamado Liga de Defesa Inglesa, uma organização de extrema direita que dizia estar preocupada com “a forma como não muçulmanos estão sendo marginalizados” na sociedade britânica.
Em 2013, Robinson se afastou do posto de líder da Liga, dizendo-se preocupado com “os perigos do radicalismo de extrema direita”. No entanto, depois disso ele continuou a fazer campanhas sobre os mesmos assuntos por conta própria. Sua página no Twitter, antes de ser suspensa, era alimentada por um fluxo contínuo de posts que apresentavam os muçulmanos e o islamismo como ameaças à existência da sociedade britânica e europeia.
Rowley, chefe da polícia de contraterrorismo do Reino Unido, diz que Robinson é culpado por espalhar “desinformação e propaganda perigosas” e considera que ele era o equivalente de direita do pregador islâmico britânico Anjem Choudary, que foi preso em 2016 por encorajar o apoio ao EI. Durante seu discurso em Londres, em fevereiro, Rowley disse que Robinson estava usando sua plataforma para “atacar toda a religião islâmica ao confundir os atos de terrorismo com a fé”.
Robinson não respondeu aos pedidos de entrevista; ele já havia refutado anteriormente as alegações de que seu discurso poderia inspirar o terrorismo de direita.
Mais recentemente, Robinson tentou estabelecer uma aliança informal com um novo grupo que se autodenomina Geração Identidade, e que está tentando ativamente recrutar membros no Reino Unido. Trata-se de um movimento de jovens que se originou na França e faz campanha contra o que chamam de “grande substituição”: a teoria de que os países brancos europeus serão tomados pelos migrantes muçulmanos. Para o grupo, “as sociedades islâmicas paralelas” e a imigração em massa levarão à “destruição quase completa das sociedades europeias em apenas algumas décadas, caso nenhuma medida contrária seja tomada.
Preocupado com sua imagem, o grupo tem um site bem feito, publica vídeos com produção profissional, coordena encontros de treinamento em estilo militar e orienta os apoiadores a ter uma “aparência bem-cuidada”. Aqueles que se inscrevem para participar nas atividades são pessoalmente avaliados e devem preencher um formulário de inscrição que pede que expliquem sua experiência política e citem cinco personalidades favoritas de mídias sociais. Membros em potencial da organização secreta devem assinar uma declaração de que não são “jornalistas, ativistas ou informantes com o objetivo de gravar áudio/vídeo”.
O grupo insiste no argumento de que não é extremista ou racista. Alegam que apenas querem preservar a identidade nacional europeia, e se auto-denominam “identitários”. Porém, para além do verniz da marca e da semântica, o Geração Identidade se alinha ideologicamente à extrema direita. Sua crença de que os migrantes vão extinguir os europeus brancos – a não ser que os europeus brancos resistam – relembra a narrativa de longa data da extrema direita sobre uma guerra racial iminente. Diferentemente dos antigos grupos de extrema direita, porém, cujos alvos eram judeus e negros, o Geração Identidade dirige sua ira predominantemente aos muçulmanos.
“A ideologia do Geração Identidade é na verdade bem extrema”, diz Mulhall, o pesquisador do Hope Not Hate. “Eles têm se mostrado muito inteligentes em termos de léxico e linguagem; estão tentando apresentar ideias extremistas de formas atraentes para os jovens. A estratégia deles têm tido bastante sucesso até agora, o que é preocupante.”
Martin Sellner, de 29 anos, é o representante europeu do Geração Identidade. Um austríaco que estuda Direito na Universidade de Viena, Sellner disse ao The Intercept que “uma combinação de imigração em massa, baixas taxas de natalidade e políticas de multiculturalismo” estaria colocando em risco as democracias europeias. “A população muçulmana vai mudar a legislação, vai mudar a cultura, e no fim das contas vai destruir a identidade e a liberdade que temos na Europa”, disse ele. Sellner negou ser supremacista branco, racista, ou extremista, e disse que desencorajava a violência. “Estou apenas passando um recado”, disse ele. “Estou apenas dizendo publicamente o que a maior parte das pessoas tem medo de dizer”.
Em 9 de março, Sellner tentou entrar no Reino Unido para dar uma palestra em Londres, onde um pequeno grupo de membros do Geração Identidade vem tentando fazer recrutamento. Quando chegou ao Aeroporto de Luton, na Inglaterra, porém, foi proibido de entrar no país, juntamente com sua companheira de viagem, Brittany Pettibone, uma celebridade de internet de direita norte-americana. Sellner foi detido com base no Terrorism Act (Lei de Terrorismo) do Reino Unido, e deportado de volta para Viena. A polícia disse a ele que sua presença no país não “conduzia ao bem público”, porque sua planejada aparição pública incitaria divisões na comunidade.
Uma semana depois, no canto mais a nordeste do Hyde Park, no centro de Londres, cerca de 400 pessoas se reuniram em uma manifestação. Robinson, o ex-líder da Liga de Defesa Inglesa, havia anunciado que proferiria a palestra que Sellner havia sido impedido de dar. No público estavam homens e mulheres com idades entre pouco mais de vinte e quase sessenta anos. Algumas pessoas faziam bastante barulho e carregavam bandeiras do Reino Unido e cartazes com slogans como “Censurem o Islã, Não a Liberdade de Expressão” e “Eu Vou Odiar o que Quiser”.
Um policial foi atingido no rosto, por um soco ou algum objeto. Sangue escorria por sua bochecha.
Robinson chegou em uma van branca, acompanhado por vários homens corpulentos usando jaquetas pretas com a palavra “SEGURANÇA” nas costas. A multidão começou a gritar o nome de Robinson enquanto ele se movia em direção ao parque em meio à massa de pessoas, a pouca distância do famoso Marble Arch de Londres.
Em poucos minutos, surgiram gritos e uma onda de empurrões. Um grupo de manifestantes – alguns deles gritando “Allahu akbar” – havia enfrentado os apoiadores de Robinson, e a briga começou. Em meio à luta corporal, um policial foi atingido no rosto, por um soco ou algum objeto. Sangue escorria por sua bochecha. Parecendo atordoado e com dificuldades para manter o equilíbrio, o policial foi arrastado para fora da multidão por um de seus colegas e colocado num dos bancos de trás de uma van policial prateada, onde se encostou em um dos assentos e segurou uma grossa atadura branca sobre o rosto para absorver o sangue.
Antes que Robinson conseguisse falar, um homem de meia-idade usando um chapéu verde-escuro e uma camisa branca tentou subir em uma caixa para declarar sua oposição ao ex-líder da Liga de Defesa Inglesa. O grupo, que poucos momentos antes entoava um coro de “liberdade de expressão”, gritou ofensas para o homem, atirou latas de cerveja sobre ele e arrancou o chapéu de sua cabeça. Houve gritos de “cale a sua boca!” e “vá à merda!” enquanto o sujeito, com uma expressão agitada, era empurrado da caixa de volta para a multidão.
Robinson, usando calça jeans e uma jaqueta preta, distribuiu cópias em papel de seu discurso, e então começou a ler em voz alta. “Não à islamização!” ele gritou, sob aplauso. “Não à imigração em massa e à grande substituição!”
“A tirania os aprisionou desde a infância”, ele disse. “Peço a vocês, ordeno a vocês: libertem-se! Patriotas do Reino Unido, saiam do armário. Tornem sua divergência visível com atos de resistência que inspirem outros!”
Robinson concluiu com um alerta ao governo britânico, dizendo que ele poderia “banir o palestrante, mas não a palestra”. Ao impedir Sellner e outros ativistas de extrema direita de entrar no país, disse ele, o governo havia “reacendido o fogo e a luta do povo britânico”.
Ele abriu caminho pela multidão, de volta ao santuário de sua van branca. Alguns de seus apoiadores ficaram para trás no Speakers’ Corner [Recanto do Orador, uma parte do Hyde Park]. Ativistas do Geração Identidade distribuíram panfletos que explicavam seu apoio à “preservação da identidade etnocultural”. Perto de uma cerca no entorno do parque, vários jovens árabes se reuniam em um pequeno estande, dando informações sobre o Alcorão. Um grupo de homens que haviam comparecido ao discurso de Robinson se aproximou.
“A quantidade de crimes cometidos por muçulmanos prova que vocês estão causando um prejuízo desproporcional à nossa sociedade”, gritou um dos homens, um rapaz de 26 anos chamado Jamie, que estava usando óculos de aro preto, uma jaqueta preta, e calças jeans. “A sua religião não é boa para o Reino Unido.”
“Bem, ainda estamos aqui, e não vamos a lugar nenhum”, respondeu Asem, um muçulmano de 29 anos, que informou ter nascido e sido criado no norte de Londres. Ele tinha uma barba bem aparada e estava usando um agasalho esportivo cinza e um boné verde de baseball. “Então o que você vai fazer a meu respeito? Eu não tenho nada na minha ficha [criminal]”, disse ele. “Fazer generalizações sobre nossa religião é babaquice”.
A discussão continuou por cerca de 10 minutos até que nenhum dos lados tivesse mais o que dizer.
“Não tenho tempo para isso”, disse Asem. Ele se virou e saiu andando, seguido por um grupo de uns seis amigos.
“Isso, vá para casa!” disse um dos jovens apoiadores de Robinson, que saiu andando na direção contrária.
A cena foi um retrato das profundas divisões que existem neste “reino desunido”. À medida que o sol se punha sobre o Hyde Park, começou a nevar. A multidão se dispersou, pisoteando os cacos de vidro e os cartazes jogados pelo chão.
Tradução: Deborah Leão
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