Enquanto Sergio Moro era premiado pela realeza de um paraíso fiscal chamado Mônaco, um ex-advogado da Odebrecht denunciava na Câmara a existência de uma quadrilha criminosa operando dentro da própria Lava Jato. Morando na Espanha por ter dupla cidadania e considerado foragido por Moro, Rodrigo Tacla Durán falou durante 4 horas por videoconferência aos deputados. Ele reiterou as acusações que vem fazendo sobre a existência de uma indústria da delação na Lava Jato.
Dentre as várias acusações, a mais grave é a de que o advogado Carlos Zucolotto — amigo íntimo de Moro, ex-sócio da sua esposa e padrinho do casamento do casal — negociava com ele clandestinamente uma delação premiada. O advogado afirma que Zucolotto teria oferecido abrandamento da pena e diminuição da multa em troca de uma propina de R$ 5 milhões. O acordo teria ido por água abaixo após a recusa em fazer o acerto por fora. Duran apresentou imagens de tela do seu celular com a negociação feita com o compadre de Moro e afirmou que elas tiveram sua veracidade atestada por peritos espanhóis.
Nas mensagens, Zucolotto aparece dizendo estar intermediando a negociação de delação com um misterioso “DD”, que muitos acreditam ser Deltan Dallagnol.
Durán afirma ainda que os sistemas Drousys e My Web Day, programas criptografados em que estão registradas boa parte das provas oferecidas pela Odebrecht, foram fraudados diversas vezes. Segundo ele, movimentações bancárias foram adulteradas com a finalidade de fabricar provas. O advogado diz ter um laudo pericial, também realizado na Espanha, que comprovaria a adulteração do sistema.
Tacla Durán não é nenhum anjo. É acusado pela Lava Jato de atuar como doleiro, lavando no exterior o dinheiro das propinas pagas por empreiteiras envolvidas nas fraudes de licitações da Petrobras. Apesar de negar as acusações, chegou a negociar sua delação premiada.
Dito isso, é importante que se esclareça suas acusações, que não tiveram até agora uma resposta satisfatória de Moro e dos integrantes da Lava Jato. Logo eles, que costumam opinar sobre quaisquer temas nacionais, inclusive aqueles distantes das suas alçadas. Nas poucas vezes em que se pronunciou sobre o caso, Moro se limitou a defender o amigo e a desqualificar o acusador:
“O sr. Carlos Zucolotto é pessoa conhecida do juiz titular da 13ª Vara Federal [o próprio Sergio Moro] e é um profissional sério e competente.”
“É lamentável que a palavra de um acusado foragido da Justiça brasileira seja utilizada para levantar suspeitas infundadas sobre a atuação da Justiça.”
A espinha dorsal da operação foi construída com base em delações de condenados. É razoável afirmar que não haveria Lava Jato sem delação premiada. Portanto, não faz sentido conferir legitimidade apenas às acusações que são convenientes e descartar outras.
Por que Moro foge tanto de Durán? Por que negou reiteradas vezes o pedido da defesa de Lula para ouvi-lo como testemunha, sendo que ele tem colaborado em investigações contra a Odebrecht em outros sete países? Como é que alguém afamado por estar colocando o Brasil a limpo se recusa a ouvir o ex-advogado da Odebrecht e analisar as provas que ele quer apresentar à Justiça?
Não faz sentido. Não combina com o status de herói da moralidade pública que ele gosta de ostentar mundo afora. Moro deveria ser o maior interessado em esclarecer tudo e garantir sua credibilidade e a da Lava Jato. Se um louco me acusasse apresentando provas falsas, eu não sossegaria enquanto não o desmascarasse. É intrigante que Moro não demonstre esse incômodo e prefira desfilar de gravata borboleta nos salões da elite internacional.
A suspeita da existência de uma máfia das delações operando dentro do Ministério Público não é nova, vide os casos dos procuradores Marcelo Miller e Diogo Castor de Mattos. O primeiro comprovadamente atuou dos dois lados do balcão para ajudar Joesley Batista a conseguir uma delação ultrapremiada. O segundo tem um irmão que advogou para o marqueteiro João Santana e sua esposa, que conseguiram firmar um acordo altamente favorável, com premiações bem acima da média de outros condenados. Esses são casos emblemáticos, mas longe de serem os únicos. Há fartos indícios da existência de uma indústria da delação premiada.
Se as acusações de Durán se provarem verdadeiras, ficará comprovada o que antes era apenas uma forte suspeita: as investigações da Lava Jato são norteadas por uma determinada narrativa e todos os fatos que surgem no meio do processo, mas não se enquadram nela, são automaticamente descartados.
Essa semana surgiu outro indício que aponta nesse sentido. Graças a um pedido da defesa de Lula, uma perícia feita em um computador de Marcelo Odebrecht trouxe à tona e-mails trocados entre o empresário e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pedindo contribuição financeira para campanha de dois candidatos tucanos.
Apesar de não ficar claro se os pagamentos foram feitos, Marcelo dá a entender que atenderia os pedidos. O assunto de uma das mensagens pedindo dinheiro é “o de sempre”. Em outras, o empreiteiro escreve sobre “apoios e reforços que fizemos na linha do que conversamos”, o que revela já haver existido conversa anterior entre os dois sobre financiamento de campanha.
Nenhuma contribuição da Odebrecht foi declarada ao TSE pelos candidatos tucanos a quem FHC pediu ajuda, o que é um indício mais do que suficiente para se abrir uma investigação sobre caixa 2. O computador com os e-mails está em posse da PF desde 2015, mas esses e-mails nunca haviam sido revelados antes do pedido da defesa de Lula.
Não resta nenhuma dúvida de que os dois ex-presidentes recebem tratamentos diferentes da Lava Jato. Enquanto um já teve suas conversas ilegalmente vazadas expostas na mídia, o outro teve uma troca de emails altamente suspeita com empreiteiro ocultada do povo brasileiro (e da realeza de Mônaco).
É curioso também a “preguiça” com que a grande mídia, salvo raras exceções, tem tratado o assunto. No fim do ano passado, fiz uma retrospectiva dos assuntos importantes que foram escanteados no noticiário. As acusações de Durán era um deles, e assim continua. O que era uma bomba para estampar as manchetes dos jornais, motivar textos dos colunistões e grandes reportagens investigativas, foi tratada de forma tímida, para não dizer irrelevante.
Se o principal papel do jornalismo é fiscalizar o poder, está mais que na hora de abandonar o papel de linha auxiliar — se limitando a publicar vazamentos seletivos e a ser porta-voz da operação — e encarar a Lava Jato como um polo político poderoso que influencia decisivamente os rumos do país nos últimos anos.
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