Ninguém deu muita importância para a decisão do Supremo Tribunal Federal de devolver os direitos políticos ao ex-senador goiano Demóstenes Torres, cassado em 2012, quando estava no DEM, por defender interesses do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Congresso. Ele deveria ficar inelegível até 2027, mas o STF lhe deu a chance de, se quiser, concorrer este ano.
Nesta sexta-feira à tarde, o ex-senador petista Delcídio Amaral, cassado depois de fazer delação premiada denunciando seus colegas, disse à reportagem do The Intercept Brasil que estuda uma maneira de voltar à política – e quer usar a ‘solução Demóstenes’. “Vamos avaliar… mas ainda estou meio assim com o que aconteceu ontem”, afirmou, aos 62 anos, se referindo à absolvição que lhe pareceu inesperada.
Ele, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o banqueiro André Esteves foram absolvidos da acusação de terem tentado comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró – uma das delações premiadas mais badaladas da Operação Lava Jato.
Encontrei Delcídio nesta sexta no piso branco do 4º andar de um dos fóruns da Justiça Federal em Brasília. Vestindo uma camiseta branca por baixo de uma camisa azul de manga longa e terno cinza, calça creme e sapatos escuros, Delcídio contou que a decisão de voltar à política ainda depende da opinião da família – que, por hora, é contra. “Foi muito duro para minha mãe, minhas filhas, meu irmão. Eu estava num Fórmula 1, numa Ferrari, e de de repente apareceu um paredão na minha frente.”
Com a absolvição, pensa ele, não restariam motivos penais para justificar a perda de direitos políticos após sua cassação no Senado, justamente por tentar obstruir a Lava Jato, coisa que a Justiça agora diz que ele não fez. O possível candidato Demóstenes deve concorrer mesmo sem absolvição – o processo foi anulado porque havia grampos telefônicos contra um parlamentar, autorizados apenas por um juiz de primeiro grau, o que é ilegal. “No Demóstenes, anularam. No meu caso, é uma absolvição. É muito mais forte”, avaliou Delcídio.
Meia hora antes de conversarmos, Delcídio estava na sala de audiências da 10ª Vara Federal. Na mesa com ele, a advogada Carla Tortato. Ao fundo, seu ex-assessor Eduardo Mazargão, o mesmo que gravou o então ministro petista Aloízo Mercadante oferecendo a Delcídio uma espécie de “solidariedade” quando ele estava preso, por ordem do então ministro do STF Teori Zavascki, detenção essa feita em novembro de 2015. Mercadante estaria tentando comprar o silêncio de Delcídio, um fogo amigo muito perigoso dentro do PT. Ele virou delator.
O juiz Ricardo Leite, o mesmo que absolveu o ex-senador no dia anterior, recebeu o relatório de atividades da defensora na sexta informando à Justiça que Delcídio estava cumprindo bem suas obrigações como colaborador premiado:
– Quer dizer que o senhor virou fazendeiro mesmo? – questionou o magistrado.
– O senhor sabe que a minha família gostou? – respondeu Delcídio. – A gente vai pegando o gosto.
Delcídio está cuidando de fazendas que a família possui desde a época de seu bisavô, em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, à beira do rio Paraguai, na divisa com a Bolívia. São mais de 10 mil cabeças de gado nelore. Ele estava “apartando bois” ontem à tarde no meio do mato quando recebeu o telefonema de Mazargão avisando que tinha sido absolvido. Comemorou, mas disse que não gostou da reportagem da TV Globo sobre o caso.
Engenheiro e ex-executivo da Shell e da Petrobras, Delcídio já foi do PSDB e do PT. Foi líder do governo no Senado no governo Dilma Rousseff. Esteve presente no governo do Mato Grosso do Sul de Zeca do PT. Foi ele quem apresentou Lula ao pecuarista José Carlos Bumlai, durante a campanha eleitoral de 2002. Bumlai foi outro absolvido no processo de ontem.
A avaliação preliminar é que, com os direitos políticos restaurados, o ex-senador e delator teria boas chances de vitória. “O povo acha que fui injustiçado”, disse. Mas provavelmente só nas eleições a partir de 2020. Hoje, um dos principais candidatos ao governo de Mato Grosso do Sul é o ex-juiz pedetista Odilon Oliveira, que mandou uma série de traficantes pra cadeia e vive cercado de seguranças mesmo depois da aposentadoria.
Na audiência com o juiz Ricardo Leite, o ex-senador se comprometeu a comparecer periodicamente, a partir de agora, à Justiça de Campo Grande. O procurador Ivan Cláudio Marx, que também estava à mesa, concordou, mas condicionou isso a uma análise posterior para saber se mantem o acordo. Marx perdeu a disputa de braço contra Delcídio: foi ele que pediu a condenação do ex-senador pela compra do silêncio de Cerveró, em parceria com Bumlai – o procurador só desejava a absolvição de Lula e Esteves – e ainda solicitou que o acordo de colaboração premiada fosse rescindido.
Os advogados do ex-senador pediram que a conduta de Marx fosse investigada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, mas nada aconteceu.
Apesar disso, o clima era de cordialidade. Antes de entrarem na sala, Marx foi cumprimentar Delcídio, Carla e Mazargão. “Como vai?”, disse o procurador antes de iniciar uma conversa breve, afastada da reportagem. Dentro da sala, uma xícara branca de café foi colocada na frente do ex-senador pelo secretário do juiz. Duas garrafas de café, uma jarra de água gelada e copos descartáveis estavam numa bandeja, também à disposição da advogada, de Mazargão, do juiz e do procurador.
Foi nesse ambiente que Delcídio explicou por que ainda não pagou a multa de R$ 1,5 milhão. Disse que parcelou em suaves prestações de pouco mais de R$ 100 mil por ano, a serem quitadas até 2026.
Outros processos
Delcídio não está totalmente livre da Justiça. Ele é réu em processo que apura pagamento de propina na compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras. Ele confessou o pagamento do suborno, mas afirma que era apenas “caixa 2 para a campanha de 2006”. Na denúncia do chamado “quadrilhão do PT”, ele deixou de ser arrolado como réu por Rodrigo Janot, passando à figura de colaborador.
Também admitiu outros crimes em seu acordo de colaboração e implicou os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva em uma série de narrativas desabonadoras para os dois. Na sua visão, foi sua delação que impulsionou o impeachment de 2016. “Eles [os investigadores] entraram no Congresso”, avalia.
No meio da audiência, a advogada Carla Tortato abriu seu pequeno computador portátil. Consultou o acordo de colaboração e informou ao juiz que ele já cumpriu uma série de medidas impostas por ele. Mas falta prestar sete horas de serviços comunitários por semana, durante seis meses. Leite respondeu que isso será definido depois. A defensora concordou.
Até lá, Delcídio cuida de bois, compara seu caso com o de Demóstenes Torres, presta novos depoimentos como colaborador aqui e ali, se defende em muitos processos, e pensa em voltar a dirigir seu Fórmula 1 político.
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