João Filho

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Como os reacionários conseguiram pautar as redes sociais com uma falsa polêmica na última semana

Na semana do balanço de 5 meses da intervenção, Bolsonaro e sua rede de reaças virtuais forjam um não-debate para desviar a atenção de todos.

Como os reacionários conseguiram pautar as redes sociais com uma falsa polêmica na última semana

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Reprodução: Facebook/Flavio Bolsonaro

“A legalização da pedofilia no Brasil é uma questão de tempo. Isso vai acontecer fatalmente”, alertou Olavo de Carvalho, o guru intelectual do mais obscuro conservadorismo brasileiro em vídeo gravado em 2012. De tempos em tempos, os reacionários trazem o tema ao debate político, sempre dando um jeito de associá-lo aos gays e às esquerdas, fabricando a ideia de que estes seriam tolerantes com pedófilos.

A estratégia não é nova e foi importada da extrema-direita americana, que costuma recorrer à falácia e nas últimas eleições fabricou o pizzagate um boato impulsionado por apoiadores de Trump que acusava Hillary Clinton de liderar um grupo que realizava orgias sexuais com crianças no porão de uma pizzaria em Washington. No Brasil, um caso recente se tornou emblemático dessa estratégia: MBL, Alexandre Frota e companhia reacionária fizeram um enorme escândalo em torno do Queermuseu, uma exposição de arte acusada de promover, dentre outras coisas, a pedofilia. Na esteira do episódio, a turma aproveitou para acusar Caetano Veloso de pedófilo, por ter se casado com Paula Lavigne quando ela ainda não havia alcançado a idade adulta. Eles conseguiram fazer com que o assunto #CaetanoPedófilo ficasse um bom tempo entre os assuntos mais comentados no Twitter.

À medida que a eleição se aproxima, integrantes da família Bolsonaro e da sua rede de apoio parecem cada vez mais dedicados à fabricação dessas falsas polêmicas. Elas ajudam a acender o fervor maniqueísta do seu eleitorado e o mantém unido contra o inimigo comum.

Na semana passada, Jair Bolsonaro começou a falar sobre pedofilia, um tema incomum para um candidato à presidência da República, mas que mobiliza o eleitorado conservador. Sem nenhum motivo aparente, ele compartilhou uma reportagem de 2016 do jornal britânico Independent de forma absolutamente deturpada. As aspas do psicólogo foram divulgadas como se fosse uma posição editorial do jornal, o que contribui para a ideia de um grande complô da mídia esquerdista pervertida contra as famílias de bem.

 

No dia seguinte, mais um expoente reacionário se encarregou de manter o monstro da pedofilia pautando o debate público. O humorista e apresentador de TV Danilo Gentili compartilhou uma notícia falsa do Daily Caller, um conhecido site de fake news fundado por conservadores que se dedicam a atacar a esquerda e a apoiar Trump.

 

 

No mesmo dia mais tarde, o filhote mais assustado de Bolsonaro, o Carlos, divulgou a mesma notícia falsa de Gentili, associando os gays à pedofilia, mas usando outra fonte. Mesmo alertados, os dois não apagaram as notícias falsas.

Poucos dias depois, Carlos resolveu reacender a tocha do medo e ressuscitou uma reportagem da Globo News de 2017 sobre pedofilia.

 

 

Jogando com o imaginário reacionário que acredita piamente que a Rede Globo — e praticamente toda a grande imprensa — é um veículo de esquerda, Carlos Bolsonaro compartilhou o vídeo afirmando que a emissora estaria fazendo uma defesa da pedofilia. A reportagem registra apenas o óbvio: a pedofilia é uma doença. Não se trata de uma questão de opinião, mas de um fato atestado pela Organização Mundial da Saúde. Negar que seja uma doença é negar a ciência. É como negar o aquecimento global, que a terra é redonda ou que os agrotóxicos são nocivos à saúde humana  negações, aliás, recorrentes no mundo imaginário dessa direita lisérgica. Essa conclusão da ciência não invalida o fato de que a relação sexual praticado por adulto com crianças seja um crime, assim como adquirir e armazenar pornografia infantil. Quem quer que faça essa diferenciação entre crime e doença é automaticamente acusado de “relativizar a pedofilia” ou de “passar a mão na cabeça de pedófilo”. Há até quem invente que a “descriminalização da pedofilia” seria uma reivindicação da esquerda, como profetizou Olavo de Carvalho.

Apostando na ignorância que confunde o crime de abuso sexual de menores com a doença pedofilia, Bolsonaro e sua rede de reaças virtuais forjaram um não-debate.

A nadadora Joanna Maranhão foi uma das vítimas das mentiras espalhadas pela família Bolsonaro. É surreal imaginar que logo ela, uma estudiosa do assunto, tenha sido acusada de relativizar a violência sexual contra menores. Joanna foi abusada sexualmente pelo seu treinador quando tinha 9 anos e hoje comanda uma ONG que atende crianças vítimas de abuso sexual. Ao tentar esclarecer a diferenças entre crime e doença no Twitter, Joanna Maranhão teve suas ideias deturpadas por Carlos Bolsonaro, que, claro, capitalizou em cima do fato dela ser filiada a um partido de esquerda.

Foi o suficiente para transformar uma mulher que dedica sua vida ao combate do abuso sexual infantil em alguém que passa pano para abusadores. A turba reacionária imediatamente passou a atacá-la e ameaçá-la. Mas não são só os bolsonaros e os gentilis da vida que tentam jogam areia nos olhos da opinião pública para desvirtuar o debate. Há procuradores da República que utilizam as redes sociais para vender a ideia de que a esquerda é conivente com o abuso sexual de menores. Ficou famoso nas redes conservadoras um vídeo em que o procurador Guilherme Shelb afirma que o “Guia Escolar de 2011 da presidente Dilma contempla o princípio da pedofilia” e que a “pedofilia é um instrumento da revolução”. Em seu livro “Educação Sexual para Crianças e Adolescentes — limites e desafios”, o procurador explica:

“A pedofilia já é ensinada nas escolas brasileiras. O Ministério da Educação estabeleceu em seu ‘Guia Escolar’ para professores os seguintes ‘direitos sexuais’ da criança. (…) Todos estes ‘direitos’ integram a pauta de interesses do movimento pedófilo, pois em sua visão criminosa o prazer sexual é um direito da criança.”

Alguns dos direitos que escandalizam o procurador e que ele acredita integrarem os objetivos sórdidos do “movimento pedófilo” são o direito à privacidade sexual, à liberdade sexual e ao prazer sexual. Esses direitos fazem parte da educação sexual para crianças e adolescentes em diversos países do mundo, e têm a ver muito mais com a sexualidade do que com a prática do sexo em si. Na cabeça dele, educar sexualmente as crianças é pavimentar caminho para o abuso sexual de menores, quando na verdade é justamente o contrário. Especialistas apontam que a educação sexual é a principal ferramenta de enfrentamento da violência sexual contra menores. Crianças não educadas sexualmente têm dificuldade em diferenciar um toque de afeto de um toque erotizado, por exemplo, o que dificulta a prevenção e a denúncia em casos de abuso. O procurador Ailton Benedito, eleito por seus pares para ser chefe da Procuradoria da República em Goiás, é outro que há muito tempo vem usando as redes para lutar contra o monstro imaginário da pedofilia esquerdista.

 

Com o bueiro destampado pela família Bolsonaro nessa semana, é claro que o nobre procurador não poderia deixar de se manifestar:

Foi assim que os conservadores brasileiros conseguiram pautar as redes sociais durante uma semana: apostando na ignorância da população sobre o tema, distorcendo falas, fabricando mentiras e destruindo reputações. Justamente na semana em que se fez um balanço de 5 meses da intervenção militar no Rio de Janeiro, instalada com o apoio de Jair Bolsonaro e da direita conservadora, o monstro da pedofilia foi usado para incendiar a tropa e desviar a atenção de todos. Em vez de estarmos discutindo os números da fracassada intervenção, que aumentou o número de tiroteios, balas perdidas, chacinas e tem baleado crianças e adolescentes, fomos toureados pela família Bolsonaro e seus joguetes eleitorais. Falta pouco tempo para a eleição, e a tendência é piorar. Fiquemos atentos.

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