A Polícia Federal e o TRE, em batidas em universidades por todo o país nesta quinta-feira, 25, apreendeu materiais que fossem caracterizados como campanha política, o que é proibido em prédios públicos em período eleitoral. No entanto, a ação proibiu faixas e eventos contra o fascismo e contra a ditadura. No Rio de Janeiro, a juíza Maria Aparecida da Costa Barros determinou que o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, Wilson Madeira Filho, retirasse a faixa com os dizeres “Direito UFF Antifascista”, sob pena de prisão. Ao classificar a faixa da Federal Fluminense e as aulas que explicam o movimento fascista, a justiça brasileira assume o protagonismo do surreal episódio em que se opõe a luta mundial que combate a ideologia que produziu figuras nefastas para a humanidade como Hitler e Mussolini.
A polícia e os fiscais bateram na UFF depois de 12 denúncias contra a faixa, que diziam que ela teria “conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à presidência da República Jair Bolsonaro”. Quando se depararam com os dizeres contra o fascismo sem alusão ao nome do presidenciável e decidiram concordar com os denunciantes, os agentes da lei assinaram embaixo de que temos um candidato ligado ao fascismo no Brasil. E isto é aterrador sob muitos aspectos.
Ações semelhantes ocorreram na UFGD (Dourados), UEPA (Iguarapé-Açu), UFCG (Campina Grande), UEPB, UFMG, UNILAB (Palmares), Cepe-RJ, Unilab-Fortaleza, UNEB (Serrinha), UFU (Uberlândia), UFRGS, UCP (Petrópolis), UFSJ, UERJ, UFERSA, UFAM, UFFS, UNESP (Bauru), UFRJ e IFB. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, foi solicitada a retirada de uma enorme faixa em homenagem a Marielle Franco. A vereadora do PSOL assassinada em março, aliás, tem sido pivô de repetidos incidentes que, como se não bastasse o seu desaparecimento físico, parecem querer apagar sua presença da memória nacional.
Mais uma vez, as falas do candidato Jair Bolsonaro aparecem como a fagulha que acende a pólvora. No último domingo, 21, apenas uma semana antes da eleição, ele assustou parte significativa do país e do mundo ao afirmar para uma multidão reunida na Avenida Paulista que o destino dos adversários em seu governo seria a prisão e o exílio. A fala inteira é impressionantemente antidemocrática, autoritária e pôs em estado de alerta o mundo acadêmico do país e de diversas partes do planeta, assim como líderes políticos brasileiros que se viram na urgência de apoiar Fernando Haddad em favor da democracia ameaçada pelas palavras do próprio Bolsonaro.
Não é de agora que o clima nas universidades está explosivo e poucos dias antes e depois do primeiro turno das eleições esse potencial bélico só aumentou. Paredes pichadas, agressões físicas e um denuncismo que em tudo lembra um passado muito recente da história nacional dentro das universidades, durante o golpe militar de 1964. Os relatos são muitos e eu mesma fui testemunha de um episódio, quando fui dar uma palestra de encerramento de um seminário no Instituto Federal Fluminense, dias antes do primeiro turno, em 4 de outubro. Logo na chegada encontrei minha anfitriã, a coordenadora do curso de Letras, Ana Poltronieri, muito preocupada e aborrecida, pois havia recebido mensagens não identificadas em seu celular falando do desapontamento com suas posições políticas. No dia seguinte, 5 de outubro, cheguei de volta ao Rio de Janeiro com a notícia de que a justiça eleitoral havia estado no final da tarde no IFFluminense, campus Campos Centro, inspecionando além do setor de produção gráfica, os cursos de Licenciatura em Letras, em Teatro, em Geografia e em Ciências da Natureza. O motivo da visita dos fiscais a esses cursos foi uma denúncia de que havia material político e manifestações de apoio e de repúdio de professores a determinados candidatos.
“Na minha longa carreira de magistério na educação básica e na superior, eu nunca passei por um momento tão triste e sombrio. As salas onde damos aulas foram revistadas, assim como as coordenações, principalmente a de Geografia. Os fiscais da justiça eleitoral nos disseram que houve uma denúncia. Mais uma vez, a ‘coragem’ de denunciar se faz por meio de um sujeito indeterminado, ou seja, não tem nome nem cara” — contou Ana em suas redes sociais.
O Instituto Federal Fluminense, uma instituição de 110 anos, por intermédio de seu Conselho Superior, se posicionou de maneira firme contra a ação no campus em nota que finaliza “…afirmando convicção na democracia plena, rechaçamos todas as formas de ataque à liberdade de expressão, de manifestação e de pensamento, que consistem no principal antídoto contra esse clima de intolerância e violência”.
A campanha de Jair Bolsonaro já entra para a história como um ataque sem precedentes aos valores cultivados pela democracia.
Se a liberdade de expressão pode ser um antídoto contra a intolerância e a violência, a censura, na intenção de conter narrativas, só estimula que elas venham de formas ainda mais potentes e diversas. Em muitos casos, as instituições nem precisam estar envolvidas diretamente. Basta, como estamos assistindo perplexos, um discurso que inflame os ânimos para que ocorra o que aponta um dos conhecimentos mais básicos sobre o funcionamento de ditaduras: a autocensura e a formação de “milícias ideológicas” por cidadãos comuns. Eleito ou não, a campanha de Jair Bolsonaro já entra para a história como um ataque sem precedentes aos valores cultivados pela democracia.
Além das universidades, a indústria do livro é um dos alvos preferidos para ataques quando se chega a este estado de coisas. Frequentadores de livrarias exaltados andam vandalizando livros, ou seja, arrancando páginas com nomes de autores que consideram perniciosos, ou até mesmo questionando os títulos que estão nas vitrines. Editoras que publicam livros de pensadores de esquerda estão recebendo ameaças. Preocupados com o futuro do acesso à literatura no país, escritores, editores, livreiros e outros profissionais produziram um manifesto. Em reunião na última quarta-feira, dia 24, a leitura do texto foi seguida de falas e debates sobre o futuro da atividade em um país que nos últimos dias também tem censurado obras em escolas e desenvolvido um sentimento de animosidade pela difusão de ideias e — por que não dizer? — pela educação de maneira geral.
A premiada autora Conceição Evaristo fez um apanhado histórico do ativismo literário dos escritores e escritoras negras, dos entraves para conquistar o mercado editorial e dos avanços — ainda que tímidos — advindos de uma batalha de séculos. A também escritora e poeta Elisa Lucinda apontou como estratégia urgente a ocupação dos espaços de cultura no país, bem como a aproximação das comunidades. O contista Giovani Martins falou da crise na informação evidenciada pela campanha de 2018 e da necessidade de atenção com a comunicação nos veículos e também interpessoal. O jornalista e escritor Paulo Roberto Pires alertou para o silêncio de grandes editoras neste momento grave da nação, que são muito beneficiadas por vendas para o governo federal, e a editora Ana Escorel fez um apanhado geral de todas as falas reforçando o porquê do lema “nossas armas são os livros”.
Não é novidade que o processo que será concluído no próximo domingo, 28 de outubro, foi iniciado com todos os escândalos de corrupção muito vitaminados por uma parcela da mídia e quando a legitimidade de um governo eleito com 54 milhões de votos foi questionada e derrubada por quem perdeu o pleito, como disse Romero Jucá em sua célebre fala: “…com o Supremo, com tudo”. O custo pelo movimento detonado pelos maus perdedores foi ver o apreço pela democracia se esvair como as cores de uma obra de arte que nunca foram muito fortes em um país com tanta tradição em ditaduras. Abriu-se o caminho para a escalada da intolerância e do autoritarismo. Seja qual for o resultado das urnas em 2018, apesar dos discursos de ambos os candidatos, nada aponta para união. Tudo indica que a nação seguirá ainda mais partida e que ainda precisará de embates intensos para valorizar a gasta, porém essencial, palavra democracia.
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