Ainda que o WhatsApp seja a plataforma preferida na divulgação de notícias falsas e boatos nessas eleições, o YouTube também se tornou um dos principais meios de comunicação dos conservadores brasileiros. Quem analisa o ranking dos vídeos “em alta” da plataforma logo percebe a predominância de figuras da direita nacional. O YouTube, aliás, foi responsável pela fama e eleição de alguns deputados da bancada bolsonarista.
Desses pregadores de ódio e desinformação, destaca-se a figura de Olavo de Carvalho, o principal guru do radicalismo de direita no Brasil há mais de duas décadas. Dos EUA, onde vive, o pensador escreveu livros e deu cursos online que formaram uma geração de brasileiros.
Um de seus vídeos mais recentes, intitulado “O aviso mais importante que já dei aos brasileiros”, é uma rigorosa exposição do estado da arte do antipetismo vesicular, crônico, paranoico.
Segue uma tentativa de análise de seu pensamento, que ajuda a entender não apenas a cabeça de Olavo, mas a cabeça dos entusiastas de Jair Bolsonaro.
Olavo começa seu vídeo falando sobre o atentado sofrido por Bolsonaro. Em suas palavras, um “crime cometido por um membro do PSOL”. Aqui já começa o espetáculo de mentiras e meias verdades, características da retórica radical.
O autor do atentado, ainda que tenha sido filiado ao PSOL até 2014, é notoriamente uma pessoa desequilibrada e que, segundo investigação da própria Polícia Federal, agiu sozinho. Mas ao chamá-lo de “membro do PSOL”, Olavo instiga o ódio pelos agrupamentos de esquerda.
Como a polícia chegou a conclusões pouco excitantes, Olavo faz questão de colocar em dúvida a isenção do delegado responsável, chamando-o de “assessor condecorado pelo governador petista de Minas Gerais”. Ademais, diz que ele foi “proibido de divulgar os dados da investigação” de modo a “não ajudar o Bolsonaro”.
Vê-se aqui a conspiração esquerdista: o autor da facada é “membro do PSOL”, e o delegado é mancomunado com o “governador petista”.
Partidos Comunistas do Brasil
O Capitão Ensandecido reverberou essa mesma teoria em cadeia nacional.
Olavo faz então uma digressão histórica. Para entender o grande domínio da esquerda, diz, é preciso voltar à redemocratização do país.
Segundo sua paranoia, “todos os políticos que emergiram” naquele período e/ou “voltaram do exílio”, “eram esquerdistas”. Sendo que “alguns, profundamente comprometidos com o partido comunista”.
É certo que figuras de esquerda, como Luiz Carlos Prestes e Miguel Arraes, puderam retornar ao Brasil a partir da anistia em 1979.
Mas para Olavo, em verdade, eram “todos esquerdistas”.
A única exceção seria o PFL (Partido da Frente Liberal, atualmente Democratas), que nasceu de um racha no PDS, que deu também origem ao PP (Partido Progressista).
Porém, esse partido seria apenas “nominalmente liberal”, mas que tentava, a todo custo, mostrar que “não era tão direitista assim”, mostrando-se “a favor da causa gay, feminista, abortista”.
O “filósofo”, no alto de sua paranoia, insiste, assim, que a democracia brasileira era 100% comunista.
Aos mais jovens, vale lembrar, o PFL foi o grande partido a se coligar com FHC em 1994, tendo na sua liderança as figuras do catarinense Jorge Bornhausen e o baiano Antônio Carlos Magalhães.
Bornhausen, em 2005, ao falar sobre os petistas que agonizavam durante o escândalo do mensalão, afirmou: “estaremos livres dessa raça pelos próximos 30 anos”.
ACM, em discurso no Senado em 2006, afirmou: “Quero dizer aos comandantes militares: reajam enquanto é tempo! Antes que o Brasil caia na desgraça de uma ditadura sindical, presidida por um homem, mais corrupto que já chegou ao governo da República”.
Esses são os “moderados”, segundo Olavo.
Ao afastar o PFL, Olavo afirma que havia três grandes partidos no Brasil: PT, que seria o “comunista mais radical”, o PSDB, o “comunista mais adocicado” e o PMDB, que “sempre foi controlado pelo Partido Comunista” e que “tinha a função de parecer o partido isento”, mas que estaria “100% a serviço dos comunistas”.
O “filósofo”, no alto de sua paranoia, insiste, assim, que a democracia brasileira era 100% comunista. Ou melhor, 99,9%, já que o PFL era menos comunista que os demais. Essa democracia, pois, seria uma farsa, já que ia contra os anseios da população, que é em sua maioria, conservadora.
Os conservadores, porém, não teriam partido, não teriam jornal, não teriam universidade, não teriam uma revista semanal conservadora…
Mas os comunistas não dominam apenas o Brasil: o “comunismo é uma rede internacional”, que tem “apoio das megafortunas”, apoio dos “bancos”, de gente como George Soros e Mark Zuckerberg.
Como os fanáticos que enxergam a imagem da Virgem numa mancha na parede, Olavo enxerga a imagem do comunismo até nos bilionários do capitalismo contemporâneo.
A Igreja vermelha
Nesta altura, Olavo cita o seu satanás particular: o Foro de São Paulo.
Diz que a democracia brasileira foi “calculada para consolidar o poder comunista/socialista, mais ainda após a fundação” do Foro.
Foro esse que em sua análise é “uma organização nitidamente criminosa, onde partidos supostamente legais, se associavam intimamente a organizações criminosas como as FARCS, o MIR, que tinha o monopólio dos sequestros na América Latina”, além de ser a “grande fornecedora de cocaína ao mercado brasileiro”.
E Lula, nosso ex-presidente, comandava essa organização, junto com o comandante das FARCS.
Como profeta, Olavo afirma que “durante 16 anos, a mídia inteira negou a existência do Foro”, que seria “a maior entidade política que já existiu na América Latina”.
Fundado em 1990, o Foro de São Paulo apareceu nos arquivos do jornal O Estado de São Paulo em 1997, por exemplo, quando da realização de seu 7º encontro, realizado em Brasília.
Mas a suposta ocultação do Foro faz com que Olavo afirme que “a mídia inteira faz parte desse esquema”. Alerta seus seguidores que se algum deles ainda “tem um pingo de confiança na Folha de São Paulo, Globo, Estadão, Veja”, etc., isso significa que “você está sendo simplesmente enganado”. Deve-se negar o jornalismo e os jornalistas, pois essa classe de trabalhadores é “100% cúmplice desta coisa, são todos criminosos”.
E assim se faz o viés anti-intelectual e contra o jornalismo profissional, que são pilares do radicalismo verde-amarelo que tanto sucesso tem obtido no Brasil.
É assim que se convence a massa que os jornais são todos mentirosos e que eles só devem acreditar na verdade emanada a partir de centros e indivíduos autorizados pelo Führer, pelo Duce, pelo Mito.
Ao tratar de outro tema inescapável dos radicais brasileiros, Olavo afirma que “Hugo Chávez destruiu” a economia venezuelana, por ter financiado “o terrorismo e o narcotráfico no mundo inteiro, com a ajuda do sr. Lula e o PT”. Adiante, afirma que “essa gente está envolvida numa rede criminosa de um tamanho descomunal”.
É esse tipo de discurso que transformou a política no nosso país em uma barbárie.
Note-se que, para Olavo e seus seguidores, o PT não é um partido político, não é um agrupamento ideológico, é uma rede internacional de criminosos, envolvidos com tráfico de drogas, assassinatos, terrorismo, etc.
Essa é o elemento central do antipetismo patológico que vivemos.
Eis outro elemento do radicalismo nacional: divide-se a sociedade entre bolsonaristas e “petralhas”. Os primeiros são patriotas, cidadãos de bem, amam suas famílias, têm boa higiene pessoal, trabalham e estudam. Os outros, os “judeus” da ocasião atual, são os apátridas, os canalhas, os que querem destruir os valores familiares, os sujos, os parasitas, os ignorantes.
Exagero? Olavo afirma que “essa gente” – vocês devem saber a quem ele se refere – “está matando milhões de pessoas no Brasil, são genocidas todos eles”.
Olavo encerra afirmando:
“Gente, acordem, não é uma disputa política, eleitoral, é uma disputa contra o banditismo organizado, contra criminosos psicopatas, gente sem escrúpulo de espécie alguma, incluindo os colaboradores mais suaves, tipo Alckmin… Acordem, ou é eleger o Bolsonaro, ou dizer adeus ao Brasil”.
É esse tipo de discurso que transformou a política no nosso país em uma barbárie. Que provocou agressões de todo tipo às vésperas das eleições. É esse o tipo de mensagem que se entranhou no bolsonarismo mais radical. É essa mensagem de ódio e de divisão que Bolsonaro vai pregar, insistir e aumentar.
Nós, os que não somos bolsonaristas, mesmo os “colaboradores mais suaves”, estamos em risco. Nossa moral, nossa integridade física e emocional, tudo isso pode ser alvo de linchamentos.
Poucas vezes o futuro foi tão lúgubre neste país.
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