Sessão plenária do STF em Brasília, no dia 24 de outubro.

O STF é a oposição natural de Bolsonaro. Ou o tribunal vai permitir ataques aos direitos civis?

Com Bolsonaro eleito, STF precisa definir se vai se curvar ao presidente ou honrar a Constituição.

Sessão plenária do STF em Brasília, no dia 24 de outubro.

O caminho de Jair Bolsonaro à presidência foi marcado por uma profusão de impropérios e um desprezo tosco pelas instituições democráticas. O Supremo Tribunal Federal não passou despercebido à metralhadora engasgada da extrema-direita. Agora, seu papel está prestes a ser remodelado. No olho do furacão, o Brasil.

Desde sua instalação em 1891, o STF foi responsável por julgamentos históricos. Mas seu protagonismo aumentou exponencialmente com o transmissão ao vivo das decisões do Plenário, a partir de 2002. Ministros, então juízes, se tornaram estrelas e passaram a encher a boca para ler seus votos, muitos deles quilométricos e maçantes. Rompantes vergonhosos e arroubos de botequim se transformaram em rotina entre os membros da Corte. A população, mesmo embasbacada pelo juridiquês, passou a assistir à TV Justiça para ver o circo pegar fogo.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

Nós apenas não percebíamos que isso vinha acontecendo, mas a função contramajoritária – de defender os direitos das minorias, frear os excessos do Estado e, muitas vezes, decidir contra a opinião pública – do Tribunal foi enfraquecida na surdina, entre a poeira das togas e o café morno servido no Salão Branco. De guardião da Constituição, o STF passou a se preocupar com o sentimento social – expressão perigosa utilizada pelo ministro Luís Roberto Barroso ao reescrever, sob o argumento da inconstitucionalidade, o Decreto de Michel Temer que concedeu indulto natalino em 2017.

O Supremo até que vinha bem na defesa dos direitos fundamentais – a eterna batalha entre o núcleo duro do indivíduo x a intervenção do Estado. Estabeleceu conceitos importantes para a compreensão do crime de racismo, declarou o entulho autoritário condensado na Lei de Imprensa incompatível com a Constituição de 1988, descriminalizou a antecipação terapêutica de partos de fetos anencefálicos e permitiu as pesquisas com células-tronco.

A guinada veio com o julgamento do Mensalão, a famigerada Ação Penal 470, que escancarou os bastidores da corrupção sistêmica e, ao mesmo tempo, alçou o STF a um pedestal para o qual não estava preparado e com o qual não soube lidar enquanto instituição.

Agora, com Bolsonaro eleito e já planejando a transição do poder, o STF está acuado.

Nas intermináveis sessões televisionadas, entre um chilique e outra do ministro Joaquim Barbosa, o Supremo julgou com a faca no pescoço uma denúncia de proporções inimagináveis, pela qual a procuradoria-geral da República pedia a cabeça de figurões da política brasileira.

O STF não estava acostumado à tamanha visibilidade, mas gostou e mandou para a cadeia o alto escalão da República.

Então veio a Operação Lava Jato, que não se limitou ao Supremo Tribunal Federal e envolveu outros juízes e cortes – dentre eles Sérgio Moro e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Mas o Supremo, às vezes equidistante, sempre esteve lá, altivo e pronto a reexaminar as decisões de outras instâncias. E, nesse meio tempo, instigado pela função requentada de juiz criminal, concedeu autorização para a execução de penas de prisão antes do final do processo, o que foi reafirmado no julgamento do habeas corpus de Lula, em um momento crucial e delicado da política brasileira.

Agora, com Bolsonaro eleito e já planejando a transição do poder, o STF está acuado, entre outras, pela declaração debochada de que, para fechá-lo, “basta um soldado e um cabo”, e precisa definir a sua pauta enquanto órgão de cúpula do Poder Judiciário: encampar a agenda de um governante avesso à reafirmação de garantias democráticas inegociáveis ou assumir o protagonismo de instituição responsável por frear os excessos estatais.

O dilema da Suprema Corte já tem data. O presidente eleito pretende aumentar o número de juízes de 11 para 21. Quer, a fórceps, “colocar lá dez do nível do Sérgio Moro, para poder termos a maioria lá dentro”.

Como, para Bolsonaro, o Supremo não passa de uma marionete e uma massa de manobra, resta descobrir se o guardião da Constituição vai permanecer na zona de conforto ou honrar a toga. Logo saberemos se temos juízes na nossa devastada Berlim.

🚨 O QUE ENFRENTAMOS AGORA 🚨

O Intercept está vigiando manobras eleitorais inéditas da extrema direita brasileira. 

Os golpistas estão de cara nova, com seus ternos e sapatênis. Eles aprenderam estratégias sofisticadas de marketing digital para dominar a internet, que estão testando agora nas eleições municipais.

O objetivo final? Dominar bases de poder locais para tomar a presidência e o congresso em 2026. 

Não se deixe enganar: Bolsonaro era fichinha perto dos fascistas de sapatênis…

O Intercept não pode poupar esforços para investigar e expor os esquemas que colocam em risco nossos direitos e nossa democracia.

Já revelamos as mensagens secretas de Moro na Lava Jato. Mostramos como certas empresas e outros jornais obrigavam seus trabalhadores a apoiarem Bolsonaro. E expusemos como Pablo Marçal estava violando a lei eleitoral. 

Mas temos pouco tempo, e muito mais a revelar. Agora precisamos de recursos para colocar mais repórteres nas ruas. Para isso, precisamos de sua ajuda. Somos financiados por nossos leitores, não pelas empresas ricas que mandam em Brasília.

Faça parte do nosso time para causar o impacto eleitoral que você não verá em nenhum outro lugar! Faça uma doação de qualquer valor ao Intercept hoje mesmo! 

APOIE O INTERCEPT HOJE!

Conteúdo relacionado

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar