Paulo Guedes é um Roberto Campos com menos livros lidos e mais fanatismo pelo cada-um-por-si na economia e na vida social. O economista e diplomata Campos ganhou dos detratores a alcunha brejeira de Bob Fields, tamanho o fetiche pelo capital estrangeiro e a devoção pelos Estados Unidos.
De 1964 a 1967, o seminarista que desistira do sacerdócio foi o primeiro ministro do Planejamento da ditadura. Era tão brilhante que não se converter à sua lábia hipnotizante constituía exercício intelectual desafiador. No alvorecer da década de 1980, o cardeal brasileiro do liberalismo foi esfaqueado na barriga – pela amante, e não por um abilolado. Morreu em 2001.
Embora ministro do marechal Castello Branco, cujo governo cassou mandatos de parlamentares e fechou o Congresso, Campos não pronunciava intimidações vulgares como “prensa neles!”, truculência com que Guedes pretendeu peitar senadores e deputados para votar logo as mudanças na Previdência. A jornalista Cristiana Lobo contou que até a semana passada o futuro ministro da Economia ignorava que o Orçamento de 2019 será elaborado em 2018.
Numa reportagem da revista piauí de setembro, o banqueiro bem-sucedido – Bob Fields malogrou como dono de banco – se referira a Jair Bolsonaro como indivíduo pertencente a uma fauna indeterminada. A repórter Malu Gaspar narrou: “Guedes fez uma pausa e prosseguiu, parafraseando as críticas ao seu candidato: ‘Ah, mas ele xinga isso, xinga aquilo… Amansa o cara!’ Pergunto se é possível amansar Bolsonaro. ‘Acho que sim, já é outro animal’.”
Se um animal está amansado, o outro escoiceia. Guedes já especulava sobre ser ministro e, surpresa, deixar de ser: “Quer saber de uma coisa? Se não der para fazer o negócio bem feito, que valha a pena, para que eu vou [para o governo]? Ficar escutando essas merdas que estão falando?” A repórter enticou: “Então posso escrever que você desistiu?” O Paulo “posto Ipiranga” Guedes riu com ironia: “Esse é o sonho de todo mundo, todo mundo quer foder o Bolsonaro. Mas esse prazer eu não dou. Só depois que ele for eleito”.
Traulitadas
O capitão se elegeu, indicou Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, e na primeira entrevista coletiva após o anúncio o juiz tagarelou sobre sua eventual partida. Declarou, acerca de divergências vindouras: “A decisão final é dele [Bolsonaro]. Aí eu vou tomar a minha decisão se, para mim, vamos dizer assim, continuo ou não continuo”.
Moro não tratou Bolsonaro como um cavalão, chucro ou domado, mas pareceu inverter a hierarquia de presidente e ministro. Em meio a mesuras, chancelou o eleito, como se fosse necessário: “Pessoalmente, me pareceu ser uma pessoa muito sensata”. O costumeiro é o chefe referendar o chefiado, não o contrário. No domingo, o juiz falou à entrevistadora Poliana Abritta sobre possíveis desinteligências: “Se tudo der errado, eu deixo daí também o cargo”.
Na prosaica transição em que antes da posse os dois superministros miram as portas de entrada e de saída, o vice de Bolsonaro desdenha em público do deputado que o presidente eleito escolheu para comandar a Casa Civil. O general Antônio Hamilton Mourão desclassificou o iminente ministro Onyx Lorenzoni, relataram as repórteres Juliana Dal Piva e Daniela Pinheiro: “Era um parlamentar apagado. Esse é um cargo com outro perfil”.
Se Guedes cair, quem o presidente convocaria para seu lugar? Mourão já nomeou o substituto: “Eu assumo”.
Guedes já havia desferido uma traulitada em Lorenzoni, fazendo pouco caso dele: “É um político falando de coisa de economia. É a mesma coisa que eu sair falando coisa de política. Não dá certo, né?” Se Guedes cair, quem o presidente convocaria para seu lugar? Mourão já nomeou o substituto: “Eu assumo”. Ao ouvir que “no Brasil os vices costumam virar presidentes”, o general não retrucou com um espirituoso “vira essa boca pra lá” ou um cerimonial “dessa vez será diferente”. “Ele fechou a cara e desconversou”, leu-se na revista Época.
Em contraste com a limitada deferência por Bolsonaro, expressa por Guedes, Moro e Mourão, o servilismo de burocratas excede. A repórter Mônica Bergamo revelou que os organizadores do ato do Congresso pelos 30 anos da Constituição mudaram o nome artístico do tenor Jean William. Na hora de cantar o hino nacional, apresentaram-no como Jean Silva. Temiam que Bolsonaro, presente, se melindrasse com a identidade similar à de Jean Wyllys, deputado que em 2016 lhe cuspiu na cara.
Em Brasília, o capitão se sentiu mais à vontade do que na Barra da Tijuca para se conceder um intervalo na encenação que protagoniza como político anti-establishment. O repórter Guilherme Amado informou que Bolsonaro não se constrangeu diante do totem do poder, José Sarney. Diante do ex-presidente, empertigou-se, prestou continência e reverenciou: “Meu comandante!”
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