João Filho

O jornalismo destemido do Intercept só é independente graças aos milhares de leitores que fazem doações mensais. Mas perdemos centenas desses apoiadores este ano.

Nossa missão tem que continuar mesmo depois que o último voto for dado nesta eleição. Para manter nossa redação forte, precisamos de 1.000 novos doadores mensais este mês.

Você nos ajudará a revelar os segredos dos poderosos?

SEJA MEMBRO DO INTERCEPT

O jornalismo destemido do Intercept só é independente graças aos milhares de leitores que fazem doações mensais. Mas perdemos centenas desses apoiadores este ano.

Nossa missão tem que continuar mesmo depois que o último voto for dado nesta eleição. Para manter nossa redação forte, precisamos de 1.000 novos doadores mensais este mês.

Você nos ajudará a revelar os segredos dos poderosos?

SEJA MEMBRO DO INTERCEPT

Assuntos irrelevantes, sensacionalismo e muito sexo: prepare-se para as lives semanais de Bolsonaro

Entramos no terceiro mês de governo e o que vemos até aqui é um homem perdido no figurino de presidente. Elegemos um chimpanzé.

Assuntos irrelevantes, sensacionalismo e muito sexo: prepare-se para as lives semanais de Bolsonaro

11-03-19-joao-filho-2-1552328009

Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil, Reprodução/Facebook

Está difícil acreditar que Jair Bolsonaro é Jair Bolsonaro. Muitos querem crer que há cálculo estratégico nos absurdos cometidos pelo presidente. Realmente há alguma coisa ou outra ali de Steve Bannon, o ex-conselheiro de Trump, mas o grosso é simplesmente fruto de uma profunda estupidez — dele e daqueles que o cercam.

Entramos no terceiro mês de governo e o que vemos até aqui é um homem perdido no figurino de presidente. Um boçal que não sabe como agir, não sabe o que falar e parece governar sob a tutela dos filhos. Temos que lidar com essa realidade. Nós elegemos um chimpanzé.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

Essa cruzada moralista não é estratégica, mas a única coisa que ele e sua família sabem fazer. Basta ver a trajetória medíocre de Bolsonaro. Cresceu na política fazendo rachadinha e plantando laranjas na cama, mas posando de fiscalzinho dos costumes para a sociedade. Jair Bolsonaro sempre foi isso aí. Tiramos ele da selva do baixo clero e o colocamos no posto mais nobre da República. Agora temos um presidente que publica vídeo de Golden Shower no Twitter.

A publicação do vídeo contendo sexo explícito teve a intenção de atacar o carnaval e incitar a homofobia. O presidente deu publicidade internacional para um caso isolado e acabou virando chacota internacional. Se havia alguma estratégia por trás, deu muito errado. Até os seguidores mais carolas ficaram chocados com a cena compartilhada pelo presidente. Aliados políticos demonstraram incômodo. A repercussão foi péssima para o governo. Jair Bolsonaro recolocou o assunto impeachment no horizonte do debate político.

Apesar de não haver condições políticas para a sua derrubada, o presidente forneceu o motivo jurídico ao cometer um crime contra a probidade da administração, que é um crime de responsabilidade. Portanto, dadas as consequências, não há por que crer em sofisticação estratégica na publicação da pornografia. Bolsonaro e suas criaturas agem por impulsos. É mais Freud do que Maquiavel.

E sejamos francos sobre a publicação do vídeo: nem a ideia nem a execução foram de Jair. O estilo do texto, os vícios de linguagem e o recalque embutido indicam que a autoria do tweet é do bolsonarinho mais reprimido, o Carluxo. Claro, apesar dos fortes indícios, não é possível cravar que foi ele. Pelo o que conhecemos do intelecto de Jair, a sua participação foi no máximo mandar um “talkey, pode publicar isso aí!”

Essa cruzada ideológica fascistoide contra inimigos internos e externos já estremeceu negócios com parceiros importantes e dificulta o apoio de parlamentares para a pauta considerada a pauta mais importante para o Planalto: a reforma da previdência. Deu certo na campanha, mas não vai dar certo durante o governo.

Em cerimônia de aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais, Bolsonaro quis puxar o saco dos colegas militares, mas só os constrangeu. Depois de descrever sua vitória eleitoral como uma “missão” — divina, certamente — o presidente deixou claro que pretende governar apenas para a parcela da população que está moral e ideologicamente alinhada ao bolsonarismo.

“A missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia”.

A fala citando “pessoas de bem que valorizam a família” vem logo depois dos ataques que ele e seus filhos comandaram nas redes sociais contra o carnaval. É claro que é também uma referência ao conteúdo do vídeo pornô publicado por ele. O moralismo de quermesse foi emendando por mais um ataque à Constituição:

“E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer.”

Posso estar errado, mas imagino que essa seja uma frase que nem os ditadores militares foram capazes de dizer. Eles eram mais sutis, sabiam disfarçar melhor seus instintos autoritários. A Constituição é clara ao dizer que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Não há em nenhum outro lugar da Constituição algo que indique que a democracia e a liberdade dependem do desejo das Forças Armadas.

Os militares, que inacreditavelmente formam a ala mais sensata do governo, não gostaram de se verem associados ao vídeo pornô. Primeiro Bolsonaro diz que sua missão será cumprida ao lado das pessoas de bem que amam a democracia, depois completa dizendo que a democracia só existe porque as Forças Armadas permitem. Segundo Igor Gielow da Folha de S. Paulo, um almirante afirmou que o discurso deu a entender que os militares estão prontos para combater os adversários do governo. Bom, conhecendo o histórico antidemocrático do capitão, foi exatamente isso o que ele quis dizer.

Apesar do governo estar apinhado de militares, a ala olavista ainda é a mais influente na família Bolsonaro. Dois dias antes de reestrear uma live de prestação de contas no Facebook — já havia feito uma durante a transição —, Olavo de Carvalho baixou ordens lá da sua toca em Virgínia (EUA), como apontou o BuzzFeed.

 

Missão dada é missão cumprida. Ao lado de dois generais, Otávio Rêgo Barros e Augusto Heleno, o ex-capitão procurou mostrar que está tudo bem com os militares. Os três cumpriram o papelão de dizer que a fala sobre democracia e Forças Armadas foi mal interpretada, como se ela não tivesse sido limpa, clara e perfeitamente sintonizada com o bolsonarismo. General Heleno tentou amenizar: “Foi uma fala de improviso”.

Nem de longe se viu um estadista se comunicando com o seu povo. Depois de não falar nenhuma novidade sobre reforma da previdência, Bolsonaro tratou de temas menores, irrelevantes para um presidente da República, como aumento do prazo de validade das carteiras de motorista, o fim das lombadas eletrônicas — demandas típicas dos tiozões de churrasco — e a importação de bananas do Equador que atrapalham a produção da fruta no Vale do Ribeira, onde foi criado. O presidente tem alma de vereador.

Bolsonaro não podia deixar de falar do seu assunto preferido: sexo. A obsessão por sexo parece ser a mãe de todas as obsessões do bolsonarismo. Ele começou a folhear um livro que chamou de “carteira de vacinação”, mas era a Caderneta de Saúde da Adolescente. Entre outros assuntos, o livreto traz recomendações de saúde, higiene bucal, alimentação e…educação sexual — um dos pesadelos do bolsonarismo. No momento em que os índices de contágio de HIV e DST não param de crescer no país, o presidente se mostrou chocado com as ilustrações que ensinam as meninas a colocarem camisinha. Como um bedelzinho geral da nação, disse que ordenou a substituição das cadernetas e recomendou aos pais que arranquem as páginas relativas à educação sexual. Logo ele, que compartilha sexo explícito no Twitter. A chucrice moralista ignora a importância de se falar sobre sexo com crianças para evitar a gravidez precoce e o abuso sexual infantil. É essa mesma turma que depois dá chilique com pedofilia e quer esterilizar adultos em nome do controle populacional.

Bolsonaro disse também que não faz sentido que o concurso para assistente técnico do Banco Brasil exija um curso de diversidade e prevenção ao assédio moral e sexual. E ainda aconselhou a quem for reprovado por não ter o curso a entrar com um processo contra o banco estatal: “você pode entrar na justiça que tu vai ganhar”. Jair está mentindo. Não se trata de um requisito para passar no concurso, mas de um treinamento que faz parte do processo interno de formação e promoção de funcionários. Ele acha desnecessário esse tipo de curso em um país com altos índices de feminicídio, assédio moral e desrespeito às minorias. Isso para não falar da idiotice que é um chefe de Estado se meter no RH do banco estatal para patrulhar as regras de contratação de assistentes técnicos. Ele ainda perguntou, às gargalhadas, se os generais estavam preparados para fazer o concurso.

O presidente terminou a transmissão sem tocar no assunto Golden Shower, sem comentar os novos indícios do laranjal do ministro do Turismo e sem explicar o empréstimo nebuloso que fez ao Queiroz e sua ligação cada vez mais evidente com o crime organizado do Rio de Janeiro. São esclarecimentos desse nível que a população merece.

As lives serão semanais: toda quinta-feira, às 18 horas. É provável que continuarão sendo um show de assuntos idiotas, sensacionalismo e (asco ao) sexo. Parece o programa do João Kleber, mas é o presidente da República se comunicando com o seu povo.

É triste ver o paiseco que viramos.

Você sabia que...

O Intercept é quase inteiramente movido por seus leitores?

E quase todo esse financiamento vem de doadores mensais?

Isso nos torna completamente diferentes de todas as outras redações que você conhece. O apoio de pessoas como você nos dá a independência de que precisamos para investigar qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem medo e sem rabo preso.

E o resultado? Centenas de investigações importantes que mudam a sociedade e as leis e impedem que abusadores poderosos continuem impunes. Impacto que chama!

O Intercept é pequeno, mas poderoso. No entanto, o número de apoiadores mensais caiu 15% este ano e isso está ameaçando nossa capacidade de fazer o trabalho importante que você espera – como o que você acabou de ler.

Precisamos de 1.000 novos doadores mensais até o final do mês para manter nossa operação sustentável.

Podemos contar com você por R$ 20 por mês?

APOIE O INTERCEPT

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar