Rosana Pinheiro-Machado

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Estive em 26 universidades dos EUA e ninguém pensa duas vezes antes de definir Bolsonaro: “fascista”

Bolsonaro não vai conseguir mudar sua imagem no exterior de racista e ditador porque ela reflete exatamente o que ele é.

Ativistas norte-americanos e brasileiros protestam contra a visita do presidente Jair Bolsonaro, em 17 de março de 2019, na Lafayette Square, em frente a Casa Branca, em Washington, DC.

Ativistas norte-americanos e brasileiros protestam contra a visita do presidente Jair Bolsonaro, em 17 de março de 2019, na Lafayette Square, em frente a Casa Branca, em Washington, DC.

Ativistas norte-americanos e brasileiros protestam contra a visita do presidente Jair Bolsonaro, em 17 de março de 2019, na Lafayette Square, em frente a Casa Branca, em Washington, DC.

Eric Baradat/AFP/Getty Images

No domingo, dia 17, Bolsonaro embarcou para os Estados Unidos para se reunir com empresários e o presidente Donald Trump. Com razão, ele anda preocupado com sua imagem pública de racista e ditador lá fora. Para mudar isso, o governo trocará o embaixador brasileiro em Washington, Sérgio Amaral, “que não estaria vendendo uma boa imagem do Brasil no exterior”.

Será que vai funcionar? Minha andança recente pelos Estados Unidos me passou a impressão de que a tentativa será em vão.

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Nos últimos dois meses, passei por uma espécie de peregrinação pelas universidades norte-americanas, em um giro acadêmico que teve uma agenda de grande amplitude: foram 26 universidades, 35 palestras e dezenas de encontros com jornalistas, ativistas, estudantes e coletivos organizados em defesa da democracia. A ideia do tour surgiu logo após as eleições, quando a professora Érika Larkins, diretora do Brazil Program da Universidade Estadual de San Diego, convidou-me para explicar (com base em minhas pesquisas e de Lúcia Scalco) o fenômeno da extrema direita e a ascensão de Jair Bolsonaro para os “gringos”, sob uma perspectiva crítica.

Deparei-me com uma comovente solidariedade internacional.

Dias antes de partir, quando a notícia de minha viagem saiu nos meios de comunicação, deparei-me com a habitual ignorância bolsonarista. Nas redes sociais, fui chamada de vagabunda, burra e terrorista que viajaria com o dinheiro público para difamar Bolsonaro – mesmo que estivesse divulgado que eu estava sendo financiada pelas universidades norte-americanas, um homem disse que, quando eu voltasse para Santa Maria, Rio Grande do Sul, cidade onde leciono, eu iria ser pega na rua para “tomar um laço” (sic).

Ao contrário da truculência bolsonarista, ao longo dessa intensa jornada, deparei-me com uma comovente solidariedade internacional. Os departamentos a que visitei estavam muito sintonizados com a situação brasileira, denunciando o fascismo (expressão que eu raramente uso em contexto acadêmico, mas que era amplamente empregada pelos professores que apresentavam a minha palestra) e as ameaças à democracia.

Rosana Pinheiro Machado, autora do texto, durante palestra na Universidade de Columbia, em Nova York.

Rosana Pinheiro Machado, autora do texto, durante palestra na Universidade de Columbia, em Nova York.

Foto: Reprodução/Facebook Rosana Pinheiro Machado

Em cada lugar que eu passava, intelectuais e estudantes conheciam as frases misóginas e racistas de Bolsonaro. Eu havia preparado slides no qual – antes de falar da minha pesquisa propriamente dita –, eu apresentava algumas das infames frases do presidente. Mas não foi preciso passá-los porque simplesmente os estudantes, das mais variadas nacionalidades, já conheciam sua retórica criminosa. Em minha palestra no Texas, um estudante japonês, antes mesmo da fala, veio me dar um abraço e disse que sentia muito pelo Brasil ser governado por um presidente que dizia coisas “tão feias”.

Ao menos nas universidades dos Estados Unidos, o bolsonarismo covarde é constrangido por sua própria debilidade.

Na academia norte-americana, os desvairados que por aqui me atacam não têm vez. Isso acaba constrangendo os próprios brasileiros bolsonaristas que por lá tentam agir. Por exemplo, na Universidade de Arizona, após anunciarem minha palestra, uma brasileira mandou um e-mail para o departamento dizendo que todo mundo deveria ir morar em Cuba ou na Venezuela. Alguns professores debocharam do ocorrido, outros ficaram sem entender muito o que uma coisa tinha a ver com a outra. Também teve uma bolsonarista, que não era estudante daquela universidade, que foi à palestra. Alguns estudantes me alertaram que ela poderia se manifestar agressivamente. Todavia, diante do debate em alto nível, ela simplesmente se calou.

Já mais para o fim do giro, na Universidade de Columbia, em Nova York, um jovem, que não era estudante da universidade, foi o primeiro a pedir a palavra e me perguntou se eu sabia os dados de aprovação da população brasileira em relação ao aborto e às armas (minha palestra não era sobre isso e eu claramente vi que era uma pergunta armadilha). Quando eu fui responder, ele, tremendo, ligou o gravador. Fiquei tensa evidentemente, e respondi que existiam muitos números, que minha fala não era sobre isso e devolvi a pergunta: “mas por que você está me perguntando isso? Qual a sua opinião?” Ele, atrapalhando entre o gravador e as respostas prontas que tinha escrito no celular, perdeu-se um pouco na tentativa de me encurralar.

Muitos bolsonaristas ficaram quietos ao final em diversos lugares, pois talvez esperassem uma palestra cheia de chavões ideológicos de uma ativista de esquerda que foi lá para “falar mal do presidente”. Mas encontraram uma análise acadêmica bem diferente disso.

Com esses exemplos, meu ponto é simplesmente assinalar que, ao menos nas universidades dos Estados Unidos, o bolsonarismo covarde é constrangido por sua própria debilidade. No total, respondi a 280 perguntas e comentários. Ainda que minha palestra tivesse sido focada em uma pesquisa antropológica bastante específica, a audiência não se restringia ao escopo da pesquisa e comentava sobre os mais variados aspectos da política brasileira.

Os especialistas em América Latina, especialmente de uma geração mais sênior, destacavam mais a Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff como fatos decisivos na orquestração da eleição de Bolsonaro.

Já que nos Estados Unidos, o debate sobre preconceito na eleição de Trump é muito forte, o comentário mais dirigido a mim (em quase todas as universidades) foi que o voto de Bolsonaro era um ataque misógino — do angry white man, como destaca o livro de Michael Kimmel –, que havia se manifestado desde o impeachment de Dilma Rousseff. Lá, há uma grande discussão sobre o papel do racismo como um elemento motivador na eleição de Trump – após eleger um negro, parte da população não aceitaria eleger uma mulher como Hilary Clinton.

Os estudantes mais jovens, por sua vez, pareciam estar mais interessados em saber sobre personalidades específicas, principalmente Marielle Franco. Foi emocionante o fato de que, ao menos em um circuito específico lá fora, passei dois meses conhecendo pessoas que admiravam sua memória e estavam se organizando para o ato em 14 de março, um ano de sua morte.

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Emocionou-me ver o tamanho de coletivos organizados pela democracia brasileira por todo o país (de estudantes e não estudantes) e como esses grupos estão se organizando numa rede maior, encabeçada pelo brasilianista James Green. Somente em Nova York, existem dezenas de grupos, fazendo atividades, mesas e vigílias pela democracia ou por Marielle, por exemplo.

Nos circuitos de vida crítica nos EUA, Bolsonaro não tem vez.

A Califórnia foi um lugar interessante. Reduto bolsonarista, recebe muitos imigrantes trabalhadores e também estudantes brasileiros ricos. Em Los Angeles, Bolsonaro fez 90% dos votos. O que se contrasta com um estado progressista, berço da cultura hippie e do progressismo de Berkeley. Neste mesmo estado, Marielle está muito presente na memória dos estudantes norte-americanos de diversos cursos, provavelmente em função da ampla rede internacional que produz materiais e vídeos para manter vivo o seu legado. Estudantes norte-americanos vinham falar comigo e diziam que sentiam muito por meu país (e que eles entendiam porque também estavam nesse cenário!) e alguns até me perguntavam se eu sabia onde encontrar camisetas e adesivos da Marielle Franco. Uma jovem, ao ouvir esse questionamento, expressou: “Marielle no século 21 é o que o Che Guevara foi no século 20”.

Bolsonaro pode trocar embaixador, por se reunir com o Trump, pode pagar jornalistas, pode usar de todo o poder que tem em mãos, mas ele não mudará sua imagem porque, no fim das contas, ela reflete o que ele é. Suas palavras violentas ecoam no mundo todo. Ele pode até delirar coisas do tipo “universidades são dominadas pelo marxismo cultural” — como disseram seus bots em meu Twitter quando anunciei que escreveria esta coluna —, mas a verdade é que jornalismo e universidades ainda importam na formação da opinião pública. E Bolsonaro pode desprezar as universidades brasileiras, mas sabe o fetiche que as elites brasileiras cultivam pelas norte-americanas.

Nos circuitos de vida crítica nos EUA, Bolsonaro não tem vez. De modo orgânico, por meio de um clamor global por justiça, a verdade é que é hora de “ouvir as Marias, Mahins, Marielles e Malês”.

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