Danilo Gentili defende a própria liberdade de expressão enquanto processa quem fala mal dele

Danilo Gentili defende a própria liberdade de expressão enquanto processa quem fala mal dele

Quando lê o que não gosta, ele não economiza com os advogados.

Danilo Gentili defende a própria liberdade de expressão enquanto processa quem fala mal dele

“Falar não pode ser crime. Nunca”, tuitou Danilo Gentili na semana passada. Sua condenação a seis meses de prisão por uma ofensa contra a deputada Maria do Rosário, do PT gaúcho, o transformou instantaneamente em um mártir contra o que chamam de “patrulha do politicamente incorreto”. Gentili deu entrevistas defendendo o direito à liberdade de expressão, falou sobre os perigos da censura e apontou a hipocrisia de artistas e personalidades de esquerda que comemoraram a sua condenação.

Foi alvo até de um tuíte de solidariedade do presidente Jair Bolsonaro, que defendeu seu “direito de livre expressão e sua profissão”. A direita se uniu em apoio ao comediante e transformou o caso em um exemplo dos princípios autoritários que estariam, segundo essa lógica, embutidos no ideário progressista. Ok.

Mas Danilo Gentili não tem a mesma tolerância com a liberdade de expressão quando o alvo é ele. O comediante processou pelo menos quatro pessoas por crimes contra a honra – alguns deles criminalmente, ou seja, podem ter como resultado uma pena de prisão. Depende exclusivamente do juiz de turno. Danilo Gentili reclamou da sentença dura – a cadeia – que, na prática, quer impôr a quem o critica.

Em uma das ações movidas pelo comediante, ele processou criminalmente por calúnia e difamação uma jornalista da editora Abril que publicou um texto crítico a ele.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

Na ocasião, em 2016, o Brasil estava em choque com a notícia de um estupro coletivo de uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro e um tuíte de Gentili de quatro anos atrás havia voltado à tona. Em 2012, Gentili havia publicado: “O cara esperou uma gostosa ficar bêbada para transar com ela. Todos sabemos o nome que se dá para um cara desses: gênio”.

Quando o tuíte ressurgiu, associado ao estupro coletivo, foi logo apagado, mas o comediante não conseguiu segurar sua repercussão negativa. Foi mencionado no texto da jornalista da Abril – já fora do ar –, que dizia que ele é uma das personalidades que incentivam a cultura do estupro. Gentili não gostou. Alegou que o texto “ofendeu sua honra” e que “superou a liberdade de expressão” – argumentos parecidos com os dos advogados de Maria do Rosário contra ele. Não apenas processou a jornalista – que nos pediu para não ter seu nome divulgado – como fez isso na esfera criminal, ou seja: em última instância, ela poderia ser presa pelo que publicou.

A justiça não acatou. Gentili ainda apelou, mas voltou a perder. “É certo que a apelada pode exercer seu direito de crítica e de expressão, ainda que utilize expressões consideradas ‘ríspidas’ ou ‘mordazes’, sem que isso caracterize o crime contra a honra”, escreveu a juíza Maria Fernanda Belli na decisão. Segundo ela, os comentários “pungentes” e “categóricos” só demonstraram “intuito crítico da jornalista”, que se indignou com as falas de Gentili.

Para justificar o processo, advogados de Gentili falam de ‘ofensas vis e graves’ que incitam os telespectadores a ‘atentar contra a honra’ dele.

O mesmo tuíte também foi o estopim para outro processo por crime contra honra movido pelo comediante. Ainda em 2016, o jornalista José Trajano, então comentarista do programa Linha de Passe, da ESPN Brasil, disse que Gentili é um “personagem engraçadinho que se posta como se fosse um sujeito que faz apologia do estupro em nome do humor”. Parece pouco para quem chamou uma parlamentar de “puta”.

Mas não: Danilo Gentili achou a crítica tão ofensiva que fez um textão, falando em “máquina de moer reputações”, e entrou, mais uma vez, com uma queixa-crime contra o jornalista por injúria – crime cuja pena vai de três meses a três anos de prisão, além de multa.

“Tratam-se, na espécie, de ofensas vis e graves que apenas incitam os telespectadores a atentar contra a honra do autor, através de alegações inverídicas e injuriosas que em nada condizem com seu caráter e conduta pessoal, apenas denigrem sua imagem e causa transtornos no âmbito pessoal e profissional”, alegaram os advogados de Gentili.

Captura-de-Tela-2019-04-15-às-17.06.31-1555358814

A defesa da ‘dignidade’ foi uma das razões da queixa-crime movida por Gentili contra José Trajano.

Reprodução

O comediante perdeu. De novo. Apelou, mas a justiça negou a instauração da queixa-crime. O Ministério Público, em sua manifestação, disse que “as liberdades de expressão e crítica” deveriam preponderar sobre “eventual intenção de denegrir a honra subjetiva” de Gentili. A relatora Flávia Poyares Miranda ainda argumentou que, por mais que o comediante não faça “expressa apologia ao estupro” ele “efetivamente faz troça de fatos que, em tese, poderiam caracterizar o também grave crime de posse sexual mediante fraude”.

“É direito que José Trajano possa ter de desgostar do humor feito por Danilo Gentili (lícito ou ilícito que seja) e de externar aberta crítica a ele”, escreveu a relatora.

Ainda há processos de Gentili contra a blogueira Cynara Menezes e ao jornalista Paulo Nogueira, do site Diário do Centro do Mundo. Todos pela mesma razão: o comediante diz ter ficado ofendido.

Nem comentaristas de Facebook escaparam

Os alvos das investidas judiciais de Gentili para preservar sua própria honra não são apenas jornalistas. Em 2017, ele processou o Facebook para remover comentários que considerou ofensivos – e, também, para divulgar os IPs que permitissem que os 13 comentaristas fossem identificados e, assim, processados no futuro.

No Brasil, segundo o Marco Civil da Internet, os provedores de internet (como o Facebook) podem ser responsabilizados por conteúdo ofensivo se não removerem após uma ordem judicial. Por isso, Danilo Gentili entrou na justiça para garantir a exclusão de 16 comentários que considerou ofensivos na página do Comedy Central Brasil. Os advogados de Gentili exigiram que o Facebook pagasse R$ 3 mil de multa por dia caso os pedidos não fossem atendidos.

A justiça negou o pedido na primeira instância, argumentando que não houve ofensa – foi um “mero aborrecimento”, afinal Gentili é uma figura pública que está sujeita a críticas e que os comentários se limitaram à atuação profissional do autor. Mas o comediante – que reclama que “patrulhas proíbem você de falar o que você acredita” – não se conformou e apelou.

Desta vez, a justiça acatou. A decisão obrigou o Facebook a apagar os comentários em 24 horas, além de revelar o cadastro e os últimos dados de acesso dos comentaristas considerados ofensivos por Gentili. Desta forma, com os IPs, é possível descobrir a operadora de telefonia que eles usam – e, assim, chegar a seus nomes completos, datas de nascimento, RG, CPF e endereço.

O desembargador Salles Rossi entendeu que a discussão em questão não é a defesa da liberdade de expressão – ou seja, dos comentaristas terem se manifestado –, mas sobre a rede social divulgar informações sobre os críticos de Gentili. Como a Constituição brasileira veda o anonimato, o juiz decidiu pela divulgação dos dados “para, posteriormente, ingressar com as ações cíveis e criminais cabíveis contra cada um dos ofensores”.

Assim, a máquina de processos de Danilo Gentili ganhou, em julho do ano passado, mais 13 nomes para abastecer sua paradoxal máquina de liberdade de expressão.

‘O politicamente correto é hipócrita’

Danilo Gentili foi condenado a seis meses de prisão por injúria, exatamente o mesmo crime que ele tentou imputar à jornalista que o acusou de fomentar a cultura do estupro, a José Trajano e aos outros comunicadores que disseram o que ele não quis ouvir. Muito convenientemente, os processos movidos pelo próprio Gentili foram omitidos na sua defesa mordaz da liberdade de expressão ao longo da última semana.

A esfera cível tem mecanismos eficientes para coibir ofensas contra a honra – o pagamento de indenização, por exemplo, é um deles. O próprio Gentili já foi condenado a indenizar uma mulher ironizada por ele por ser a maior doadora de leite materno do Brasil. A justiça criminal, na qual Gentili foi condenado e a qual usa para processar outras pessoas, e que pode colocar alguém na cadeia, é um mecanismo punitivista extremo – e, por isso, concordamos com as preocupações levantadas sobre as possíveis consequências da decisão criminal contra o comediante. É a defesa de um princípio, algo que Gentili – que quer cadeia para quem fala coisas sobre ele – não fez. Está apenas defendendo a si próprio.

Mas o que vale para ele vale também – ou deveria valer – para quem o critica. A liberdade de expressão, se for mesmo considerada um direito fundamental, vale para todos os lados. Ou não? O que mais espanta no processo contra Gentili é o fato de o juiz não ter substituído a pena de prisão. A substituição de pena em crimes sem violência ou grave ameaça e que não ultrapasse quatro anos de reclusão é direito do acusado. Não importa se contra Danilo Gentili. Machuca mais a democracia que o juiz não respeite esse direito do que se Danilo sofra uma pena considerada “leve”. Que se aumente as multas em vara Civel, se for o caso.

Quando retuitou a solidariedade do presidente Jair Bolsonaro, Gentili se disse muito “honrado”. “Assim como nunca imaginei um dia ser condenado à prisão por protestar contra censura nunca imaginei também contar com apoio presidencial”, ele escreveu. Não espanta para um humorista de situação. Também disse que ficou aliviado por entender que o post “significa um registro do compromisso do governo com a liberdade de expressão”.

Bolsonaro, vale lembrar, parece seguir a mesma cartilha do comediante: em 2018, ele foi o político que mais tentou censurar publicações na internet. Não é uma relação entre o presidente e um humorista, mas entre o candidato e um cabo eleitoral. Esperamos que essa opinião não dê processo.

🚨 O QUE ENFRENTAMOS AGORA 🚨

O Intercept está vigiando manobras eleitorais inéditas da extrema direita brasileira. 

Os golpistas estão de cara nova, com seus ternos e sapatênis. Eles aprenderam estratégias sofisticadas de marketing digital para dominar a internet, que estão testando agora nas eleições municipais.

O objetivo final? Dominar bases de poder locais para tomar a presidência e o congresso em 2026. 

Não se deixe enganar: Bolsonaro era fichinha perto dos fascistas de sapatênis…

O Intercept não pode poupar esforços para investigar e expor os esquemas que colocam em risco nossos direitos e nossa democracia.

Já revelamos as mensagens secretas de Moro na Lava Jato. Mostramos como certas empresas e outros jornais obrigavam seus trabalhadores a apoiarem Bolsonaro. E expusemos como Pablo Marçal estava violando a lei eleitoral. 

Mas temos pouco tempo, e muito mais a revelar. Agora precisamos de recursos para colocar mais repórteres nas ruas. Para isso, precisamos de sua ajuda. Somos financiados por nossos leitores, não pelas empresas ricas que mandam em Brasília.

Faça parte do nosso time para causar o impacto eleitoral que você não verá em nenhum outro lugar! Faça uma doação de qualquer valor ao Intercept hoje mesmo! 

APOIE O INTERCEPT HOJE!

Conteúdo relacionado

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar