João Filho

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MBL, Doria e Novo querem distância de Bolsonaro. Mas lembre-se: eles estão sujos de lama.

Quanto mais gente abandona o projeto da barbárie, melhor. Mas a história deve ser contada para que nunca mais o país tope um governo antidemocrático.

MBL, Doria e Novo querem distância de Bolsonaro. Mas lembre-se: eles estão sujos de lama.

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Foto: Marcos Côrrea/PR

Ninguém mais está querendo sair na foto ao lado de Bolsonaro. O bonde da barbárie está descendo a ladeira sem freio, e cada vez menos gente está disposta a continuar nessa roubada. Quanto mais pessoas pularem fora, melhor. Embora seja tentador, não podemos nos dar ao luxo de ficar apontando dedos. Que os desertores sejam bem-vindos. Mas também não podemos passar pano. Nem rancor, nem flores. A história precisa ser contada com precisão para que nunca mais o país tope uma proposta declaradamente antidemocrática e fascistoide.

É fundamental que um país seja transparente com sua própria história. A ditadura militar no Brasil, por exemplo, foi mal contada, e os criminosos do regime não foram devidamente julgados e condenados. Esse foi um dos motivos que nos levou a eleger um defensor do legado dos anos de chumbo.

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Doria, MBL e partido Novo foram apoiadores entusiasmados do bolsonarismo no segundo turno das eleições. Para tirar o PT do poder, o trio liberal calculou que valeria a pena embarcar em um projeto extremista, liderado por um ex-militar que passou a vida como um parasita na Câmara e que colocou toda a sua família para mamar nas tetas do serviço público. Eles consideraram razoável apoiar um candidato que durante sua carreira assumiu ser homofóbico, incentivou a população a sonegar impostos, exaltou a tortura e chamou os direitos humanos de “esterco de vagabundo”. Não foi pouca coisa que eles aceitaram em nome do antipetismo. O “jeito novo de fazer política” abraçou o lado mais caquético e assombroso da velha política na primeira oportunidade. Ninguém irá pular desse barco sem ter manchado a roupa de lama e de sangue.

A afinidade ideológica entre eles não é pequena, é preciso dizer. São muitas as pautas que esses três atores políticos compartilham com o bolsonarismo. Seja na área política, econômica ou moral, há muito mais convergências do que divergências. Portanto, é impossível agora tentar remover as digitais da tragédia instaurada.

Doria tem se afastado do bolsonarismo, preparando o terreno para 2022, quando provavelmente se apresentará como uma alternativa moderada à direita.

Bastou o chimpanzé fascistoide anunciar durante a campanha que Paulo Guedes seria seu futuro ministro da economia que os liberais passaram a vê-lo com outros olhos. Acreditaram que um homem respeitado pelo mercado resolveria todos os nossos problemas, e o homem-primata, devidamente adestrado e comprometido com as reformas, não seria empecilho. Mas a crença na mão invisível do mercado como saída para todos os problemas não resistiu aos primeiros dias de governo. Bolsonaro se mostrou um desastre sob qualquer ponto de vista. O arrependimento de antigos apoiadores é bem-vindo, mas não beatifica ninguém. Eles sabiam que aquela mão invisível do mercado portava uma metralhadora e aceitaram o rolê.

Doria tem se afastado do bolsonarismo, preparando o terreno para 2022, quando provavelmente se apresentará como uma alternativa moderada à direita. O governador pode até sair do bolsonarismo, mas o bolsonarismo não sairá dele tão fácil. Ele foi o candidato a governador mais entusiasmado com a popularidade da candidatura Bolsonaro. Todos os sinais do apocalipse já estavam ali, mas o tucano não fez qualquer objeção.

O rompimento precoce com o ex-capitão não surpreende. Lealdade nunca foi uma marca de Doria, que ganhou espaço na política na base das traições, chegando a trair seu mentor Geraldo Alckmin. A impopularidade crescente do presidente despertou o apurado senso de oportunismo do tucano que, com dissimulação — essa, sim, sua grande marca —, disse que “nunca esteve alinhado com o governo Bolsonaro”.

O candidato ao governo de São Paulo João Doria Jr (PSDB) indo votar no segundo turno das eleições de 2018.

O candidato ao governo de São Paulo João Doria Jr (PSDB) indo votar no segundo turno das eleições de 2018.

Foto: Marcus Leoni/Folhapress

Ainda no primeiro turno, quando o PSDB tinha seu candidato, Doria já se mostrava simpático ao bolsonarismo. No segundo, o abraçou com força e passou a propagar o voto Bolsodoria. A aliança não aconteceu apenas por uma estratégia eleitoral em busca dos votos do capitão ou por ser a única alternativa ao PT. Ela se deu por alinhamento ideológico e programático.

Além das afinidades na área econômica e no campo moral, Doria tem o mesmo discurso violento de Bolsonaro para a área de segurança pública, demonstrando igualmente um profundo desprezo aos direitos humanos. O número de assassinatos cometidos por policiais aumentou na gestão do tucano. A flexibilização do porte de armas do governo federal também contou com seu apoio integral.

Doria demonstrou muita indignação com o recente ataque que o presidente desferiu contra o pai do presidente da OAB, morto pelo regime militar. Considerou “inaceitável” e lembrou do seu pai deputado que foi cassado pela ditadura e teve que viver no exílio. Depois de passar muito tempo apoiando sem ressalvas a veneração do bolsonarismo à ditadura militar, Doria subitamente resolveu honrar a memória do seu pai e defender a democracia. Faria o mesmo se a economia estivesse bombando e a popularidade do presidente em alta?

A história mostra que o liberal brasileiro não vê problema em flertar com o totalitarismo quando lhe parece oportuno.

A resposta é óbvia. Essa repaginação da sua imagem é só o primeiro passo para a criação de um novo produto para a próxima eleição: o direitista moderado anti-Lula que rejeitou o bolsonarismo. Como diria o poeta Vanucci, 2022 é logo ali, e portanto, é importante lembrar quem foram os arquitetos da tragédia bolsonarista.

O MBL também não quer ter mais nada a ver com isso daí. É mais um que alimentou o bolsonarismo sem nenhum pudor e que agora decide se afastar. Mas, assim como Doria, o distanciamento é apenas pragmático, porque ideologicamente continuam bastante próximos. O MBL não quer ser lembrado como o grupo liberal que atuou como linha auxiliar da extrema direita, mas como o grupo que só queria livrar o Brasil do PT.

Mas o histórico reacionário do MBL nos leva a crer que esse arrependimento seja puro oportunismo. Não é preciso dizer que eles engoliriam com tranquilidade todos os absurdos autoritários do governo se a economia estivesse bombando. Afinal de contas, estamos falando da turma que se indignou com gente pelada em museu, que foi pras ruas em favor do Escola sem Partido, que nutre um fetiche por Donald Trump e cujo um dos seus líderes é um vereador católico que quer a internação psiquiátrica compulsória de mulheres grávidas que desejam abortar. O MBL pavimentou o caminho da extrema direita. A sua alma bolsominion é inegável.

Boné vendido na lojinha do 3º no Congresso do MBL, realizado em novembro de 2017.

Boné vendido na lojinha do 3º no Congresso do MBL, realizado em novembro de 2017.

Foto: João Filho/The Intercept Brasil

Em novembro de 2017, o líder do MBL e deputado estadual Mamãe Falei (DEM-SP) deixou claro que as afinidades do grupo com Bolsonaro eram enormes:

“Concordamos muito com o Bolsonaro em diversas coisas: revogação do estatuto do desarmamento, redução da maioridade penal… Concordamos em diversas pautas. Inclusive quando ele falou mal da CLT, eu quase soltei fogos na minha casa. Quando ele fala em criar leis antiterroristas que atinjam o MST, eu acho que é um ato de extrema coragem. Eu acho uma palhaçada quando começam a chamá-lo de racista e homofóbico.”

Renan Santos, um dos fundadores do MBL, fez um mea culpa em entrevista recente à Folha. Admitiu que o grupo exagerou na retórica agressiva e que não deveria ter apoiado Bolsonaro, “mas” — sempre tem o “mas” — “não havia o que fazer. Se o PT chegasse ao poder, a gente teria guerra civil. A classe média e o centro-sul não iriam aceitar o resultado”. Ou seja, ele está dizendo que só apoiou a extrema direita autoritária porque acreditou que a classe média não respeitaria a vontade da maioria e iniciaria uma guerra civil. Para evitar essa ruptura democrática, o MBL então decidiu apoiar um extremista de direita que defende a tortura e renega a democracia.

Não faz o menor sentido, mas nos esforcemos em ser compreensivos e pragmáticos. Que o MBL seja bem vindo à luz depois dessa longa jornada na escuridão, mas é preciso deixar claro quem eles são e porque pularam do barco. A história mostra que o liberal brasileiro não vê problema em flertar com o totalitarismo quando lhe parece oportuno.

O Novo também não quer mais ser associado ao chimpanzé presidencial. O presidente do partido João Amoêdo disse ao Valor que o “Novo é muito diferente do Bolsonaro”. A desfaçatez dos autoproclamados “novos políticos” é mesmo impressionante. Apesar da fachada gourmet, o Novo sempre se mostrou bastante alinhado às pautas radicais do PSL. Ou alguém considera que essa peça de campanha de Ricardo Salles incitando crime “contra a esquerda” está distante do pensamento padrão bolsonarista?

MBL, Doria e Novo querem distância de Bolsonaro. Mas lembre-se: eles estão sujos de lama.

Folheto da campanha de Ricardo Salles para deputado federal.

Ricardo Salles não se elegeu deputado, mas foi acomodado no seio bolsonarista com o cargo de ministro do Meio Ambiente. Na entrevista, João Amoêdo lavou as mãos diante da tenebrosa gestão do seu correligionário: “Ele tem um estilo de atuação mais parecido com o do governo Bolsonaro do que talvez de um governo do Novo”. De qualquer forma, o presidente do Novo acha que “do ponto de vista técnico ele [Salles] tem mais acertado que errado”.

Apesar de querer aparentar distância do governo, o Novo tem sido bastante fiel a ele nas votações no congresso. Luiz Philippe de Orléans e Bragança, o deputado-príncipe do PSL, falou sobre a sintonia entre os partidos: “basicamente nós temos dois partidos que apoiam integralmente o governo: o PSL e o partido Novo. Os dois têm votado 90% das vezes em consonância com as propostas do governo.”

É compreensível que Amoêdo agora queira se descolar do bolsonarismo, mas ninguém se livra do DNA bolsominion assim tão fácil. Logo nos primeiros dias após a posse, o governador mineiro Romeu Zema, do Novo, demonstrou que o PSL e seu partido estavam alinhadíssimos: “O DNA [dos partidos] coincide 99,5%. Em pouquíssima coisa talvez não estejamos alinhados”. A principal diferença, segundo ele, é que os bolsonaristas são “um tanto quanto mais exaltados”, enquanto “somos comedidos”, explicou. Ou seja, diferem apenas no tom do reacionarismo, o que me leva a crer que o Novo é basicamente um PSL com focinheira e gravata borboleta.

Todos têm o direito de mudar de opinião, é claro, mas toda inflexão desse tipo na política requer uma justificativa clara, contextualizada e elaborada. Mudar ao sabor dos ventos é oportunismo. Mesmo assim, é salutar esse crescente isolamento do bolsonarismo. Agora, é preciso deixar claro que esse filho feio tem pai. Os liberais precisam assumir a paternidade. Não basta sair à francesa. Os co-autores deste projeto não podem agora simplesmente lamentar como se tivessem apenas cumprido o papel de inocentes úteis. A história precisa ser bem contada para não ser repetida. O país não pode comprar novamente a ideia de que um extremista alucinado “tinha tudo pra dar certo”, como achou a revista IstoÉ.

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