João Filho

Está na hora do PSDB mudar de nome: não há mais social-democracia dentro do partido

Passado um ano de bolsonarismo no poder, é possível dizer que a agenda tucana e a bolsonarista são basicamente as mesmas.

João Doria e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante inauguração da Avenida Doutora Ruth Cardoso, zona sul de SP, em 2018.

Está na hora do PSDB mudar de nome: não há mais social-democracia dentro do partido

João Doria e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante inauguração da Avenida Doutora Ruth Cardoso, zona sul de SP, em 2018.

Foto: Fabricio Bomjardim/Brazil Photo Press/Folhapress

Nascidos na centro-esquerda, os tucanos passaram a ocupar a centro-direita do espectro político durante os governos FHC. Lá permaneceram como os principais antagonistas dos governos do PT e das esquerdas. Mas a onda bolsonarista das últimas eleições, impulsionada pelo projeto político lavajatista de sangramento do sistema de representação, fez com que o PSDB perdesse o protagonismo.

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As últimas eleições marcaram o fim do PSDB como o conhecemos. A sigla perdeu 25 deputados entre as eleições de 2014 e 2018, teve desempenho pífio nas eleições para governador e, nas presidenciais, não conseguiu 10% dos votos válidos no estado de São Paulo — seu tradicional curral eleitoral. Os tradicionais eleitores conservadores do PSDB pularam para o barco do bolsonarismo. A morte do partido só não foi decretada graças à eleição de João Doria, que fez uma campanha ferrenhamente anti-esquerdista, flertou com o autoritarismo bolsonarista,  traiu tucanos tradicionais e hoje governa o maior colégio eleitoral do país.

Logo que Bolsonaro foi eleito, o então líder do PSDB na Câmara prometeu apoiar o novo governo “em tudo aquilo que também é a agenda tucana”. O senador tucano Izalci Lucas, do Distrito Federal, foi escolhido por Bolsonaro para ser vice-líder do governo no Senado. Apesar de não se colocar oficialmente como base governista, ficou claro desde o início do governo que o novo PSDB e o PSL possuem mais afinidades do que divergências. Mas essa é uma realidade que os tucanos não querem mostrar.

A estratégia de Doria é se apresentar como um Bolsonaro moderado.

Já projetando uma candidatura à presidência, Doria, que é virtualmente o novo dono do partido, não quer que esse flerte da sigla com a extrema-direita fique marcado na cabeça do eleitorado. A estratégia serve para preparar o terreno para a próxima eleição presidencial, quando pretende se apresentar como um Bolsonaro moderado. O figurino que Doria escolheu para 2022 é o de alguém implacável com a esquerda e com a bandidagem, mas que não chega a agredir os marcos civilizatórios nem chafurdar no olavismo delirante. O governador paulista pretende disputar o campo de direita desfilando como o antipetista racional, que não está fora da casinha, um conservador gourmet que não despiroca como os weintraubs e as damares da vida.

Essa estratégia ficou ainda mais clara com a recente atuação do PSDB nas redes sociais. Os perfis do partido não atuam mais de forma institucional como manda o figurino. A ideia é apostar no jeito MBL de fazer política: fabricando memes e lacrando adversários, sempre se colocando em uma posição equidistante entre o bolsonarismo e o petismo. Piadinhas com a cineasta petista Petra Costa e com o mau português de Weintraub fizeram o perfil do partido triplicar o seu alcance no Twitter.

Mas, apesar do esforço em se vender simultaneamente como antagonista do petismo e do bolsonarismo, na prática, o PSDB está sentado no colo do último. Passado um ano de bolsonarismo no poder, é possível dizer que a agenda tucana e a bolsonarista são basicamente as mesmas.

Em 2019, o PSDB apoiou 81% das matérias do governo na Câmara. Para se ter uma ideia do tamanho da adesão, o PSL, partido que elegeu Bolsonaro, aprovou 85%. É o quarto partido que mais aderiu aos projetos do governo da extrema-direita, perdendo apenas para Podemos, Patriota e PSL. Os memes e a lacração do novo PSDB nas redes criticando pontualmente ações do governo não são capazes de amenizar os fatos: o PSDB atua como linha auxiliar do projeto autoritário que está atropelando a democracia.

Guinada à direita

Nascido na centro-esquerda, o PSDB se tornou um partido de centro-direita nos governos FHC e hoje está mais perto da extrema-direita do que do centro. Além do apoio sistemático aos projetos políticos do bolsonarismo, o maior cacique do partido hoje, João Doria Jr., tem um perfil autoritário e tem varrido sistematicamente qualquer resquício de social democracia no partido. O tucano Fernando Guimarães, por exemplo, integrante de uma ala minoritária do partido que luta para puxar o partido de volta para a esquerda, passou a ser perseguido por Doria e seus aliados por tentar promover uma frente ampla contra Bolsonaro. Depois, passou a ser alvo de um processo de expulsão da sigla por criticar a filiação do ex-bolsominion Alexandre Frota. O PSDB, aliás, tem tudo para ser o abrigo dos próximos refugos bolsonaristas. Joice Hasselmann pode ser a próxima a migrar.

Segundo uma consulta feita com filiados pela internet, a maioria dos tucanos hoje é a favor do pagamento de mensalidade em universidades públicas por quem tem condições, da redução da maioridade penal para 16 anos em caso de crime hediondo e da possibilidade de demissão de servidores públicos.

No Congresso Nacional do partido realizado em dezembro, Serra, Alckmin, Aécio e FHC nem compareceram. O ex-presidente FHC hoje é o principal fiador de uma candidatura em construção de Luciano Huck, que possivelmente irá concorrer com os tucanos.

No evento, os tucanos consolidaram a guinada à direita, mas mantiveram a estratégia de não parecer conivente com as loucuras do governo federal. Prometeram continuar apoiando as reformas e a política de privatizações e fazendo oposição no campo dos costumes e ao autoritarismo do presidente. Essa conversinha furada, que visa o reposicionamento da marca PSDB para as próximas eleições, tenta apagar o fato de que a adesão tucana aos projetos da extrema-direita naturaliza o seu caráter antidemocrático. Não há um enfrentamento claro e firme contra o autoritarismo do governo.

Em nome da agenda econômica ultraliberal de Paulo Guedes, os tucanos estão aceitando a implementação do projeto reacionário de Bolsonaro.  Fazer memes debochando dos arroubos autoritários pontuais do bolsonarismo não vai apagar o passado Bolsodoria nem a atual adesão às pautas bolsonaristas na Câmara. Registre-se também que o novo PSDB apoia de forma entusiasmada o autoritarismo lavajatista. O presidente do partido chegou a emitir nota criticando a decisão do STF que culminou com a soltura de Lula, engrossando o coro bolsonarista que não aceitou o cumprimento da Constituição. Aliás, Doria está cada vez mais próximo de Sergio Moro e já preocupa Bolsonaro.

Doria é hoje o único nome eleitoralmente forte do PSDB, o que, na prática, lhe dá a condição de dono.  É isso o que virou o partido: um puxadinho do Lidea empresa de lobby da família Doria — que atua como sucursal do bolsonarismo, mas quer vender a imagem de oposição. O novo PSDB não é o jovem liberal cabeça aberta como tenta se apresentar nas redes, pelo contrário. O tucanismo hoje tem a cara do seu principal cacique: oportunista, hipócrita e autoritário. Se o velho PSDB morreu, o novo segue andando por aí como um zumbi ao lado de outros zumbis bolsonaristas.

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