João Filho

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Quem são os aliados, empresários e militares de saco cheio de Bolsonaro após crise do coronavírus

A negligência bolsonarista diante da pandemia do novo coronavírus parece ter sido a gota d'água e fez as panelas tocarem no país inteiro.

João Doria, Governador de São Paulo, participa do evento de lançamento da CNN Brasil, na Oca do Parque do Ibirapuera, na zona sul de São Paulo.

A crise do coronavírus

Parte 25


Quem são os aliados, empresários e militares de saco cheio de Bolsonaro após crise do coronavírus

Foto: Paulo Lopes/BW Press/Folhapress

O governo Bolsonaro acabou. Ele continua no cargo, mas moralmente não é mais o presidente. A negligência bolsonarista diante da pandemia do novo coronavírus foi a gota d`água e fez as panelas tocarem no país inteiro. Desta vez, o bolsonarismo não conseguiu disfarçar sua incompetência apostando nas batalhas de narrativa. A realidade dos cadáveres da pandemia atropelou quem até ontem jurava que tudo não passava de “fantasia” e “histeria” da imprensa.

No bairro em que moro em São Paulo, onde o presidente obteve 75, 47% dos votos, o barulho nas varandas foi gigantesco. Além da base eleitoral bolsonarista estar minguando, os aliados políticos, os militares e os empresários têm demonstrado estar de saco cheio. “Bolsonaro acabou”, como bem vaticinou o haitiano em frente ao Alvorada.

Os empresários, que antes topavam qualquer absurdo bolsonarista em troca da aprovação das reformas, já dão sinais de que vão abandonar o barco à deriva. Eles se tocaram que vão perder muito dinheiro com uma economia comandada por gente que possui a mesma destreza dos chimpanzés. O filhote do presidente Eduardo Bolsonaro, por exemplo, resolveu atacar a China, nosso principal parceiro comercial, em um momento de profunda recessão econômica. No dia seguinte, seu pai admitiu que poderia pedir ajudar aos chineses para conter a pandemia. Até tentou ligar para o presidente chinês, mas não foi atendido.

A embaixada chinesa informou que o imbróglio só terá fim após um pedido de desculpas do filho do presidente. O filho apostou na narrativa conspiratória, mas papai agora tem que lidar com a realidade da pandemia. Os fatos alternativos não salvam ninguém do corona.

Parte do empresariado parece ter percebido a profundidade do buraco em que se enfiou. A recessão econômica se aprofundará gravemente com a pandemia, é inevitável, e o bolsonarismo não tem a menor condição técnica, política ou moral para lidar com isso.

Luciano Hang, dono da Havan, um dos apoiadores mais representativos do presidente, abandonou o papel de bobo da corte e passou a criticar o governo. O empresário está vendo seus lucros escorrerem pelo ralo. Logo após a eleição de Bolsonaro, ele anunciou um investimento de R$ 500 milhões em um projeto de expansão dos seus negócios. Acreditava que o ultraliberalismo de Paulo Guedes faria a economia bombar. Passado pouco mais de um ano com a economia patinando na lama, o empresário desistiu da expansão. Ele planejava abrir 25 lojas neste ano, mas até agora só abriu cinco e anunciou que irá colocar o pé no freio.

Em um inédito momento de sensatez, Luciano Hang disse: “Precisamos de bom senso. Chega de jogar para a torcida, está na hora de jogar pelo Brasil”. A fala parte de alguém que até semana passada botava pilha no governo e atuava como o animador dessa mesma torcida. Há poucos dias, ele convocou a população para enfrentar o Congresso e o STF nas ruas, mas agora passou a pregar a união entre os poderes. Parece que a pandemia está obrigando os malucos a ficarem dentro da casinha.

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O empresariado vai percebendo que as batalhas de narrativas têm um limite e não sobrevivem ao mundo real. Mas, claro, isso só passou a acontecer quando começou a doer no bolso. Enquanto os direitos humanos e os direitos dos trabalhadores eram ceifados, estava tudo bem. As elites agora ameaçam romper com bolsonarismo, mas não nos esqueçamos da sua co-autoria nessa tragédia.

Os militares, que ocupam grande parte dos cargos nos ministérios, estão insatisfeitos com a postura de Bolsonaro no enfrentamento da epidemia. Eles pregam que o presidente abandone a narrativa beligerante e assuma um tom conciliador, o que sabemos que não irá acontecer. O discurso violento contra valores democráticos e adversários políticos é a essência do bolsonarismo. Uma nota publicada pela coluna Radar da Veja revela que já há militares com sentimento de revolta: “Assessores militares estão revoltados com a falta de prudência dos superiores. Relatórios de inteligência alertavam sobre a gravidade da crise ainda no começo do ano, mas Bolsonaro ou não leu ou achou melhor ignorá-los”.

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Os ditos liberais que aderiram ao governo de extrema direita em nome do ultraliberalismo de Paulo Guedes também estão pulando pra fora do Titanic. O ex-banqueiro João Amoêdo, o CEO do partido Novo, afirmou que Bolsonaro não tem “capacidade, postura e bom senso para administrar a crise”. Essa mensagem tem um peso significativo, porque vem de um dos partidos mais fiéis ao bolsonarismo nas votações na Câmara.

Os governadores decidiram reagir à pandemia sem esperar Um dos únicos governadores que apoia Bolsonaro, Ronaldo Caiado, de Goiás, também demonstrou sinais de insatisfação essa semana. Ele foi à manifestação convocada pelo presidente, mas para alertar a população de que ela não deveria estar ali. “Sou um dos poucos (entre os governadores) que apoiam Bolsonaro. Mas vocês têm de entender que sou médico. E vocês precisam entender, a menos que não estejam olhando ao mundo, que vocês precisam mais do que nunca de ter responsabilidade e não fazer aglomerações que provoquem disseminação do novo coronavírus”. O governador foi vaiado pelos manifestantes bolsonaristas, que estavam contaminados pela mentira propagada pelo presidente de que tudo não passava de “fantasia” fabricada pela imprensa.

O governador paulista João Doria, que já havia rompido com o bolsonarismo depois de surfar no #BolsoDoria na eleição, aumentou o tom das críticas. Depois de uma reunião pela internet com todos os governadores do sul e sudeste do país para discutir medidas para o combate à covid-19, ele disse: “Lamento ter que dar essa informação de que nós estamos fazendo aquilo que deveria caber ao líder do país, que é o presidente Jair Bolsonaro, que lamentavelmente ele não faz, e quando faz, faz errado.”

A deputada paulista Janaína Paschoal, que por muito pouco não foi a vice de Bolsonaro, rompeu de vez com o presidente ao pedir a sua saída do cargo. Disse que se arrependeu do voto e em um discurso cheio de revolta na Assembleia Legislativa de São Paulo, clamou aos berros: “As autoridades têm de se unir e pedir para ele [Bolsonaro] se afastar. Nós não temos tempo para um processo de impeachment. Nós estamos sendo invadidos por um inimigo invisível. Precisamos de pessoas capazes de conduzir a nação.”

Até Olavo de Carvalho, o mentor do bolsonarismo, o farol intelectual dos governistas, está decepcionado. Ele tem criticado Bolsonaro e diz que “agora talvez seja tarde para reagir”. O diagnóstico do lunático da Virgínia é formidável: o mesmo presidente que nomeou vários ministros indicados por Olavo e vários de seus alunos não teria escutado os seus conselhos.

O panelaço e a debandada geral do bolsonarismo são indícios de que a grande ficha está caindo para muita gente. Mas antes que saiamos dando as mão para os arrependidos, um registro histórico importante precisa ser feito: eles ajudaram a elegê-lo tolerando homenagens a torturadores, ditadores e milicianos, assim como toleraram ataques às minorias, aos direitos humanos e à democracia. Foi preciso uma pandemia sem precedentes — uma crise que também atinge os ricos — para esses patrocinadores do bolsonarismo romperem com a tragédia governista. A tentativa de salvar a biografia chegou tarde demais.

O isolamento de Bolsonaro está se intensificando, e a sua presença no Planalto já é insustentável até para alguns desses arquitetos do bolsonarismo. A pandemia de coronavírus impôs um desafio inédito para o presidente: contornar uma crise dessa magnitude com trabalho sério e competente, sem apelar para memes lacradores e fake news no WhatsApp. A fábrica de mentiras ajuda a eleger, ajuda a governar, mas não evita os cadáveres de uma pandemia.

Nunca o presidente perdeu tanto apoio importante em apenas uma semana. Há um acúmulo de crises que seria insustentável para qualquer governo, quanto mais para um fraco e incompetente. Isolado e diante da inevitabilidade do aprofundamento dessas crises em todos os setores do governo, Jair Bolsonaro deveria renunciar imediatamente. Mas isso só aconteceria se houvesse algum fragmento de dignidade nele. Sabemos que não há.

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