Com a pandemia do novo coronavírus, os investidores começaram a correr para garantir liquidez, vendendo os ativos (ações, títulos públicos e privados, por exemplo) que têm em países emergentes para tirarem depressa o que investiram aqui. Com esse movimento, eles acabam valorizando as moedas de países avançados, sobretudo o dólar americano, e forçam a desvalorização da moeda dos países emergentes e menos seguros, como o real brasileiro. Por isso vemos a escalada da taxa de câmbio desde o começo da crise.
Em geral, esse movimento afeta todos os países emergentes. Mas a desvalorização acumulada pelo real é a maior dentre todos os emergentes, como Rússia, África do Sul, Índia, China e Turquia. O que há de diferente com o Brasil para a nossa depreciação ser maior que a dos outros países? Será que há algo em nossa economia que pode fazer com que o dólar continue caro em relação ao real?
São quatro fatores principais que se somam como causadores da posição externa mais desvantajosa do Brasil e que nos faz sofrer desvalorizações maiores quando há fuga de capitais, como agora. Dois fatores se concentram no balanço de pagamentos. Um outro motivo está relacionado às transações financeiras internacionais. Mas ainda há um quarto, ainda pouco abordado, mas que se tornará cada vez mais relevante para fluxos internacionais de capital: o meio ambiente. Dentre esses quatro aspectos, três são mais permanentes e, portanto, podem estabelecer um novo nível para a taxa de câmbio. Talvez não vejamos mais o dólar mais barato em relação ao real por um longo período.
Comecemos pelo aspecto mais conjuntural de todos, que é composto por três movimentos mais ou menos coincidentes. Primeiro, temos a “paz” na guerra comercial entre China e Estados Unidos. Durante a animosidade entre os dois países, a China aumentou sua demanda por commodities brasileiras, contribuindo para maiores exportações brasileiras entre 2017-2018. Com o armistício no final de 2019, a exportação brasileira de soja, por exemplo, que concorre com a americana, caiu US$ 6,9 bilhões.
O segundo movimento é a Argentina, um dos principais parceiros comerciais do Brasil, que está em crise. Exportamos para lá US$ 3,3 bilhões a menos em setores de manufatura, de alto valor agregado. Dos US$ 13,2 bilhões a menos de saldo da balança comercial em 2019, China e Argentina explicam uma boa parte.
O terceiro movimento é a crise econômica global, causada pelo novo coronavírus. Ela também impactará a economia brasileira e, como ela acomete todos os nossos principais parceiros comerciais é provável que seus efeitos maléficos sejam duradouros.
Por causa desses três movimentos, o Brasil hoje ostenta uma menor entrada de divisas pelo comércio internacional. Ao mesmo tempo, nossas vendas ao exterior são basicamente commodities, de pouco valor agregado e bastante sensíveis a oscilações de preço. Vendemos menos ao exterior, e os produtos que exportamos trazem pouco dinheiro estrangeiro. Nossa balança comercial pode até continuar a ser superavitária, mas muito mais por causa da estagnação econômica e do dólar valorizado, que encarece e reduz as importações, do que pelo fato de sermos bons exportadores.
Além disso, o segundo fator – esse mais permanente – é que a nossa conta de renda é crescentemente deficitária. Saíram US$ 55 bilhões em 2019, o quinto pior resultado desde 1994. As razões para isso são duas: 1) a desnacionalização do parque produtivo nacional, com maior envio de lucros ao exterior, e 2) o elevado passivo externo bruto, implicando saída de recursos para pagamento de renda para fora. A balança comercial fraca e uma cada vez pior conta de renda explicam o aprofundamento do déficit em transações correntes, que mira para 3-3,5% do PIB em 2020. Esse refluxo de recursos estrangeiros do Brasil pressiona a desvalorização do câmbio, mesmo diante de nossas elevadas reservas internacionais.
O aspecto do lado financeiro, também permanente, refere-se ao tamanho do mercado de derivativos cambiais no Brasil. Derivativos são ativos cujo valor deriva de outros ativos (como café ou ouro), índices (a exemplo de ações) ou taxas de referência (câmbio e juros), e servem como uma proteção (chamada de hedge) contra riscos de flutuações nos valores de todos esses ativos. Investidores estrangeiros, mesmo quando fazem investimentos que não se destinam ao Brasil, fazem aqui a proteção contra o risco de perda com variações cambiais – quando há variação da taxa de câmbio dos outros dois países, os investidores tentam ganhar aqui o que perderam lá. Isso acontece por conta da extensão e da liquidez do mercado de derivativos cambiais do país. Por ser um mercado grande, em momentos de fuga para liquidez, como agora, a redução do volume de negócios e a liquidação dos contratos são bem impactantes, reduzindo a oferta de dólar em um momento de maior demanda por ele. O resultado é uma taxa de câmbio mais alta e mais volátil.
De olho no meio ambiente
Mas há um outro elemento que pode fazer com que o dinheiro estrangeiro não volte como antes ao Brasil mesmo após o fim da crise do coronavírus: o meio ambiente. Ainda que o mercado financeiro nacional não o tenha ainda colocado na agenda, o meio ambiente é cada vez mais considerado um fundamento pelos investidores estrangeiros quando escolhem seus locais de aplicação. Grandes fundos de investimento, premidos pelas sociedades nos países desenvolvidos, anunciaram que levarão a economia verde em conta na composição de suas carteiras. A agenda Bolsonaro se mostrou na direção contrária, acumulando escândalos de queimadas na Amazônia, paralisação do Ibama e favorecimento do agronegócio mais predador. Quando acordarmos para a relevância deste fator, o tempo perdido nos terá deixado muito atrasados.
Logo, é esperado que o real desvalorize mais do que outras moedas, mesmo com reservas internacionais fartas. Estamos cada vez mais suscetíveis a choques internacionais. Nossa pauta exportadora regrediu para itens de menor valor agregado e com preço volátil, além de o capital produtivo do país ter se desnacionalizado enquanto que o envio de juros ao exterior se ampliou. Pelo lado financeiro, temos um mercado de derivativos amplo e líquido, mas cujo capital estrangeiro só vem especular para minimizar seus riscos e não para efetivamente investir mais aqui. Sem contar que a economia verde vai se tornando um fundamento para investimentos internacionais, mas sustentabilidade não está no radar do governo Bolsonaro.
É por causa disso tudo que o Brasil é colocado à venda bem mais rápido dos que os outros emergentes. Fossem tempos de pouca reserva internacional, o Brasil estaria sob o risco iminente de crise cambial, isto é, de ficar sem dólares para realizar transações com o resto do mundo, como ocorreu com a Argentina há pouco tempo, e conosco em 1999 e 2002. Na verdade, o risco existe, apenas não é iminente. Se continuarmos à venda, a iminência chegará e talvez o patamar do câmbio acima do símbolo de R$ 5 dure por um tempo bem maior do que imaginávamos.
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