Em uma ação inédita, o ministro da Justiça, André Mendonça, ingressou, na noite desta quarta-feira, 27 de maio, com habeas corpus em favor do ministro da Educação Abraham Weintraub, convocado a depor em razão da sua fala na famigerada reunião de 22 de abril. Weintraub vociferou e defendeu a prisão dos “vagabundos” do STF.
No HC, que coube ao ministro Edson Fachin, Mendonça, que se qualifica apenas como “Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública”, inicia argumentando que o “presente Habeas Corpus é resultado de uma sequência de fatos que, do ponto de vista constitucional, representam a quebra da independência, harmonia e respeito entre os Poderes desejada por todos.” A introdução está afinada com o discurso de Bolsonaro, que cobrou “paz, harmonia, independência e respeito” e disse que a democracia é “sagrada”.
Em cinco laudas, afirma que o inquérito 4781, no qual Weintraub é investigado, violaria o princípio da separação de poderes, e pede a exclusão do ministro da Educação das investigações das fake news e “a extensão dos pedidos a todos aqueles que tenham sido objeto de diligências e constrições no âmbito do Inquérito cujo trancamento é aqui demandado”.
Na prática, o ministro da Justiça quer que todos os investigados pela disseminação de fake news a favor do governo que acordaram com a PF à porta não sejam alvo da operação. Mendonça pede habeas para Allan Santos, do site Terça Livre, da militante pró-Bolsonaro Sarah Winter e do ex-deputado Roberto Jefferson, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O HC, redigido às pressas depois do levante feito pela PF nas casas dos ativistas digitais e seus financiadores, prova que a cúpula que envolve Bolsonaro no bálsamo da adulação utiliza as instituições da República para proteger os interesses de uma matilha que não para de latir.
Ex-advogado-geral da União, André Mendonça defendeu Bolsonaro com unhas e dentes no episódio envolvendo o isolamento social em razão da pandemia de covid-19. Alegando ser “momento de bom senso e serenidade de todos”, soltou uma nota ameaçando processar prefeitos e governadores que não afrouxassem as medidas. A bravata só não avançou em virtude da sua nomeação para o lugar de Sergio Moro.
O habeas corpus assinado por ele revela o inconformismo do governo com as medidas determinadas pelo STF nos últimos dias. Segundo a petição de Mendonça, o HC resulta dos seguintes fatos:
1. A convocação de três ministros da ala militar para prestar depoimento sob pena de serem conduzidos à força;
2. A divulgação do famigerado vídeo da reunião do dia 22 de abril, etiquetado como “secreto” pela presidência da República;
3. A convocação de Weintraub para depor, em até cinco dias, sobre as ameaças à corte proferidas na reunião.
4. As buscas e apreensões realizadas “contra 29 parlamentares, youtubers, empresários e apoiadores do Presidente da República Jair Bolsonaro, todos cidadãos que não representam riscos à sociedade, cujos direitos à liberdade de expressão estão sendo objeto de flagrante intimidação ou tentativa de cerceamento”;
5. O pedido de arquivamento do inquérito 4781 pelo procurador-geral da República Augusto Aras.
As barbaridades vomitadas na reunião divulgada por decisão de Celso de Mello escancaram que o presidente e seus asseclas enxergam o governo com a lupa do totalitarismo e da paranoia. O poder serve para impedir que “eles” retornem. Que a “ditadura”, tão fácil de ser implementada, não se instale. Que seja preservada a liberdade, “porra”! Mas, quando o eco dos berros se esvai, não há agenda política a não ser afastar a “ameaça comunista”.
A utilização nada republicana do cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública para injetar autoridade aos argumentos do habeas corpus de Weintraub não é só preocupante: é imoral, apesar de não ser tão inusitada na lista de aberrações do governo Bolsonaro.
Como o Intercept abordou nesta reportagem, Sergio Moro, que durou pouco mais do que um ano na pasta, foi o ministro da Justiça que mais abriu inquéritos para proteger um presidente. Ocorre que a pasta não serve para proteger integrantes do governo.
No site do Ministério da Justiça consta a informação de que o ministério, respeitado o princípio da independência dos poderes, não pode interferir no Judiciário e não tem competência para atuar em processos judiciais de terceiros. Ao se qualificar como ministro de Justiça e Segurança Pública na petição de habeas corpus em favor de Weintraub e dos ativistas bolsonaristas, Mendonça não está exercendo suas atribuições institucionais vinculadas à defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais. Ainda que qualquer cidadão possa ingressar com um HC, considerado uma garantia fundamental pela Constituição, Mendonça usa o cargo de ministro para proteger outro ministro, algo sem paralelo na história da República do país.
A administração pública se pauta pelos princípios da impessoalidade e da moralidade. Isso significa que, ainda que os ministros auxiliem o presidente a conduzir a nação, não se pode confundir o público com o privado.
No momento em que o ministro da Justiça bate às portas do Supremo em defesa de determinados investigados, todos os limites republicanos foram ultrapassados porque o patrimônio público está sendo canalizado para acomodar o interesse de particulares. Poucas coisas podem ser institucionalmente mais graves do que o titular da pasta a qual a Polícia Federal é subordinada promover a defesa de investigados pela PF e pela mais alta cúpula do Poder Judiciário.
Está claro que, no governo federal, a ideologia de feudo se sobrepôs às instituições e que há um desdém explícito à probidade na administração que pode conduzir ao impeachment não só do presidente da República, mas também de qualquer um de seus ministros, inclusive o da Justiça.
Se André Mendonça, que pode ser convocado para prestar contas à Câmara dos Deputados pelo patrocínio dos interesses de Weintraub, quiser defender investigados do círculo íntimo de seu profeta, que não são poucos, deve pedir exoneração e abrir um escritório de advocacia.
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