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Por dentro do poderoso grupo evangélico que se mobiliza para reeleger Trump

A United in Purpose (UIP) trabalhou para ampliar o apoio do eleitorado evangélico a Trump em 2016. Agora, eles também querem conquistar negros e latinos.

O presidente dos EUA, Donald Trump, reza durante um evento de lançamento da coalizão “Evangélicos por Trump” em Miami, no dia 3 de janeiro de 2020.

A crise do coronavírus

Parte 131


“O vírus da covid foi um presente de Deus”, começou Ken Eldred. “O reino de Deus avança através de uma série de vitórias gloriosas, habilmente disfarçadas de desastres.” Segundo ele, em resposta à pandemia de coronavírus, milhões de americanos estão se voltando para Cristo, o Walmart está vendendo Bíblias e as transmissões online das igrejas atingiram números recordes.

Mas se a religiosidade vem crescendo, o surto da doença também trouxe contratempos. “Satanás também anda ocupado”, explicou Eldred, um importante doador de campanhas evangélicas e republicanas. “O vírus estragou muitos de nossos planos que envolviam reuniões pessoais com os eleitores”.

Além disso, o aumento das votações por correio, de acordo com Elderd, limitaria as regras de identificação de eleitores, que têm sido um pilar da estratégia de eleição do Partido Republicano. “Os filhos das trevas colocaram o voto antecipado neste pacote da CARES“, resmungou, em uma referência à lei que direcionou US$ 400 milhões para programas de assistência eleitoral aos estados incluídos no pacote de US$ 2,2 trilhões para combate ao coronavírus.

Após uma breve oração liderada por Eldred, na qual ele declarou que “agora dobramos a esquina do vírus” e pediu a Deus o fim das mortes pela epidemia, o principal tema da teleconferência foi levantado: como os eleitores cristãos podem ser uma força importante para a reeleição de Donald Trump.

A teleconferência, realizada em meados de abril, é parte de uma série de reuniões patrocinadas pelo United in Purpose, um discreto grupo que se transformou em um importante ponto de encontro para líderes da direita religiosa. O UIP foi crucial para conectar Trump a líderes evangélicos em 2016, e promete ser uma das armas mais vitais no arsenal para a reeleição de Trump este ano.

A princípio, o esforço pode parecer um retrocesso. Os participantes do grupo incluem pregadores televangelistas e ativistas anti-gays. David Barton, historiador que faz parte do conselho do UIP, vende caixas de DVDs nos quais argumenta que os Estados Unidos foram fundados como uma nação cristã fundamentalista, sem separação entre igreja e estado.

Mas o grupo, cujos partidários incluem grandes doadores de causas conservadoras, pastores e agentes políticos com décadas de vitórias em eleições, leva a sério o papel de ponta de lança para manter o controle da Casa Branca. O plano eleitoral do UIP para 2020 – que se chama de “Ziklag”, uma cidade citada na Bíblia – é um esforço multifacetado para conectar Trump a líderes evangélicos e aumentar seu apoio entre os eleitores de minorias, através do apelo às mensagens religiosas e do alcance que a igreja possui.

O UIP não respondeu ao pedido para comentar o assunto.

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Talvez o aspecto mais importante seja a intenção do grupo em usar a mineração de dados para identificar milhões de novos eleitores e alcançá-los com anúncios baratos no Facebook. Conforme os porta-vozes na teleconferência, a pandemia vai fazer com que eles precisem trabalhar horas extras para compensar os efeitos da votação por correio.

A campanha sem precedentes busca mobilizar o que eles chamam de “eleitores católicos evangélicos e conservadores adormecidos”, com foco no apelo à afiliação religiosa como uma maneira de compensar a relativa falta de apoio de Trump entre os eleitores não brancos. Eles esperam reduzir o apoio democrata entre os afro-americanos e os eleitores latinos religiosos, em particular os mais velhos, pois estes tendem a ter um ponto de vista religioso culturalmente bem mais conservador e devoto que os liberais brancos.

O UIP, embora não seja um grupo muito conhecido, emergiu nos últimos anos como o canal fundamental para conectar a direita religiosa ao governo Trump.

“Embora poucos americanos conheçam o United in Purpose, a organização afirma ter algum conhecimento sobre todos os eleitores americanos, ou ao menos a maioria deles”, observou Katherine Stewart, autora de “The Power Worshippers”, um livro sobre o movimento nacionalista cristão e sua tomada pelo Partido Republicano.

O UIP trabalha em intensa colaboração com o Family Research Council, grupo ultraconservador que defende os “valores da família” liderado por Tony Perkins. O conselho inclui o ex-deputado Bob McEwen, Republicano de Ohio, membro ativo da direita religiosa pelo seu papel na convocação do Council for National Policy, outro grupo conservador cristão.

Balanços fiscais mostram que o UIP recebeu US$ 75 mil do Comitê Wellspring, a misteriosa organização sem fins lucrativos que financiou a campanha publicitária na televisão pela indicação do juiz Brett Kavanaugh à Suprema Corte. Outro doador importante para a UIP é o major-general Vernon B. Lewis Jr., que se aposentou das forças armadas para fundar a MPRI, uma empreiteira da área de defesa vendida à L-3 Communications, e outra empresa de consultoria de defesa chamada Cypress International.

Em junho de 2016, depois que Trump confirmou sua indicação pelo Partido Republicano, o UIP organizou uma reunião de alto escalão entre o então candidato e cerca de mil líderes evangélicos. Trump teria usado o evento para se comprometer com uma série de itens da agenda social conservadora, incluindo o levantamento de restrições políticas às igrejas e a promessa de nomear juízes de acordo com as prioridades da direita religiosa.

Desde a eleição de Trump, o UIP realiza reuniões regulares em todo o país para reunir líderes e grandes doadores religiosos. Em 2017, o grupo realizou uma festa de gala de premiação no Trump International Hotel, oferecido por Ginni Thomas, esposa do juiz Clarence Thomas. No ano seguinte, o vice-presidente Mike Pence participou de um jantar do UIP.

Em setembro passado, os membros do grupo compareceram em peso ao Luxe Sunset Boulevard, um moderno hotel de Los Angeles, para discutir estratégias e ouvir o cantor Pat Boone, que discutiu como as questões religiosas estão influenciando Hollywood. George Seay, um grande doador do Partido Republicano e executivo-chefe da Annandale Capital, uma empresa global de investimentos, já organizou eventos sobre o plano “Ziklag” para membros do UIP.

O grupo planeja replicar o evento da campanha de 2016, que foi grande o suficiente para gerar manchetes sobre o apoio evangélico a Trump. Mas neste ano o foco está em alcançar as minorias. Durante a teleconferência, Brian Burch, representante do UIP, disse que o grupo espera organizar um evento para Trump se reunir e prometer apoio aos líderes das igrejas afro-americanas e latinas.

Burch acrescentou que o UIP já “fez uma série de doações a parceiros focados em estados-chave” para o início dos trabalhos voltados aos eleitores religiosos das minorias.

Ralph Reed, uma figura importante na articulação do presidente George W. Bush junto aos evangélicos, falou durante a teleconferência de abril para explicar o que ele chamou de “cenário macro-político” da eleição deste ano. Rapidamente, Reed explicou os resultados das eleições anteriores, comparando Trump com Mitt Romney para argumentar que a menor participação dos afro-americanos nos estados do “Cinturão da Ferrugem” – localizados no nordeste do país e atingidos pela desindustrialização –, foi fundamental para o sucesso do Partido Republicano.

“Foram 47 mil votos negros a menos em 2016 na comparação com 2012, apenas no Condado de Milwaukee”, disse Reed. “Em Michigan houve resultado semelhante, Trump venceu por 10.704 votos, dos cerca de 2 milhões de eleitores votantes em Michigan. E havia 36 mil votos dos afro-americanos a menos em Detroit, no Condado de Wayne. ”

“Eles estão convencidos de que Hillary [Clinton] perdeu porque ela não conseguiu replicar a participação de [Barack] Obama entre as minorias”, acrescentou Reed. “E eles estão focados nisso, assim como Trump está em evangélicos e católicos pró-vida.”

Marjorie Dannenfelser, presidente da Susan B. Anthony List, discursa durante a 11ª festa de gala anual da organização anti-aborto “Campaign for Life”, no National Building Museum, no dia 22 de maio de 2018, em Washington, DC.

Marjorie Dannenfelser, presidente da Susan B. Anthony List, discursa durante a 11ª festa de gala anual da organização anti-aborto “Campaign for Life”, no National Building Museum, no dia 22 de maio de 2018, em Washington, DC.

Foto: Brendan Smialowski/AFP/Getty Images

Marjorie Dannenfelser, que lidera a Susan B. Anthony List, um grupo anti-aborto ativo em eleições do Partido Republicano, uniu-se ao UIP recentemente como parceira de divulgação. O grupo, embora menos conhecido que o Planned Parenthood, seu análogo que advoga pelos direitos reprodutivos, tem papel importante nas eleições para o Congresso. A SBA List, que inclui um comitê de ação política, anunciou em janeiro sua intenção de gastar US$ 52 milhões no ciclo eleitoral de 2020.

Durante a teleconferência de abril, Dannenfelser enfatizou a necessidade de adaptar táticas para atender às circunstâncias únicas da pandemia. Segundo ela, os eleitores precisarão de mensagens fortes para incentivá-los a votar pelo correio. E entre os eleitores independentes e democratas, a questão do aborto atravessa as linhas partidárias, especialmente nos estados do Cinturão da Ferrugem, afirmou.

“A batalha pelos eleitores pró-vida da classe trabalhadora nesses estados será fundamental”, disse Dannenfelser. A SBA List, acrescentou, está realizando pesquisas sobre como construir suas mensagens sobre as questões do aborto. “O que estamos descobrindo, sem surpresa, mas é bom saber, é que a questão sobre o aborto de bebês que nascem vivos levantada pelo presidente teve um tremendo efeito no convencimento de eleitores nessas áreas entre os republicanos, democratas e independentes.”

Esse plano parece se encaixar na estratégia da campanha de Trump. Em janeiro, o presidente lançou a coalizão “Evangélicos por Trump” no Ministério Internacional King Jesus, uma mega-igreja de maioria latina em Miami, liderada pelo pastor Guillermo Maldonado, um líder evangélico de destaque. “Meu governo nunca vai parar de lutar pelos americanos de fé”, declarou Trump no evento. “Vamos restaurar a fé como o verdadeiro fundamento da vida americana.”

Mas o foco dos esforços do UIP para 2020, explicou Reed na conferência, baseia-se na identificação de novos eleitores religiosos. Para alcançar os eleitores fiéis não tradicionais, o grupo está usando diversas ferramentas de mineração de dados.

Reed afirmou que seus “data partners”, parceiros na área de manipulação de dados, identificaram 26 milhões de eleitores nos estados decisivos para a disputa eleitoral, dos quais cerca de três em cada quatro são usuários do Facebook. “Podemos alcançá-los”, disse Reed, “e custa um trocado de dólar para direcionar uma mensagem até cada um, na comparação com o que o outro lado vai gastar na televisão”.

Embora a chamada não tenha especificado exatamente quais são essas ferramentas, vários membros do UIP estão envolvidos na criação de tecnologias para a identificação de eleitores.

O UIP foi fundado por Bill Dallas, um ex-modelo, investidor imobiliário de São Francisco e empresário de tecnologia, que se converteu ao cristianismo enquanto cumpria pena de prisão por peculato. Uma das primeiras empresas que Dallas fundou após deixar a prisão estadual de San Quentin foi a Church Communication Network, uma rede on-line e via satélite para transmitir programação religiosa.

Dallas agora administra a Pioneer Solutions, uma empresa de mineração de dados usada para encontrar e ativar eleitores religiosos. Em 2015, um pesquisador de tecnologia da informação encontrou uma série de informações demográficas sobre os eleitores ligados à Pioneer Solutions, incluindo informações sobre o porte de armas e se um indivíduo tinha ou não um “estilo de vida bíblico”. O vazamento involuntário apresentava informações que abrangiam 191 milhões de cidadãos dos Estados Unidos. “Temos cerca de 200 milhões de arquivos, então temos praticamente toda a população votante em nosso banco de dados”, afirmou Dallas em uma entrevista à Christian Broadcasting Network no ano seguinte.

Brian Burch, o funcionário do UIP que ajudou a liderar a teleconferência de abril, atua como presidente do grupo CatholicVote, que reúne informações sobre potenciais eleitores por meio da coleta de grandes quantidades de dados de localização pelos telefones celulares.

A polêmica estratégia permitiu que o CatholicVote usasse o que é conhecido como “geocerca” para alcançar os eleitores que vão com frequência à igreja católica. Os dados, relacionados a outros conjuntos de informações, como o registro de eleitores, foram projetados para identificar e motivar os católicos participantes das missas a apoiarem os republicanos nas eleições de meio de mandato, em 2018.

Nas eleições de 2020, Burch escreveu que pretende expandir a estratégia de “geocercamento” para identificar milhões de eleitores católicos nos estados onde há disputa. Burch alega que sua abordagem identificou 91.373 católicos que frequentam a igreja apenas em Wisconsin, e que não haviam se registrado para votar.

Apoiadores evangélicos de Donald Trump são guiados em orações dentro da igreja El Rey Jesús, também conhecida como Ministério Internacional King Jesus, em Miami, no dia 3 de janeiro de 2020. Foto: Adam DelGiudice / Echoes Wire / Barcroft Media / Getty Images

Apoiadores evangélicos de Donald Trump são guiados em orações dentro da igreja El Rey Jesús, também conhecida como Ministério Internacional King Jesus, em Miami, no dia 3 de janeiro de 2020. Foto: Adam DelGiudice / Echoes Wire / Barcroft Media / Getty Images

Foto: Adam DelGiudice/ Echoes Wire/Barcroft Media/Getty Images

Ken Eldred, o patrocinador do UIP que abriu a teleconferência de abril, construiu sua riqueza fundando uma série de empresas de tecnologia no início dos anos 1990. Ele co-fundou a Inmac, que comercializava computadores e eletrônicos em catálogos, e foi vendida em 1996. Atualmente, ele atua no conselho de outra empresa da qual é co-fundador, a Epicenter, especializada na terceirização de serviços de cobrança e tecnologia da informação para a Índia.

Kelly Kullberg, outra representante do UIP e fundadora de um grupo chamado Associação Americana de Evangélicos, era administradora de uma rede de 24 contas no Facebook com o total de 1,4 milhão de seguidores, usadas para espalhar desinformação com viés partidário. Os grupos, que usavam nomes como “Negros por Trump”, “Evangélicos pela Imigração Bíblica”, “Veteranos por Trump” e “Enfermeiros e Médicos pela América”, eram repletos de desinformação e discursos de ódio.

Uma publicação compartilhada na rede de grupos do Facebook de Kullberg alertava que programas de refugiados representavam “destruição e subjugação cultural”. Outra afirmava que muçulmanos são incapazes de assimilação porque “um muçulmano normal mantém sua lealdade à lei e à supremacia da Sharia”.

Em uma teleconferência do UIP realizada em maio de 2019, Kullberg discutiu a necessidade de encontrar mensagens capazes de inspirar eleitores conservadores depois de conversar com Reid Rutherford, um executivo do setor de energia solar que fez doações ao grupo. Ambos analisaram os dados de uma pesquisa para preparar um dossiê para as eleições de 2020.

“Essas questões incluem a santidade da vida versus o infanticídio”, disse Kullberg. “Quais são as imagens que mais comovem as pessoas? O conteúdo que leva a esses pontos de discussão?”, acrescentou ela, indicando que poderia enviar essas mensagens eleitorais para suas redes sociais.

Kullberg sugeriu criar uma barreira entre lésbicas e a comunidade de transgêneros, chamando a atenção para o fato de que as estudantes trans teriam acesso aos banheiros femininos e às bolsas de estudo destinadas às mulheres. “Vamos ressaltar isso. Quando trabalhamos para expor o antissemitismo de Linda Sarsour, aquilo dividiu a Marcha das Mulheres. Existem algumas estratégias muito inteligentes para enfraquecer ou suavizar a oposição dizendo a verdade”, explicou Kullberg

“Às vezes, nosso lado não faz isso muito bem. Estamos muito preocupados em ser gentis, mas temos como resultado o infanticídio. Então percebemos que precisamos jogar para vencer desta vez. É uma montanha pela qual vale a pena batalhar”, declarou. Durante a ligação, ela afirmou que poderia alcançar 80 milhões de pessoas pelo Facebook. Mas sua rede foi encerrada após ter sido exposta em um relatório do Snopes, um site de verificação de fatos.

Enquanto isso, o novo coronavírus ameaça comprometer os esforços do grupo, e desviar a atenção dos tópicos conservadores que geram polarização.

O pesquisador George Barna vem trabalhando para moldar a abordagem do UIP. Em um memorando recente para o grupo, ele alertou que a pandemia do coronavírus redirecionou as prioridades americanas para as eleições, com um novo foco em assistência médica, desemprego, crescimento econômico e estabilidade.

Sobre o aborto, Barna advertiu: “era de se esperar que a questão tivesse diminuído em importância para os moderados e liberais”, enquanto, na verdade, “foram os conservadores que se tornaram relativamente mais propensos a indicar um declínio na importância dessa questão”.

Ainda assim, o UIP pode ser uma força poderosa durante a eleição.

“Todas as principais operações políticas – de todos os partidos – agora contam com big data e redes de ativistas para aprimorar sua eficácia nas campanhas eleitorais”, observou Katherine Stewart, que escreveu sobre operações políticas evangélicas em “The Power Worshipers”. “Uma diferença fundamental, no entanto, é que a máquina do UIP que trabalha para fazer os eleitores compareceram às urnas está no topo de uma longa pirâmide que opera na esfera religiosa, quase totalmente isenta de impostos e protegidas do escrutínio público”.

Tradução: Antenor Savoldi Jr.

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